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Retrocesso: Câmara aprova urgência para PL que equipara aborto legal a homicídio

A Câmara dos Deputados aprovou, nessa quarta-feira (12), em questão de segundos, o requerimento de urgência do Projeto de Lei 1904/2024, que equipara abortos após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio. Com a aprovação, a proposta não precisa mais passar por comissões temáticas da Câmara e segue para o Plenário.
O texto, assinado por 32 deputados e defendido pela bancada evangélica da Casa Legislativa, impõe restrições mesmo quando a gravidez for decorrente de estupro. O projeto pretende alterar os artigos 124 (aborto autogestionado ou consentir que outra pessoa o faça), 125 (provocar aborto sem consentimento) e 126 (provocar aborto com consentimento) do Código Penal.
O PL estabelece a aplicação de pena de homicídio simples nos casos em que a gestante: provoque o aborto em si mesma ou consente que outra pessoa lhe provoque (a pena passa de prisão de 1 a 3 anos para 6 a 20 anos); tenha o aborto provocado por terceiro com ou sem o seu consentimento (a pena para quem realizar o procedimento com o consentimento da gestante passa de 1 a 4 anos para 6 a 20 anos, mesma pena para quem realizar o aborto sem consentimentos, hoje fixada de 3 a 10 anos).
A Casa Legislativa abriu enquete para avaliar a opinião popular sobre a proposta. Até a manhã desta quinta-feira (12), 76% dos participantes da pesquisa discordam totalmente do texto. Interessados podem votar neste link.
Um dos autores, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) afirma que o requerimento de urgência é uma reação ao voto favorável da então ministra do Supremo Tribunal Federal – STF, Rosa Weber, na ADPF 442, que prevê a descriminalização do aborto em todos os casos até a 12ª semana de gestação. O julgamento está paralisado após pedido do ministro Luís Roberto Barroso e não há previsão de retomada, até o momento.
No mês passado, a resolução do Conselho Federal de Medicina – CFM, que proíbe a assistolia fetal para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro, foi suspensa, de forma liminar, pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.
A medida atendeu a um pedido feito pelo PSOL, que busca a declaração de inconstitucionalidade da resolução do CFM, que proíbe a utilização da assistolia fetal exclusivamente nos casos de aborto decorrente de estupro. A técnica utiliza medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto, antes de sua retirada do útero, e é considerada essencial para o cuidado adequado ao aborto.
Violência
A professora Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, afirma que a proposta deve afetar mulheres ao longo de seu ciclo de vida. “As referências às gestantes incluem também as meninas, as maiores vítimas de estupro em nosso país.”
“Esta violência assume múltiplas formas, incluindo atos ou omissões destinados ou susceptíveis de causar ou resultar em morte, dano ou sofrimento físico, sexual, psicológico ou econômico para as mulheres, ameaças de tais atos, assédio, coerção e privação arbitrária de sua autonomia”, aponta.
Adélia cita dados do Fórum de Seguranca Publica: em 2019, foram registrados 66.348 casos de estupro e estupro de vulnerável – um estupro a cada 8 minutos. Desses, 70% ocorreram na própria residência da mulher e 58,8% das vítimas tinham no máximo 13 anos.
Segundo a professora, essa é apenas a “ponta do iceberg”, tendo em vista que a pandemia da Covid-19 ampliou a vulnerabilidade e revelou fragilidades. “O Brasil é o epicentro do mundo em morte materna e essa gestante que morre tem cor e classe social – uma junção de vulnerabilidades.”
A especialista destaca que “a criminalização/penalização, por homicídio de um feto, da mulher que consente o aborto não tem nenhuma justificativa legítima”. Além disso, acrescenta Adélia, o texto representa uma “desproporcionalidade monstruosa”.
Ela explica: “O infanticídio, tipificado no artigo 123 do Código Penal como matar o próprio filho já nascido, sob a influência do estado puerperal, tem a pena de detenção, de dois a seis anos, enquanto o homicídio simples tem pena de reclusão de 6 a 20 anos”.
“A pena no caso de aborto não atende às finalidades de prevenção geral nem especial, só servindo como castigo para a mulher, especialmente se for pobre e negra, pois havendo a negação de atendimento nos serviços públicos, a mulher estuprada, sem assistência alguma, irá procurar realizar seu intento de maneira clandestina e insegura, com riscos de sequelas inimagináveis”, observa Adélia.
Legislação
No Brasil, o aborto é crime. Há três situações, porém, nas quais a prática é permitida: anencefalia fetal, ou seja, má formação do cérebro do feto; gravidez que coloca em risco a vida da gestante e gravidez que resulta de estupro.
Para todos os casos, é necessário “comprovar” a situação, seja por meio de laudos médicos e/ou Boletim de Ocorrência.
Ao G1, o presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito da OAB-SP, Henderson Fürst, explicou que as vítimas de estupro não esperam passar as 22 semanas de gestação por "capricho".
"Existem diversos motivos que podem levar a essa procura tardia. 70% dos casos de estupro de meninas no Brasil acontecem dentro de casa, com pessoas conhecidas ou mesmo familiares sendo os agressores. A família demora para descobrir e quando descobre, fica no dilema de denunciar ou não. Aí o tempo passa, não existe um serviço próximo, é necessário viajar, mas não tem dinheiro para arcar. São incontáveis barreiras", afirmou o especialista.
Por Débora Anunciação
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