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Dia do Orgulho: desatualização da legislação brasileira compromete garantias às famílias LGBTQIA+
Muito embora as famílias homoafetivas sejam equiparadas às famílias heteroafetivas desde 2011, por decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, a legislação brasileira segue desatualizada sobre o que constitui um casamento e uma família num mundo em que a relação entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade. O atual Código Civil, criado em 2001 e em vigor desde 2002, indica que somente “o homem e a mulher” podem se casar ou configurar uma união estável para a formação de uma família. Tal entendimento reflete na falta de garantias a essas famílias, assunto que merece destaque no Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, celebrado nesta sexta-feira (28).
“A população LGBTQIA+ no Brasil não tem legislação que a proteja”, afirma a advogada Priscila de Oliveira Morégola Pires, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. “Carecemos de um Legislativo sensível, que até hoje não se movimentou para legislar sobre o tema”, avalia.
Para ela, o preconceito segue como a grande barreira entre as famílias LGBTQIA+ e os direitos comuns ao restante da sociedade, o que só pode ser combatido por um esforço educacional coletivo. “Precisamos de políticas contra todos os tipos de preconceito e que o currículo escolar aborde a problemática da discriminação de gênero, sexo e orientação sexual”, avalia.
O advogado e educador Saulo Amorim, coordenador do grupo de apoio à adoção Cores da Adoção, observa que, desde 2011, nenhuma legislatura foi capaz de colocar em leis os avanços garantidos pelo Poder Judiciário. Dessa forma, não seria possível tratar nenhuma conquista das famílias LGBTQIA+ como garantia.
“A depender de um novo cenário político, uma nova composição do Supremo pode desequilibrar a jurisprudência que ainda hoje sustenta nossos direitos”, afirma. “Precisamos, principalmente, de emendas à Constituição e uma revisão do Código Civil para que o conceito de família seja ampliado.”
Vale lembrar que o anteprojeto de atualização do Código Civil entregue ao Senado pela Comissão de Juristas em abril passado, propôs indicar de forma clara que uma família se forma pelo casamento de “duas pessoas livres e desimpedidas” ou pela união estável “entre duas pessoas, mediante uma convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida como família”.
Direitos e obrigações iguais
Amorim também acredita que uma das saídas para atingir a justiça e a igualdade social seja reequilibrar os “direitos generificados por critérios biológicos (dados aos ‘homens’ ou ‘mulheres’), pensando na equiparação dentro de todos os tipos de conjugalidades”. Ele se refere, por exemplo, à licença-maternidade e à licença-paternidade, que atualmente preveem 180 dias para as mães e cinco dias para os pais.
“A quem interessa as licenças senão aos filhos. Por quais motivos um homem pode se ausentar por menos tempo do trabalho do que uma mulher. A paternidade tem menor valor ou o trabalho do homem é mais necessário? Toda mulher que se licencia o faz apenas para amamentar? Os cuidados despendidos por um componente do casal são mais importantes ou legítimos que o outro?”, questiona. “O Brasil permanece na contramão dos avanços quando deixa de considerar uma licença parental, desvinculada de gênero e comprometida com os principais interessados, os pequenos.”
Apesar das conquistas jurisprudenciais, o advogado e educador lamenta que algumas delas ainda enfrentam resistência, como é o caso do CPF, que vincula os cidadãos brasileiros ao nome de uma mãe.
“Inúmeras crianças já nasceram e/ou foram adotadas por conjugalidades dissidentes da heteronorma e que têm duas mães ou nenhuma. Casais de lésbicas precisam escolher qual delas será vinculada no sistema. Os filhos de casais de homens (cis ou trans) ou rapazes que adotam sozinhos recebem de presente da Receita Federal um campo preenchido com o termo ‘mãe desconhecida’. Como assim? Se nessa família não há mãe, ela não é ‘sujeito oculto’, muito menos ‘desconhecida’, ela simplesmente não existe e esse campo é inadequado àquele registro”, pontua.
O IBDFAM participa como amicus curiae da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 899/2021, no Supremo Tribunal Federal, que questiona a constitucionalidade dessa prática.
Igualdade na realidade
Para o professor Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas – ABRAFH, uma série de direitos as pessoas LGBTQIA+ já possuem. No entanto, ele concorda que há uma lacuna entre a teoria e a prática.
“Já temos o princípio da igualdade. Hoje, o Brasil é o oitavo país em direitos formais, que conquistamos por meio do STF. Contudo, infelizmente, precisamos tirar do papel algumas questões e colocar a igualdade na realidade. Por exemplo, temos uma discussão sobre o registro civil, no registro de nascimento das crianças, que precisa aparecer ‘pai’ e ‘mãe’. Quando são duas mães ou dois pais, isso gera uma confusão, então, ainda há alguns detalhes que precisam ser muito mais regulamentados”, afirma.
Apesar das conquistas na justiça, as famílias LGBTQIA+ ainda enfrentam desafios legais institucionalizados que não refletem as transformações sociais.
“Conseguimos garantir direitos na Suprema Corte, mas a sociedade ainda tem muitos preconceitos e estigmas. Infelizmente, cerca de 30% da população ainda não nos respeita e ainda há muito discurso de ódio. Além disso, ainda enfrentamos assassinatos motivados por orientação sexual. Precisamos fazer um trabalho educacional e cultural para que as pessoas respeitem a diversidade”, conclui.
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