Notícias
20 Anos do Estatuto da Pessoa Idosa: conquistas, desafios e atualizações
O Estatuto da Pessoa Idosa completa 20 anos em 2023. Desde que foi criado, com a sanção da Lei 10.741, em 1º de outubro de 2003, o regulamento revolucionou os direitos da pessoa idosa ao estabelecer a garantia, com prioridade absoluta, de uma série de direitos fundamentais.
Para a advogada Maria Luiza Póvoa Cruz, presidente da Comissão Nacional do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a norma é uma conquista importante na história dos direitos humanos no Brasil. “Ela não apenas protege os direitos dos idosos, mas também reconhece a sua importância e valor na construção de uma sociedade justa e solidária”, afirma.
“A Lei 10.741/2003 representou um marco ao reconhecer, de forma inequívoca, que as pessoas idosas têm o direito fundamental à dignidade, à igualdade e a não discriminação. A legislação estabeleceu uma série de direitos específicos para essa população, abrangendo áreas como saúde, assistência social, previdência, transporte, moradia e cultura. Isso inclui o direito à saúde integral, com atendimento prioritário e especializado, e o acesso a políticas públicas que promovam o envelhecimento ativo e saudável”, pontua.
A especialista destaca que o Estatuto aborda questões sensíveis como a violência contra pessoas idosas e o abandono afetivo que esses indivíduos estão suscetíveis a sofrer, estabelecendo “mecanismos para prevenir, denunciar e punir esses tipos de abuso, contribuindo para a proteção dos mais vulneráveis”.
Ainda assim, Maria Luiza Póvoa reconhece que o Brasil ainda enfrenta desafios relacionados ao envelhecimento de sua população.
“A garantia efetiva dos direitos dos idosos, a melhoria das condições de vida e o combate à exclusão social são objetivos que requerem um esforço constante e uma colaboração entre governo, sociedade civil e setor privado”, afirma. “Sua implementação eficaz e a garantia de uma velhice digna para todos ainda exigem compromisso contínuo e ação coletiva.”
Atualização
Uma das maneiras de manter o Estatuto da Pessoa Idosa atualizado são as leis que a modificaram ao longo dos anos. Maria Luiza Póvoa destaca a Lei 13.466/2017, que estabelece prioridade especial das pessoas maiores de oitenta anos.
“Essa alteração é muito significativa, tendo em vista que as pessoas estão ficando ativas mais tempo, vivendo mais e por isso serviços precisam ser regulados conforme essa nova realidade”, analisa.
Para a advogada Patricia Novais Calmon, presidente da Comissão do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Espírito Santo – IBDFAM-ES, uma das principais e mais significativas mudanças dos últimos anos foi promovida pela Lei 14.423/2023, que substituiu, em toda a Lei, as expressões "idoso" e "idosos" pelas expressões "pessoa idosa" e "pessoas idosas", respectivamente.
“A mudança de nome tem uma relevante função: retirar os estereótipos e preconceitos que rondam a pessoa idosa e o envelhecer. Penso que mudanças de nome podem ter esse papel, fazendo com que a sociedade perceba que a forma de se enxergar o envelhecimento mudou”, afirma.
Ela lembra que esse tipo de mudança já aconteceu com alguns institutos jurídicos, tais como “interdição/interditado”, que passou a ser chamado de “curatela/curatelado”; de “menor”, passou para “criança e adolescente”; de “deficiente” passou-se a chamar de “pessoa com deficiência”.
“Em todos esses casos, a mudança de nome representou a alteração da forma de enxergar os direitos desses segmentos sociais, atribuindo maior garantia de direitos e respeito à sua dignidade. O mesmo fenômeno ocorreu no caso da pessoa idosa, de modo que, ao mudar o nome, possamos também retirar o mito que ainda ronda na sociedade, que muito associa esta pessoa a uma pessoa incapaz”, afirma.
