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STJ: herdeiros coproprietários respondem solidariamente por dívida condominial
Atualizada em 07/03/2024
Os herdeiros coproprietários de um imóvel após a partilha respondem solidariamente pelas despesas condominiais, independente do quinhão hereditário. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ ao negar provimento ao recurso especial impetrado pelos herdeiros e pela viúva.
No caso concreto, um condomínio ajuizou ação de cobrança contra o espólio de um homem, a viúva meeira e seis filhos do falecido, pedindo que fossem condenados solidariamente a pagar o montante de R$ 4.325,57, uma vez que teriam deixado de quitar as taxas mensais de condomínio relativas ao imóvel do qual todos eram proprietários.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG manteve a decisão de primeiro grau que julgou o pedido procedente.
Em recurso ao STJ, os herdeiros e a viúva contestaram a responsabilidade solidária, alegando que, após homologada a partilha, cada herdeiro coproprietário somente responderia pela dívida condominial do imóvel na proporção do seu quinhão hereditário, ainda que não expedido o respectivo formal.
Ao analisar o caso, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que, com a morte de uma pessoa, é aberta a sucessão, transferindo-se de imediato a posse e a propriedade dos seus bens e direitos aos sucessores, à luz do princípio da saisine previsto Código Civil.
Segundo o ministro, a responsabilidade pelos débitos do falecido e por aqueles cujo fato gerador ocorra após a abertura da sucessão, mas antes da partilha, recai sobre a massa indivisível da herança, a qual pertence aos sucessores e é administrada pelo inventariante até a homologação da partilha.
Bellizze destacou que, após a partilha, a responsabilidade passa para os herdeiros, na proporção da parte de cada um na herança e limitada ao respectivo quinhão, sendo a expedição do formal de partilha mero procedimento solene destinado à regularização da posse e da propriedade dos bens, além de servir de fundamento à eventual propositura de execução forçada pelo sucessor.
Direito de regresso
Ao substituir o regime de copropriedade sobre um imóvel após a partilha, por ato voluntário dos herdeiros que aceitaram a herança, esses sucessores coproprietários respondem pelas despesas condominiais, independentemente da expedição do formal de partilha, o que resguarda o direito de regresso previsto no Código Civil.
O ministro ressaltou que, quando a herança inclui imóvel do qual decorram despesas condominiais, deve-se atentar para a natureza dessas obrigações, o que possibilita ao credor cobrar a dívida de quem quer que seja o proprietário.
De acordo com Bellizze, a solidariedade, nesse caso, resulta da própria lei, na medida em que o artigo 1.345 do CC admite a responsabilização do proprietário atual do imóvel pelas despesas condominiais anteriores à aquisição do bem. Daí decorre a possibilidade de cobrança da integralidade da dívida de quaisquer dos coproprietários, ressalvado o direito de regresso do condômino que pagou toda a dívida contra os demais codevedores, nos termos do artigo 283 do CC.
O ministro, inclusive, apontou que, ao disciplinar a solidariedade passiva, o artigo 275 do CC estabeleceu que o credor tem direito de exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum, e que caso o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.
"Havendo, nesse contexto, solidariedade entre os coproprietários de unidade individualizada pelas despesas condominiais após a partilha, revela-se inaplicável o disposto no artigo 1.792 do CC, segundo o qual o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança", concluiu ao negar provimento ao recurso especial.
Decisão esclarecedora
Para a advogada Simone Tassinari, membro da Comissão de Direito das Sucessões do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão do STJ esclarece uma das principais dúvidas referentes ao efeito da partilha de bens na ordem jurídica ao tratar da extensão da responsabilidade dos coerdeiros, por dívida condominial, após a partilha de bens em inventário
“O caso é bastante corriqueiro, presente no dia a dia de muitos de nós: sucessores herdam bens imóveis em conjunto e, em decorrência da vida que ocorre – muitas vezes, mais rápida e exigente do que o inventário, que se prolonga por anos – débitos se acumulam sobre os bens a serem inventariados. Alguns destes débitos caracterizam-se como obrigações típicas, a exemplo dos pagamentos de reformas para manutenção da coisa, outros aderem ao bem: são exemplos os débitos condominiais e as obrigações atinentes aos financiamentos bancários”, explica.
A especialista avalia que a decisão leva o jurista a revisar as bases do Direito Civil uma vez que verifica a máxima “ninguém herda dívidas”, o que, segundo ela, entende-se socialmente que débitos da pessoa falecida jamais chegarão ao patrimônio de quem herdou.
“Isso parece uma ‘meia-verdade’ no sentido técnico e a decisão encaixa os conceitos jurídicos e extrai efeitos significativos na natureza jurídica dos institutos. Três elementos deste caso são essenciais para enfrentar a questão: (a) os herdeiros realizaram a partilha dos bens no inventário; (b) com a partilha, optaram por permanecer na condição de condôminos do bem imóvel; (c) os débitos eram oriundos de obrigação condominial – propter rem – em sua natureza”, afirma.
