Notícias
STJ: Defensorias podem acompanhar audiências sobre violência contra crianças e adolescentes; “não há sobreposição de funções”, avalia especialista
Atualizada em 30/11/2023
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ determinou que Defensorias Públicas podem ser chamadas pelo juiz da causa para acompanhar audiências que tratam de casos de violência contra crianças e adolescentes.
A decisão validou a iniciativa do juiz da Vara Especializada em Crimes Cometidos Contra Crianças e Adolescentes da Comarca de Belo Horizonte, em Minas Gerais.
O rito adotado na capital mineira é o de incluir os membros da Defensoria Pública estadual nos procedimentos de escuta especializada. A iniciativa permite que os defensores conheçam cada caso e, se necessário, proponham medidas de proteção ou outras diligências no Juizado da Infância e Juventude Cível.
Para o Ministério Público de Minas Gerais – MPMG, porém, essa iniciativa viola a prerrogativa de seus membros. O órgão entende que é, por definição legal, o substituto processual legítimo para a defesa de crianças e adolescentes nos processos e procedimentos judiciais e extrajudiciais. Logo, não há justificativa ou cabimento para a atuação concomitante da Defensoria Pública.
Sendo assim, o MPMG ajuizou mandado de segurança coletivo para impedir a atuação da Defensoria sem prévio, voluntário e expresso requerimento do ofendido ou de seus representantes legais. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG denegou a segurança.
Direitos de grupos vulneráveis
O STJ seguiu o mesmo entendimento. Para a relatora da matéria, ministra Laurita Vaz, a atuação da Defensoria Pública não se restringe à representação judicial ou extrajudicial, mas também promove os direitos de grupos vulneráveis.
Segundo ela, a Lei Complementar 80/1994 atribui aos defensores públicos a função de defender os interesses individuais e coletivos das crianças e adolescentes. E a Lei 13.431/2017 confere ao mesmo grupo acesso à assistência jurídica qualificada, o que está no âmbito da Defensoria.
Para a ministra, a conduta de intimar os defensores para comparecerem aos atos de escuta especializada concretiza a integração operacional entre os órgãos do sistema de Justiça, resguardando os melhores interesses da criança.
Assim, não é razoável, nem eficiente, impor ao juízo de origem que somente intime defensores públicos para comparecerem aos atos quando houver pedido prévio e expresso da vítima. A presença da Defensoria proporciona maior celeridade na adoção de medidas de proteção, de acordo com a magistrada.
“Constatado que a assistência às crianças e aos adolescentes vítimas de violência constitui atividade inserida no âmbito de atribuições da Defensoria Pública, é inadmissível que o Ministério Público ou o Poder Judiciário pretendam determinar quais são as prioridades institucionais nas lotações deste órgão dotado de autonomia funcional e administrativa”, concluiu ela.
Crianças e adolescentes: sujeitos de direitos
Para a defensora pública Cristiana Mendes de Carvalho, presidente da Comissão dos Defensores Públicos da Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão do STJ pode ser lida como um dos desdobramentos da Emenda Constitucional – EC 80/2014.
“A Emenda acabou por projetar a Defensoria Pública para um patamar normativo inédito, na promoção dos direitos humanos e na busca e valorização da inclusão democrática dos grupos mais vulneráveis em todos os processos, enaltecendo o(a) defensor(a) público(a) como verdadeiro agente de transformação social, não se admitindo mais uma visão minimalista e segmentada da Instituição como mera prestadora de serviços jurídicos aos pobres em razão do critério econômico”, afirma.
Para ela, ao permitir que Defensorias Públicas possam ser chamadas pelo juiz da causa em audiências que tratam de casos de violência contra crianças e adolescentes, o STJ reconhece a importância da função constitucional da Defensoria Pública em prol dos vulneráveis.
“Importante destacar que a Lei 13.431/2017 instituiu o microssistema legal de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, tendo como vetor axiológico a prioritária proteção da criança ou adolescente. Desse modo, o artigo 5º, VII, da referenciada lei, estabelece que nos procedimentos de escuta especializada e depoimento especial a criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência tem direito de receber assistência jurídica qualificada”, pontua.
Cristiana Mendes acrescenta que a assistência jurídica qualificada deve ser prestada pela Defensoria Pública, “instituição essencial à garantia da democracia, dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, da prevalência e efetividade dos direitos humanos e da primazia da dignidade da pessoa humana”.
“A criança ou adolescente é sujeito de direitos e merece uma defesa protetiva e individual, facilitando sua participação, na salvaguarda dos seus direitos mais fundamentais. Não há nenhuma sobreposição de funções ou usurpação da competência do Ministério Público, pois esta instituição é fiscal da ordem jurídica, ao passo que a atuação do defensor se fará de forma humanizada e no interesse individual da vítima”, diz.
RMS 70.679
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br