Além disso, ela avalia que a mudança de nome também impacta no fato de existir uma suposta “feminização da velhice” e volta seus olhos ao envelhecimento da população LGBTQIA+. “Não faz mais sentido a utilização de um vocábulo masculino para se referir a um grupo tão complexo e heterogêneo”, avalia.
Insuficiente
Apesar de reconhecer a importância do Estatuto da Pessoa Idosa, Patricia Calmon analisa que a norma ainda não é suficiente.
“Existe a lei, mas essa lei, em muitos casos, não é aplicada, seja por desconhecimento do seu teor pelos aplicadores ou por questões políticas diversas. Por exemplo, o Estatuto da Pessoa Idosa prevê a possibilidade de criação de Varas específicas da pessoa idosa. No entanto, elas ainda são escassas, em todo o Brasil, mesmo após 20 anos da norma. É indispensável que existam formas mais eficazes de fazer valer tais direitos em juízo, garantindo direitos especialmente de pessoas idosas em situação de risco social”, afirma.
Segundo ela, o direito à autonomia dessa população ainda é pouco debatido em cenários abrangentes. “A pessoa idosa precisa ser protagonista da sua própria vida, inclusive para fazer suas escolhas relacionadas à moradia, saúde e bem-estar em sentido geral. É o caso, por exemplo, das várias pessoas idosas que se encontram, contra a sua vontade, em Instituições de Longa Permanência de Idosos – ILPIs.”
A especialista acrescenta que, embora o Estatuto da Pessoa Idosa seja bastante abrangente, ele não encerra todos os direitos da pessoa idosa.
“Novos fatos sociais têm surgido a todo momento, fazendo com que novas regulamentações também sejam necessárias. No campo do Direito das Famílias e da pessoa idosa, por exemplo, ainda pende a normatização de uma série de matérias: a alienação parental inversa e a consequente violência patrimonial; o abandono afetivo de pessoas idosas; a relativização do dever de cuidado aos filhos que foram previamente abandonados pelos seus pais; a adoção de idosos, ou, ainda, a senexão, entre tantos outros temas tão comuns na vida cotidiana das pessoas”, diz.
Combate à violência
A professora e advogada Larissa Tenfen Silva, presidente da Comissão da Pessoa Idosa do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Santa Catarina – IBDFAM-SC, acrescenta que o combate à violência contra a pessoa idosa ainda não é uma questão superada mesmo após 20 anos do Estatuto.
“Essa é uma das pautas que mais ganhou visibilidade e reforço nos últimos anos, seja por meio de pesquisas sobre a temática, busca de dados estatísticos, promoção de campanhas, criação de delegacias especializadas, elaboração e articulação de serviços em rede, melhora na identificação e nas formas de atendimento destinados às vítimas de violência, aumento no uso e deferimento das medidas protetivas, criação de outras legislações para combater as diversas formas de violência, seja patrimonial, psicológica, moral, entre outras”, afirma.
Ela reconhece que os desafios que ainda se impõem são de toda ordem, destaca que o principal deles é a falta de relevância social da pessoa idosa, o que muitas vezes justifica a violação ou a não concretização dos direitos dessa população.
“A cultura brasileira é permeada por fortes traços etaristas a partir dos quais justificam, ainda que erroneamente, condutas de discriminação, preconceito e violências contra a população idosa. Tais condutas apresentam formas variadas, desde piadas até ações de violência física”, avalia.
Além disso, ela acredita que a designação de pessoa idosa para os indivíduos que atingem os 60 anos de idade, conforme critério normativo estipulado no Estatuto da Pessoa Idosa, justifica o tratamento infantilizado dado a esse grupo etário.
“A obtenção da idade estaria associada à falta de capacidade para autodeterminação da pessoa e, consequentemente, à necessidade de alguém agora falar por ela, dentro de um modelo de substituição de vontade. E este tipo de viés cultural é tão fortemente arraigado que, por vezes, pode induzir a um excesso de proteção que leva a desproteção e a violação de direitos, inclusive pelo próprio Poder Judiciário”, explica.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br