Segundo ela, trata-se de saber se a responsabilidade pelo pagamento das quotas condominiais referentes ao bem já inventariado, recebido – em condomínio voluntário – por herança, caracteriza-se como obrigação solidária, ou divisível e limitada ao quinhão de cada um dos herdeiros.
“Um dos efeitos de quem é sucessor em relação imobiliária, seja esta sucessão em vida, ou mortis causa, é receber o bem com todos seus ônus reais, o que significa dizer que quaisquer transmissões derivadas de propriedade transmitem ônus reais. O bem responde pela dívida do condomínio, do mesmo jeito que responde por dívidas de IPTU, ou ITR, e, também, pelas dívidas de financiamento imobiliário que tenham natureza real. Assim também ocorre com a herança”, pontua.
De acordo com Tassinari, a decisão esclarece que receber herança e permanecer em condomínio significa correr o risco de responsabilizar-se por dívidas em sua integralidade e, somente após, manejar regresso para se ressarcir dos “irmãos” que não tomaram os mesmos cuidados.
“Talvez o mais cuidadoso, diligente e até mesmo com melhores condições financeiras, enfrente um longo percurso para se ressarcir dos demais que não tenham se demonstrado tão diligentes. Se os valores devidos superarem o quinhão deixado por herança, a força do direito real impacta na responsabilização primária de pagamento e, posteriormente, o regresso. Paga-se primeiro, depois manejam-se os instrumentos para receber o montante em excesso. Isso pode parecer injusto para os herdeiros que não compreendem a natureza dos institutos jurídicos com clareza”, afirma.
Influência em futuras disputas
Simone Tassinari avalia que o entendimento expresso no caso em questão pode influenciar futuras disputas relacionadas às despesas de condomínios imobiliários entre herdeiros.
“Após a partilha, o regramento jurídico incidente será o da modalidade de aquisição do bem. Assim, no momento da escolha da modalidade de recebimento, a due diligence sucessória deverá compor a despesa anterior como risco. Esta será a diferença entre o profissional generalista que, de vez em quando, faz um inventário, do profissional especializado em Direito das Famílias e Sucessório”, afirma.
Para ela, o profissional especializado na área sabe que o recebimento em condomínio de quaisquer elementos sucessórios são uma prática que aumenta os litígios.
“Na prática, tenta-se evitar o condomínio pós-partilha de todas as formas, somente manejando seus efeitos, quando esta for a ultima ratio, quando for menos danoso escolher a modalidade mais gravosa entre todas. Assim, a decisão ratifica o entendimento que os profissionais experts já têm: evite o condomínio sucessório pós partilha”, diz.
Medidas práticas
Diante disso, Tassinari lista, à luz do posicionamento do STJ, medidas práticas que os herdeiros de um imóvel coproprietário podem adotar para proteger seus interesses e evitar disputas relacionadas às despesas condominiais após a partilha:
- Procurar ser atendido por profissionais que tenham expertise nesta área específica, porque parece fácil e acessível a qualquer um levar a cabo um inventário, mas há matizes importantes e de impacto que somente um profissional da área tem condições de medir;
- Incluir como risco na due diligence imobiliária sucessória as despesas condominiais impagas e as que ocorrerem no curso do inventário, antes de aceitar a modalidade de recebimento;
- Incluir como risco na due diligence sucessória a integralidade dos custos dos bens, inclusive os que correm no curso do inventário, antes de aceitar a modalidade de recebimento;
- Considerar todas as relações jurídicas na composição do acervo a ser inventariado, especialmente as relações jurídicas obrigacionais, pois geralmente o foco das partes está no ativo e há excesso de confiança com relação aos débitos e despesas; Assim, antes da partilha, a composição do acervo a ser recebido fica mais realista;
- Evitar, insistentemente, a permanência em condomínio voluntário após a partilha de bens e, se for impossível a divisão cômoda, solicitar autorização judicial – mediante alvará específico, a fim de utilizar bens do espólio, antes da partilha – para saldar bens que deveriam ser do espólio, mas que, por força da natureza jurídica dos institutos, acabarão com maiores complexidades pós-partilha;
- Investir em um planejamento sucessório específico, a fim de prevenir este risco especial e demais riscos da iliquidez do espólio, contando-se com instrumentos como seguros especiais, deixas testamentárias específicas para venda e destinação ao pagamento, bem como outras ferramentas, como a utilização de holding para tornar o acervo mobiliário, como exemplo;
- Se o ambiente for de família-empresa, investir em um planejamento sucessório específico para esta finalidade, pois a complexidade destas relações na titularidade condominial inclui mais duas esferas de subjetivação autônoma de direitos: a do próprio negócio e a dos titulares do direito de propriedade, o que pode atrapalhar negociações societárias e a atividade empresarial em geral.
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