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Uso da parentalidade positiva para combater violência contra crianças pode virar lei
Um projeto de lei que determina ao poder público incentivar a parentalidade positiva como forma de prevenir a violência contra as crianças foi aprovado, em votação simbólica, pelo Senado Federal, no último dia 7 de fevereiro. A proposta agora depende de sanção presidencial para virar lei.
Trata-se do Projeto de Lei 2.861/2023, de autoria da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), aprovado sem alterações nas Comissões de Direitos Humanos, em outubro de 2023, e de Assuntos Sociais, em dezembro do mesmo ano, com relatoria do senador Paulo Paim (PT-RS).
O PL define a parentalidade positiva como “o processo de criação dos filhos baseado no respeito, no acolhimento e na não violência”.
O texto confere ao Estado, à família e à sociedade “o dever de promover o apoio emocional, a supervisão e a educação não violenta às crianças de até 12 anos de idade”.
A proposta prevê que o Estado, a família e a sociedade devem garantir o direito de brincar das crianças e promover ações de proteção da vida, de apoio emocional e de estímulo à autonomia e ao pleno desenvolvimento das capacidades neurológicas e cognitivas.
A aplicação da lei terá como base os direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente a brincar livre de intimidação ou discriminação; relacionar-se com a natureza; viver em seus territórios originários; e receber estímulos parentais lúdicos adequados à sua condição de pessoa em desenvolvimento.
Mudança cultural
A assessora jurídica Bruna Barbieri Waquim, educadora parental e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, afirma que as leis cumprem o papel de orientar a população e estabelecer um caminho a ser seguido, o que ganha ainda mais relevo quando tratam de questões culturais que precisam ser modificadas.
“Ainda hoje, enfrentamos muita resistência dos adultos em se reeducarem em prol de uma educação respeitosa às crianças. Há séculos os direitos das crianças são invisibilizados por institutos jurídicos como o da ‘incapacidade civil’ e do ‘poder familiar’, que contribuem para silenciar a oportunidade de manifestação das crianças e dos adolescentes, e os relega a uma posição de meros objetos de tutela e intervenção”, comenta.
Para ela, o Projeto de Lei 2.861/2023 representa um avanço na medida em que traz à tona um conteúdo para o exercício de uma parentalidade “respeitosa e responsável, definindo balizas de orientação para que esses pais e mães – e outros membros da família extensa – possam entender seus papéis e aprender como exercê-los da melhor forma para atender ao melhor interesse dessas crianças e adolescentes”.
A prática da parentalidade positiva
No contexto da parentalidade positiva, os genitores exercem a responsabilidade parental a partir da gentileza e da firmeza, transmitindo aos filhos uma educação com base no respeito e no encorajamento. Trata-se de uma filosofia que rejeita tanto a punição quanto a permissão, e pressupõe que a criança pode ter autonomia e participar da tomada de algumas decisões.
“É o chamado ‘caminho do meio’ entre o autoritarismo e a permissividade, dois estilos parentais extremamente danosos ao desenvolvimento biopsicossocial dos infantojuvenis”, afirma.
A filosofia da disciplina positiva remonta aos estudos dos psicólogos austríacos Alfred Adler (1870-1937) e Rudolf Dreikurs (1897-1972), que entendiam o comportamento dos pais como determinante para ensinar aos filhos sobre habilidades de vida, tornando-os cooperativos com esse processo educacional.
“A ideia central é que as crianças podem ser conquistadas quando tratadas com dignidade e respeito”, explica Bruna Barbieri. “Dreikurs acreditava que, assim como as crianças precisam de ‘treinamento’, os pais também precisam ser treinados. A psicóloga americana Laura Markhan diz que a primeira responsabilidade que temos como pais, na verdade, é nos controlar, pois a parentalidade não se trata de focar no que os filhos fazem, mas em como respondemos às atitudes deles. A educação parental é uma das ferramentas mais eficientes para se obter uma parentalidade saudável e que reduza a possibilidade de traumas na criança e no adolescente.”
Ferramenta para os pais
A parentalidade positiva busca ensinar aos pais ferramentas de autocontrole para gerir contingências emocionais nos relacionamento com as crianças, o que envolve incentivar o respeito aos direitos fundamentais dos filhos.
“A parentalidade positiva traz dois ganhos: o primeiro, de transformar os adultos; e o segundo, de desenvolver melhores competências socioemocionais nas crianças. Defendo que ofertar às pessoas a possibilidade de participar de programas e oficinas que lhes esclareçam sobre o exercício da conjugalidade, sobre os limites da parentalidade e sobre os direitos e deveres que possuem enquanto titulares de tais papéis pode representar uma valiosa ferramenta de prevenção a várias formas de violências invisíveis no espaço da família”, analisa.
Barbieri explica que o adulto adepto da parentalidade positiva, por exemplo, entende que a “birra” de uma criança não é reflexo de “má-criação”, mas sim de uma reação a uma situação que o cérebro imaturo não soube processar.
“O adulto que entende sobre parentalidade positiva sabe que a agressividade, a rigidez, a grosseria, a chantagem ou a violência jamais são capazes de ensinar uma criança ou adolescente sobre como devem se comportar. A forma como a criança é tratada, e como os outros familiares são tratados, é a forma como ela vai aprender a tratar os outros quando adulta”, pontua.
Acolhimento
Bruna Barbieri volta a citar Laura Markham ao ressaltar a frase: “Nunca machucaríamos um filho em sã consciência, mas boa parte do ato de educar um filho acontece quando não estamos em sã consciência”.
“A parentalidade positiva ajuda a identificar a nossa criança ferida, em virtude dos traumas que nós mesmos carregamos das nossas relações com nossos cuidadores, e esse conhecimento é libertador, pois podemos superar os gatilhos que nos levam a reações exageradas e danosas em relação aos nossos próprios filhos”, afirma.
Ela salienta que, “a partir do momento que conseguimos nos libertar de padrões tortuosos de conduta, oferecemos aos filhos a nossa melhor versão, e, com isso, o respeito mútuo entre nós e nossos filhos é promovido diariamente”.
E conclui: “Esse respeito é determinante para promover a autonomia das crianças e dos adolescentes; para ensinar como lidar com problemas; ensinar sobre responsabilidades; ajudar a reconhecer as emoções e como processá-las; incentiva a inteligência emocional e a própria felicidade, e fortalece os vínculos familiares”.
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