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PL mantém como herdeira mulher que matar o companheiro em legítima defesa
Em análise na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 562/2024 mantém o direito de herança para mulheres vítimas de violência que matarem o marido ou companheiro agressor, em legítima defesa. O texto garante o mesmo direito para filhos na mesma situação.
O projeto, de autoria do deputado Capitão Alden (PL-BA), altera o Código Civil para garantir a possibilidade. A proposta também modifica a Lei Maria da Penha (11.340/2006) para assegurar assistência às vítimas de violência doméstica e familiar.
Segundo o autor do projeto, a proposição não busca legitimar ou estimular a violência como forma de resolução de conflitos, mas reconhece que “há situações em que a vítima se vê obrigada a agir em autodefesa para proteger sua própria vida ou a vida de seus filhos”.
Na Câmara, o texto tramita em caráter conclusivo, e ainda será analisado pelas comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Previsão legal
A professora Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que o atual Código Civil prevê a exclusão na sucessão de herdeiros ou legatários “que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente” (art. 1.814).
“Para que haja um crime doloso é necessário o dolo no sentido penal, que se revela pela vontade de causar ou assumir o risco do resultado. Além disso, a conduta precisa ser típica (definida e caracterizada na lei) e antijurídica ou ilícita. Isto é, conforme o Código Penal, a legítima defesa é um excludente de antijuridicidade ou de ilicitude, ou seja, quem age em legítima defesa não comete um crime”, aponta a especialista.
Segundo Adélia, qualquer interpretação da lei vigente leva à conclusão de que “não se considera indignidade para suceder, o homicídio culposo, ou cometido em legítima defesa, com as especificidades já previstas na lei penal”.
A diretora nacional do IBDFAM esclarece que há exclusão de ilicitude, pelo Código Penal brasileiro. “Art. 23 – não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa; III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.”
“Há excesso punível, conforme o parágrafo único do art. 23 quando o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. E o art. 25 do CP caracteriza a legítima defesa: ‘entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem’”, complementa Adélia.
Ela acrescenta que a legítima defesa já se encontra prevista como excludente de crime, não excluindo o direito à herança, e não só em casos de violência doméstica, não sendo classificado como homicídio doloso, se amparado pela legítima defesa.
“Não representa avanço”, diz especialista
Para Adélia Moreira Pessoa, o Projeto de Lei 562/2024 deve ser aperfeiçoado durante a tramitação, pois, “como está, não representa avanço legislativo”.
A professora percebe uma “perigosa restrição” no texto. Cita a alteração do art. 1.814 da Lei 10.406/2002, que passaria a vigorar com a seguinte redação: “(...) que houverem sido autores ou partícipes de homicídio, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente, salvo se tal ato tenha sido praticado por mulher ou filhos na defesa de injusta violência do agressor”.
De acordo com Adélia, a exclusão do termo “doloso” no texto implica que também o homicídio culposo (geralmente ocorrido em acidente, por negligência, imprudência e imperícia) levará à exclusão do herdeiro, autor desse homicídio culposo ou ainda o herdeiro, homem ou mulher, em outras circunstâncias que não seja violência doméstica, que agir amparado por alguma excludente de ilicitude.
Adélia ressalta que a justificativa da proposta argumenta de forma indevida o uso da legítima defesa, como uma reação à “injusta agressão”. “Esse não é o conceito jurídico integral de legítima defesa, que engloba outros elementos. Não só isso, mas também ‘reação moderada, usando dos meios necessários, agressão atual ou iminente’.”
Ela sugere que deveria ser acrescido ao texto a exclusão da indignidade para suceder quando a conduta estiver amparada pela excludente de culpabilidade “inexigibilidade de conduta diversa” (que não está prevista em lei), “pois não se pode exigir de uma mãe ou de um filho que assista, sem reagir, a agressões injustas a familiares”.
Por Débora Anunciação
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