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TJMS suspende convivência paterno-filial com base em direito de autodeterminação de adolescente
Em decisão recente, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul – TJMS utilizou o direito de autodeterminação de uma adolescente para suspender a convivência entre ela e o pai biológico. A menina também pretendia remover o sobrenome do genitor e ser adotada pelo pai socioafetivo.
No caso dos autos, o homem alegou ser impedido pela ex-companheira de conviver com a filha e pugnou pela efetivação dos termos de convivência homologados há mais de dez anos. A adolescente, representada pela mãe, interpôs Agravo de Instrumento em busca da reforma da decisão que ordenou o convívio.
No recurso, a adolescente informou ter sido abandonada afetivamente pelo genitor ainda quando criança. Afirmou que o genitor “em nenhum momento durante toda sua vida cuidou em prestar o devido zelo, a correta educação e o imprescindível afeto a sua filha”, e citou uma ocasião na qual o homem a ignorou em um shopping por estar acompanhado de sua nova companheira.
A adolescente alegou que o pedido do genitor, após mais de uma década, deu-se exclusivamente em razão do protocolo de uma Ação de Adoção Unilateral na qual ela buscava ser adotada pelo padrasto e retirar o sobrenome do pai biológico. A jovem também defendeu a filiação socioafetiva desenvolvida com o padrasto, que cumpriu com os deveres de pai ao longo dos anos e, consequentemente, tornou-se o referencial de figura paterna para ela e seu irmão.
Autodeterminação
Outro argumento utilizado no recurso é o fato de que “a adolescente já tem consciência e discernimento suficientes para distinguir o que seria ou não benéfico para o seu desenvolvimento, devendo o Douto Julgador respeitar sua vontade ao analisar as circunstâncias do caso”.
Ao avaliar a questão, o relator concordou que deveria ser preservada “a autodeterminação da criança e do adolescente, sendo dever de toda a sociedade resguardá-lo de tudo aquilo que atente contra seu interesse legítimo de crescer em um ambiente seguro e protegido.”
“Portanto, a despeito do direito de o agravado ver atendido um comando judicial, há na hipótese direito de igual ou maior valia em questão, qual seja a preservação dos direitos da adolescente, ora agravante”, anotou o magistrado, ao receber o Agravo de Instrumento em seu efeito suspensivo, suspendendo temporariamente a convivência paterno-filial.
Melhor interesse
O advogado Bruno Campos de Freitas, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, atuou no caso. Para o advogado, a decisão é “brilhante”.
“Além de priorizar o melhor interesse da adolescente, considerou o seu posicionamento acerca dos fatos em questão, tendo em vista que somente ela seria capaz de explanar como se sentiria se fosse obrigada a conviver com o pai biológico, que, hoje, não passa de um estranho”, pondera o especialista.
Bruno afirma que a decisão servirá de fundamento sólido “não somente para casos em que adolescentes vítimas de abandono afetivo não mais desejam conviver com o genitor, mas, também, para aqueles nos quais haja vínculo socioafetivo entre eles e o padrasto, pois tal sentimento, decerto, influencia de forma significativa na sua percepção acerca da relação com o pai biológico”.
Segundo o advogado, mais importante que a presunção de que os pais sempre poderão exigir o cumprimento da convivência com os filhos menores “é compreender que, na realidade, há questões que se sobressaem a tal direito, como a enorme probabilidade de ocorrência de danos ao adolescente que, abandonado afetivamente, reste forçado a estar com quem o abandonou”.
“Dessa forma, vê-se que é importantíssimo validar o direito de se autodeterminar dos adolescentes, sobretudo porque, muitas vezes, estes ainda são vistos como crianças, incapazes de compreender a real importância das pessoas e circunstâncias que lhes permeiam”, conclui.
Por Débora Anunciação
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