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9 anos da Lei do Feminicídio: aumento da violência revela necessidade de mudanças mais profundas, diz especialista
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Neste sábado (9), a Lei do Feminicídio (13.104/2015) completa nove anos em vigor. De lá para cá, a violência contra a mulher no Brasil apresenta sinais de recrudescimento, segundo a professora Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Para ela, o panorama atual revela a necessidade de mudanças mais profundas na sociedade, de cunho cultural, que são lentas.
“Nenhuma lei é suficiente para coibir o feminicídio, nem os crimes de gênero. Mudanças culturais precisam ocorrer. No Brasil, uma cultura secular forjou comportamentos hierárquicos e patriarcais que ainda estão presentes em alguns espaços sociais. E uma lei não basta para mudar comportamentos”, avalia.
A lei considera feminicídio quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. A legislação alterou o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940) e estabeleceu o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Também modificou a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), para incluir o feminicídio. Com isso, o crime de homicídio simples tem pena de seis meses a 20 anos de prisão, e o de feminicídio, um homicídio qualificado, de 12 a 30 anos.
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP divulgados nesta quinta-feira (7), pelo jornal Folha de S. Paulo, pelo menos 10.655 mulheres foram vítimas de feminicídio no país de março de 2015 a dezembro de 2023. O levantamento leva em conta apenas os casos que foram oficialmente registrados. Segundo a entidade, o número seria maior se não fosse a subnotificação nos primeiros anos de vigência da Lei do Feminicídio.
“Hoje, há maior visibilidade da violência contra a mulher: só nos últimos cinco anos, dezenas de leis complementam e alteraram a Lei Maria da Penha (11.340/2006), por exemplo. Na legislação ordinária, as leis se repetem na medida de sua não efetividade. Mas o acesso à Justiça e aos direitos precisa observar múltiplas dimensões”, observa Adélia.
Recorde de feminicídios em 2023
A violência doméstica contra a mulher persiste e o número de feminicídios aumenta. Segundo o FBSP, no ano de 2023, 1.463 mulheres foram vítimas do crime no Brasil, maior número já registrado desde a tipificação da lei. “Vale frisar que, diferentemente do homem que morre predominantemente em situações de espaço público, a mulher é assassinada em decorrência de suas relações domésticas ou por razão de gênero”, pontua.
Para a especialista, ainda é gradativa a atenção à violência doméstica e familiar dada pelos três poderes, no Ministério Público e na sociedade em geral. Ela destaca a criação de várias Coordenadorias e Secretarias da Mulher, no âmbito municipal, estadual e federal, o que multiplicou os serviços de atendimento à mulher e à família, inclusive com a criação de mais delegacias especializadas.
Além disso, no Legislativo federal, foram criadas Procuradorias da Mulher e a Comissão Parlamentar Mista da Mulher; nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, Procuradorias da Mulher e Frentes Parlamentares em Defesa da Mulher; no Ministério Público e na Defensoria Pública instalaram-se Núcleos Especializados e Centros de Apoio Operacional de Direitos da Mulher, definindo atribuições na Defesa dos Direitos da Mulher.
No Poder Judiciário, em cada Tribunal de Justiça, foram instaladas as Coordenadorias da Mulher e Varas especializadas para julgar os casos de violência contra a mulher; o Conselho Nacional de Justiça – CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP estabeleceram diretrizes para acelerar o julgamento de ações relativas à violência doméstica e lançaram campanhas como a do Sinal Vermelho, um canal de denúncia criado na pandemia da Covid-19, campanha que contou com a colaboração dos setores públicos e privados.
“Todas as campanhas são bem-vindas, mas precisamos centrar esforços na prevenção. Se a lei não basta, o Brasil precisa construir estratégias para concretizar os direitos das mulheres através das políticas públicas diversas: ações educativas em todos os níveis de ensino, não apenas na educação formal, mas também através de todos meios de divulgação, especialmente na mídia; políticas assistenciais e de saúde; políticas culturais e de esportes; e outras ações efetivas para a mulher em todos os aspectos, buscando transformar os padrões culturais do patriarcado que ainda permanecem em muitos segmentos e fomenta a violência contra a mulher”, afirma.
Interferir nos padrões sociais sexistas
Para Adélia Pessoa, as medidas devem ter como objetivo uma interferência nos padrões sexistas da sociedade que considerem que as mudanças de posturas quanto aos direitos humanos das mulheres não são “consequência automática da sociedade democrática”.
“Não será de forma rápida que mitos, preconceitos e estereótipos serão desconstruídos. A vigência de uma lei pode ajudar, funciona como um dos fatores para o fim da violência. Mas as leis não bastam. É preciso que toda a sociedade se mobilize e nunca é demais enfatizar o papel fundamental da educação”, defende.
A especialista afirma que uma perspectiva de gênero nos currículos das escolas pode ser uma das saídas possíveis. “A educação é a via indispensável para mudança de padrões culturais tão arraigados. O combate à misoginia, que ainda está tão presente em nosso país, precisa ser trabalhado de modo eficaz”, diz.
Adélia destaca ainda o papel do IBDFAM no enfrentamento à violência de gênero na medida em que o Instituto, presente em todos os Estados da federação, tem capacidade de capilarizar essa importante discussão.
“O IBDFAM tem capacidade para organizar eventos, rodas de conversa, cine-debates e orientações diversas para que as mulheres possam romper o ciclo de violência. Um pouquinho que cada um fizer vai se tornar algo gigante”, avalia.
E acrescenta: “Todas as discussões em face do tema perpassam pela necessidade do emprego de esforço conjunto e engajado da família, da sociedade e do Poder Público. Todos, indistintamente, precisam contribuir para a efetivação do direito à integridade física, moral, psicológica e sexual da mulher que está sendo cotidianamente vilipendiado. Assim, a violência contra a mulher não é apenas um acontecimento da vida privada, pois, em briga de marido e mulher, todos nós precisamos meter a colher! E assim contribuir para a diminuição do feminicídio”.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br