Notícias
Lei da Autodeterminação de Gênero: Alemanha adota projeto de lei que facilita mudança no registro
.jpg)
A Alemanha aprovou, em 23 de agosto, um projeto de lei que permitirá a uma pessoa modificar nome e sexo no registro civil por meio de declaração da vontade. A chamada Lei da Autodeterminação de Gênero extingue a necessidade de um laudo pericial para a alteração dos dados.
A proposta substitui a legislação atual, em vigor há 40 anos, a qual exige que pessoas trans tenham de pedir à Justiça e apresentar o parecer de dois especialistas para que o gênero e o primeiro nome possam ser modificados nos documentos.
De acordo com o projeto de lei, qualquer cidadão maior de idade poderá dirigir-se a um cartório do registro civil e solicitar a alteração. A mudança passará a valer após três meses e o registro poderá ser novamente alterado após um ano.
Os menores de idade poderão modificar o sexo registrado com o consentimento dos pais a partir dos 14 anos. Até os 13, os pais poderão fazer a alteração se a considerarem conveniente.
A proposta também previne que o sexo anterior de uma pessoa seja revelado contra a vontade dela, sob pena de multa. No entanto, o governo alemão diz que há exceções para impedir que a lei seja usada por pessoas que querem escapar de processos criminais alterando seu nome e sexo.
O princípio da autodeterminação de gênero já é adotado por países como Bélgica, Espanha, Irlanda, Luxemburgo e Dinamarca.
Autonomia
“O Projeto de Lei alemão vem para restabelecer a posição vanguardista do país ao alargar a autonomia do cidadão, que passa a ter o direito de adequar seus documentos à sua autopercepção de gênero sem nenhum requisito condicionante ou patologizante, diretamente perante à autoridade de registro civil”, avalia a registradora civil Márcia Fidelis Lima, presidente da Comissão Nacional de Notários e Registradores do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Para ela, a legislação vigente na Alemanha, editada nos anos 1980, já representava um avanço para a época quando comparada à maioria dos países ocidentais que não reconhecem a juridicidade da autodeterminação de gênero.
“Hoje, mais de 40 anos depois, temos diplomas mais avançados que dispensam, por exemplo, laudos periciais e intervenção judicial, como a normativa brasileira. Há, ainda, no novo texto alemão, a inclusão de alteração de registros de pessoas intersexo e não binárias, medidas tão aguardadas aqui no Brasil. É um avanço e um exemplo a ser seguido”, afirma.
A proposta define transexuais como pessoas que não se identificam com o sexo com o qual foram registradas no nascimento. Intersexuais como pessoas com características físicas que as impedem de ser identificadas como "(apenas) masculinas ou (apenas) femininas". E não binário como uma autodesignação para pessoas que não se identificam nem como homens nem como mulheres.
Perspectiva
Márcia Fidelis analisa que a proposta alemã está alinhada com o sistema de normas brasileiro na medida em que visa a simplificação do “procedimento de adequação registral da identidade autopercebida, sem impor intervenção judicial nem cirurgia de redesignação sexual, tratamento hormonal ou outro requisito médico”.
Tal entendimento vai ao encontro do que estabelece o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), instrumento normativo internacional de direitos humanos que fundamentou o entendimento da Suprema Corte brasileira sobre a identidade de gênero.
“Caso o Projeto de Lei seja aprovado na Alemanha, os novos procedimentos representarão um avanço significativo se comparados às normas brasileiras por permitir a adequação registral a crianças e adolescentes, sendo que, aos menores de 14 anos, os pais poderão ter a iniciativa e requerer a mudança pelo filho ou filha; e por abranger, além do transgênero, o intersexo e o não binário”, afirma.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal – STF, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4275, em 2018, deu interpretação de acordo com o artigo 58 da Lei de Registros Públicos (6.015/1973), segundo o qual “o prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios”.
“O julgamento teve por fundamento os princípios constitucionais brasileiros – centrados na dignidade da pessoa humana – e o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário e que garante às pessoas transgênero a adequação de seus registros de nascimento à sua realidade autopercebida, diretamente no registro civil de pessoas naturais, sem intervenção judicial e nem exigência de qualquer condição médica”, explica.
Seis meses após a decisão do STF, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou o Provimento 73/2018, que regulamenta os procedimentos a serem observados pelos registradores civis para que sejam garantidos os entendimentos do STF.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br