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STJ: pai pode ajuizar ação de produção antecipada de prova para justificar eventual exclusão do filho na sucessão

Atualizada em 08/08/2024
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ concedeu a um pai o direito de mover ação de produção antecipada de provas para documentar supostas declarações de injúria feitas pelo filho em redes sociais para, no futuro, excluí-lo da sucessão.
O colegiado proveu parcialmente o recurso especial ao entender que a ação não admitida nas instâncias inferiores não envolve decisão sobre direitos, pois serviria apenas para documentação de fatos.
No recurso dirigido ao STJ, o pai sustentou que a ação tem por objetivo apenas a documentação das provas produzidas, sem caráter litigioso.
A relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, afirmou que não se pode indeferir uma ação probatória de justificação sob o fundamento de que haverá declaração ou reconhecimento de qualquer direito. Segundo ela, esse tipo de ação visa apenas documentar determinados fatos.
A ministra lembrou que a produção antecipada de provas pode ser cautelar, satisfativa ou, ainda, ter o objetivo de evitar ou justificar o ajuizamento de uma ação. Nesse último sentido, Andrighi explicou que o atual Código de Processo Civil – CPC introduziu essa subespécie de ação probatória autônoma, prevista no antigo Código como medida cautelar de justificação.
Segundo a relatora, esse instrumento é útil para que as partes mensurem, previamente, a viabilidade e os riscos envolvidos em um eventual e futuro litígio, podendo, inclusive, adotar meios de autocomposição.
"Não será feita a valoração da prova na própria ação probatória, mas apenas em eventual e futura ação de conhecimento em que o fato documentado vier a ser utilizado", concluiu.
De acordo com o STJ, o pai ajuizou a ação de produção antecipada de prova para documentar suposta declaração dada pelo filho, em redes sociais, de que ele estaria envolvido na morte de sua ex-esposa e que o motivo seria patrimonial.
Em primeira instância, o juízo não admitiu a ação por não reconhecer o interesse processual do pai, pois se discutiria herança de pessoa viva e declaração de indignidade do filho para excluí-lo da sucessão.
O Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP manteve a decisão, acrescentando, nos fundamentos, a falta de urgência, a possibilidade de produção de prova posteriormente e a inexistência de litígio que justificasse o processo.
Decisão não se torna regra, mas é importante
Segundo o juiz Rafael Calmon, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão que permitiu ao pai mover ação de produção antecipada de provas é isolada, portanto, pode ser que não se transforme em um padrão na Justiça brasileira. Ainda assim, trata-se de uma determinação do STJ, o que lhe confere maior importância.
“Ainda que a decisão não seja vinculante, ela tem um fator persuasivo muito grande e pode, sim, dar início a uma série que pode virar jurisprudência e até um precedente, no futuro. Pela valorização atual dos julgados do STJ, ele representa algo muito importante a ser observado, ainda que a título persuasivo, pelos outros juízes”, analisa.
Segundo o magistrado, os motivos que podem levar um tribunal a permitir a produção antecipada de provas, mesmo quando não há litígio iminente, estão listados no artigo 381 do CPC.
“As hipóteses de cabimento são: quando há necessidade urgente de produção da prova para preservação de fatos que podem se alterar com o tempo; quando é possível evitar a propositura de uma ação após uma das partes conhecer melhor os fatos; e quando, de qualquer forma, a produção da prova pode evitar a propositura de uma ação”, explica.
De acordo com o especialista, o Código Civil, no artigo 1.814, prevê a exclusão da sucessão de herdeiros e legatários que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro.
“Para obter sucesso na ação de exclusão por indignidade e comprovar o caso, é necessário ter prova conclusiva a respeito da prática pelo filho, no caso, da ação”, comenta Rafael Calmon.
Provas digitais exigem requisitos específicos
Como as supostas declarações de injúria foram feitas nas redes sociais, existem requisitos específicos para as provas digitais, já que elas não permitem auditagem.
“As provas digitais podem ser manipuladas ou até criadas, sem a possibilidade de aferição. No curso da produção antecipada de provas, provavelmente será feita uma perícia sobre essas postagens, podendo até ser utilizado o próprio computador da pessoa para essa auditagem. Fora da justiça, existem ferramentas on-line que permitem fazer essa aferição, e que são aceitas como prova, sim”, explica.
Ele defende a produção antecipada de provas como uma ferramenta útil tanto no Direito das Famílias como no Direito das Sucessões. Nesse segundo caso, tal instrumento pode evitar que o juiz do inventário remeta a discussão sobre questões paralelas e conexas ao inventário para as vias ordinárias.
“O artigo 641, § 2º, do Código de Processo Civil, por exemplo, menciona que se a discussão não estiver amparada numa prova documental, o juiz remeterá o processo para as vias ordinárias. A expressão ‘prova documental’ vem sendo interpretada pela doutrina como ‘prova documentada’, que pode ser aquela produzida em uma produção antecipada de provas”, explica.
Ele esclarece que depoimentos, reconhecimento de união estável, provas a respeito de filhos havidos fora do casamento, entre outras situações, podem comprometer o processo de inventário.
“Se não houver a produção antecipada de provas, essas questões seriam remetidas para as vias ordinárias, demandando muito tempo e custo. Portanto, caso a pessoa conheça a produção antecipada de provas, pode realizar essa ação antes, coletar as provas que precisa e apresentar ao juiz no momento oportuno”, afirma.
REsp 2.103.428
Por Guilherme Gomes
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