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Cresce número de feminicídios e estupros no Brasil; maiores números registrados desde 2019
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No 1º semestre de 2023, o Brasil registrou 722 feminicídios e 34 mil casos de estupro e estupro de vulnerável de meninas e mulheres, conforme levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP, divulgado em 13 novembro. Esse é o maior número já registrado pela entidade em um primeiro semestre desde 2019.
O crime de feminicídio no país teve um percentual 2,6% maior do que no mesmo período de 2022 (704 casos). “Os dados têm como fonte os boletins de ocorrência registrados pelas Polícias Civis dos estados e do Distrito Federal, e, portanto, são preliminares e podem ser alterados no curso da investigação ou quando tornarem-se processos”, aponta o documento.
De acordo com a pesquisa, 14 estados da Federação contabilizaram aumento dos crimes de feminicídio no primeiro semestre de 2023; 12 tiveram queda e apenas um registrou estabilidade em ambos os períodos – Paraíba.
O Sudeste é a única região do país com aumento nos números, que passaram de 235 para 273 casos – uma alta de 16,2%. As outras regiões registraram queda em relação a 2022.
São Paulo lidera o ranking na região Sudeste, com 33,7% de casos, seguido por Espírito Santo (20%) e Minas Gerais (11%). O Rio de Janeiro, por sua vez, registrou queda de 3,6% de feminicídios. Apesar disso, o Estado contabilizou um aumento de 6,4% de homicídios dolosos de mulheres.
A maior alta, proporcionalmente, foi registrada no Distrito Federal (250%), com um salto de 6 para 21 casos. O percentual representa mais do que o triplo de aumento em comparação ao mesmo período de 2022. Já a menor queda foi no Mato Grosso do Sul (61,5%) – de 26 para 10 casos.
Violência sexual
Ainda conforme o levantamento divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os crimes de estupro e estupro de vulnerável de meninas e mulheres tiveram um aumento de 14,9% em relação a 2022 – apenas no primeiro semestre deste ano foram registrados 34 mil casos.
Segundo o documento, isso significa que a cada 8 minutos uma menina ou mulher foi estuprada entre janeiro e junho no Brasil. “Estes dados correspondem aos registros de boletins de ocorrência em delegacias de Polícia Civil de todo o país e, portanto, podem ser ainda maiores dada a subnotificação de casos de violência sexual.”
O crescimento foi registrado em todas as regiões do país. Em comparação ao mesmo período do ano anterior, o percentual subiu para 32,4% no Sul; 25% no Norte; 13,2% no Nordeste; 9,7% no Centro-Oeste e 4,8% no Sudeste.
Entre os casos registrados, 74,5% foram de estupro de vulnerável, ou seja, as vítimas tinham menos de 14 anos ou eram incapazes de consentir (por alguma doença, deficiência mental ou qualquer outra causa que não pudesse oferecer resistência).
Ampliar o debate
Para a professora Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, é necessária uma abordagem mais abrangente e preventiva para combater a violência contra a mulher no Brasil. “A violência contra a mulher não começa com o feminicídio. Inicialmente, ela passa despercebida pelas vítimas”, afirma.
A especialista lembra que a violência contra a mulher é “qualquer conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual, moral ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”, como definiu a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994, ratificada pelo Brasil.
Além disso, a Constituição Federal de 1988 estabelece que o Estado deve criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares, o que envolve os três poderes do Estado, em todos os níveis da Federação.
Adélia ressalta os avanços legislativos dos últimos anos – como a própria Lei Maria da Penha (11.340/2006) e outras leis que a complementam ou a alteram –, mas observa que a efetividade das leis depende de mecanismos para transformar o acesso formal em acesso real.
"A Lei Maria da Penha elencou políticas públicas voltadas para o enfrentamento à violência contra a mulher, deu mais visibilidade ao fato e um olhar mais ampliado para o problema, não mais circunscrito aos grupos feministas", explica.
Mas, afinal, o que mudou de 2006 a 2023 para as mulheres em situação de violência? O que mudou com a Lei do Feminicídio? Quais os desafios para a efetividade das leis? O aumento de pena ou medidas mais gravosas para os crimes cometidos contra as mulheres é solução?
“A violência doméstica ainda persiste, e pior, apresenta sinais de recrudescimento, especialmente no número de assassinatos de mulheres, em razão de sua condição de mulher como tipificado na Lei 13.104/2015. Vale frisar que, diferentemente do homem que morre predominantemente em situações de espaço público, a mulher é assassinada em decorrência de suas relações domésticas ou por razão de gênero”, aponta.
Segundo ela, atualmente há uma maior atenção à violência doméstica e familiar nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, no Ministério Público, e na sociedade civil de maneira geral. Isso se mostra por meio da criação de Coordenadorias e Secretarias da Mulher, no âmbito municipal, estadual e federal da Administração Pública, o que aumentou os serviços de atendimento à mulher e à família, inclusive com a criação de mais delegacias especializadas.
Estratégias
Ainda assim, Adélia Pessoa reconhece que ainda há um longo caminho a percorrer para superar a violência doméstica que permeia a nossa sociedade e repercute no viver cotidiano das mulheres.
“A lei não basta. O Brasil precisa de construção de estratégias para a concretização dos direitos das mulheres, por meio de políticas públicas, tais como: ações educativas em todos os níveis de ensino, não apenas na educação formal, mas também por todos meios de divulgação, especialmente a mídia; políticas assistenciais e de saúde; políticas culturais e de esportes, enfim, ações efetivas para mulher em todos os aspectos, buscando transformar os padrões culturais do patriarcado que ainda permanecem em muitos segmentos e fomenta a violência contra a mulher”, lista.
Adélia enfatiza que a educação tem um importante papel na desconstrução de padrões culturais sexistas e patriarcais. “Precisamos educar para mudanças. A educação – seja formal ou não – deve ser direcionada à vivência da igualdade, não podendo ser produtora e reprodutora da discriminação e violência de gênero. Deve desvelar – no sentido que lhe atribui Paulo Freire – preconceitos e estereótipos, problematizando o olhar para o mundo”, afirma.
Neste sentido, ela cita iniciativas recentes, como o Brasil sem misoginia, do Ministério das Mulheres, que visa mobilizar todos os setores brasileiros com o objetivo de enfrentar a misoginia – o ódio e todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres. Há também o investimento federal na equipagem de Centros de Atendimento a Mulheres em situação de violência nos estados.
“Urge ainda sensibilizar todos profissionais que intervêm nesta seara, compreendendo também ações de responsabilização do autor da agressão, com as necessárias medidas socioterapêuticas de ressocialização, com os grupos reflexivos, de modo que se possam amarrar os elos dessa rede, para que as intervenções não sejam apenas pontuais. Vale lembrar que a reincidência específica – mesmo com outras mulheres –, em crimes atinentes à violência doméstica, acompanha inúmeros agressores que já foram sentenciados, mas não tiveram um atendimento multidisciplinar de desconstrução de comportamentos obsessivos de dominação e controle de suas parceiras”, aponta.
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