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Alta nos divórcios impulsiona procura por relacionamentos sugar?
Alinhar as expectativas desde o começo de um relacionamento pode ser um atrativo para divorciados apostarem em relações sugar. O termo inglês, sem correspondente em português, define a dinâmica na qual uma pessoa, em geral mais velha (o sugar daddy ou momma), fornece apoio financeiro e presentes para alguém mais jovem (sugar baby), em troca de companhia, sexo, ou outro tipo de acordo.
Em 2021, o Brasil registrou 386,8 mil divórcios, número 16,8% maior em relação ao ano anterior. O aumento foi revelado pela pesquisa Estatísticas do Registro Civil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
O IBGE constatou que a média de idade em que os homens se divorciam no Brasil é de 43,6 anos, enquanto as mulheres, 40,6 anos. Houve ainda uma redução no tempo médio entre a data do casamento e a data da sentença ou escritura do divórcio nos últimos anos – de 15,9 anos, em 2010, para 13,6 anos, em 2021.
Objetividade
Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM observa o amadurecimento da sociedade brasileira desde a implementação do divórcio, possibilidade garantida no país desde 1977. A Emenda Constitucional 66/2010, concebida pelo IBDFAM, que inseriu a possibilidade do divórcio direto no ordenamento jurídico brasileiro, representa, para o advogado, “vitória da ética sobre a moral, do Direito sobre a religião, do princípio da liberdade dos sujeitos de dirigirem a própria vida sem a indesejada intervenção do Estado”.
Segundo o especialista, desde então, houve o aumento da compreensão sobre os diferentes tipos de relações. “O amor pode nascer de interesses. Cada um dá o que tem, e o que se quer do outro pode ser exatamente o que não se tem. Nas relações fora dos padrões, não significa que não haja amor”, afirma.
“Casamento e uniões estáveis por interesse sempre aconteceram e continuarão acontecendo. Como diz a música de João do Vale e Luiz Vieira, o amor é bandoleiro/ pode inté custar dinheiro; ou como disse Nelson Rodrigues, ‘dinheiro demais compra até amor sincero’. Mas bem lá no fundo, em toda união, sempre tem um interesse, nem que seja apenas o interesse em amar e complementá-lo com o interesse em constituir família e ter filhos”, observa o advogado.
Para Rodrigo da Cunha, a relação entre aumento no número de divórcios e a busca pela relação sugar pode estar impressa no discurso psicanalítico. “As noções de desejo, inconsciente e responsabilidade abriram as portas do Direito para introduzir o afeto como valor jurídico, tornando-se o princípio vetor e catalisador do Direito das Famílias.”
“Assim, pôde-se substituir o discurso da culpa, tão paralisante do sujeito, pelo da responsabilidade e busca da felicidade. E nessa busca da felicidade, o ‘sujeito do direito’ é um ‘sujeito de desejo’, responsável por tecer as tramas do Direito das Famílias”, avalia.
Ele acrescenta: “Na objetividade dos atos, fatos e negócios jurídicos permeiam uma subjetividade, impulsionada pela sexualidade, pela libido e pelo inconsciente, o que verdadeiramente faz restabelecer ou romper as relações jurídicas”.
Conjugalidade
Rodrigo da Cunha Pereira explica que as relações sugar podem se transformar em conjugalidade e, assim, gerar direitos. O importante, segundo ele, “é que não haja enganação, pois poderia se caracterizar como ‘golpe do baú’”.
O advogado aponta a dificuldade de comprovar o engano e a má-fé. “Assim como há um limiar tênue entre namoro e união estável ou entre pais socioafetivos e padrasto, há também um limiar difícil de se detectar o interesse financeiro na união conjugal. Mas, uma vez caracterizada, haverá consequências jurídicas.”
“Em toda relação, em algum momento, um dos parceiros pode ter a sensação de que foi enganado, ou traído em seu amor. Assim, se das relações de afeto podem decorrer consequências patrimoniais. O Importante é que as pessoas sejam livres para estabelecê-las”, comenta.
Vulnerabilidade
De acordo com o especialista, o principal desafio é a proteção às pessoas vulneráveis em situações nas quais uma das partes é enganada ou não tem livre discernimento. Ele frisa, porém, que “nem toda conjugalidade de idosos com pessoas mais novas têm essa característica”.
“Quem tem a intenção de aplicar o tal ‘golpe do baú’ acaba fazendo-o por meio de subterfúgios e sutilezas para atingir seu objetivo, independentemente da idade”, pondera.
Neste contexto, Rodrigo da Cunha destaca que demonstrar o golpe não é fácil, mas é possível por meio da análise do caso concreto. “Na esteira dessa evolução e compreensão é que o Direito de Família atribuiu ao afeto um valor jurídico.”
“Este entendimento tem desinstalado velhas concepções e instalado uma nova ordem jurídica para a família. O princípio da afetividade no Direito de Família, consequência das mudanças paradigmáticas e interferência do discurso psicanalítico, obriga-nos a pensar um ordenamento jurídico para a família que revalorize e redimensione os princípios como fonte do Direito realmente eficaz e de aplicação prática,” conclui o especialista.
Por Débora Anunciação
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