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Homem é condenado por violência psicológica contra ex-esposa
Atualizado em 24/08/2023
Por maioria de votos, a 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP condenou um homem pelo crime de lesão corporal por perturbação e perseguição à ex-esposa. O entendimento é de que a conduta causou dano psicológico de natureza grave à vítima.
O colegiado fixou a pena em dois anos e quatro meses, em regime aberto. Também foi restabelecida a proibição de o requerido aproximar-se a menos de 300 metros da vítima, seus familiares e testemunhas; proibição de estabelecer com a vítima, familiares e testemunhas, qualquer forma de contato; e de frequentar os mesmos lugares que a ofendida, mesmo que tenha chegado anteriormente ao local, sob pena de decretação da prisão.
No caso dos autos, a mulher foi vítima de diversas formas de violência psicológica, o que resultou em debilidade da função psíquica e a impediu de exercer ocupações rotineiras por mais de 30 dias. Entre as condutas do réu, estão perturbação e perseguição à vítima e seus familiares, elaboração de dossiês difamatórios, mensagens eletrônicas, publicações na internet e demandas na Justiça.
Em seu voto, o relator do recurso destacou que o homem utilizava medidas judiciais para perturbar a vida da vítima e de seus familiares, como ao “ingressar com uma ação requerendo a retificação de seu assento de casamento, para incluir no seu, o nome da família de sua esposa”.
O réu também conseguiu na Justiça de outro Estado a quebra de sigilo telefônico, bancário e fiscal da vítima e de seu pai, mandado de busca e apreensão nas residências e alimentos provisórios de R$ 100 mil. Apesar de a decisão ter sido revertida na segunda instância daquele Estado, um dos mandados de busca e apreensão chegou a ser cumprido.
O relator ressaltou ainda que o processo tem mais de 20 mil páginas. “Imagine-se a parte demandada, que se vê processada em dezenas de feitos, obrigada a constituir advogado e formular sua defesa”.
Precedentes judiciais escassos
A juíza Ana Luisa Schmidt Ramos, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que ainda são escassos os precedentes judiciais envolvendo o crime de violência psicológica porque os processos de violência doméstica e familiar contra a mulher tramitam em segredo de justiça.
“Trata-se de um tipo penal bem recente – o artigo 147-B foi incluído no Código Penal em julho de 2021, pela Lei 14.188/2021 –, o que faz com que as decisões acerca da matéria sejam, de fato, bastante inovadoras. Quando há uma decisão proferida por Tribunal de Justiça, mais ainda, pois significa que o debate da matéria em segundo grau de jurisdição acaba firmando jurisprudência e se tornando referência para outros julgados, não só no Estado de origem, mas em outros tribunais do país”, afirma.
Segundo ela, a condenação por violência psicológica impõe a comprovação da autoria e também da materialidade do crime. Esse segundo fator é tido como o mais desafiador, pois requer a prova do dano emocional ou psíquico, que se faz mediante perícia psicológica.
“Por se tratar de crime de dano imaterial – ou de resultado – , sua configuração exige a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado, que nada mais é que a saúde mental da mulher. A saúde mental da vítima, então, deve ser objeto de avaliação psicológica, na qual se analisa a presença de eventuais sintomas e a probabilidade de tais sintomas guardarem relação com os eventos estressores apontados por ela”, explica.
Importância do debate
A especialista destaca a importândo do debate acerca da violência psicológica, tipificado no artigo 7º da Lei Maria da Penha (11.340/2006), na medida em que esse tipo de violência, além de afetar a saúde mental da mulher no contexto doméstico e familiar, permite que outras formas de violência aconteçam, como a física, a moral, a sexual e a patrimonial.
“Costumo afirmar que a violência psicológica tem papel preponderante na manutenção da mulher no ciclo de violência. No que diz respeito ao crime, devo ressaltar que, antes mesmo da criação do tipo penal específico, defendi a tese de que ofender a saúde mental da mulher poderia configurar o crime de lesão corporal. Em Santa Catarina, por exemplo, há um precedente do Tribunal de Justiça nesse sentido”, afirma.
Ainda assim, caso o crime não se configure, os atos de violência psicológica contra a mulher podem ensejar o pedido de medidas protetivas de urgência, o que não depende da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação ou até mesmo de registro de boletim de ocorrência.
“A inclusão recente dos crimes de stalking no artigo 147-A do Código Penal e de violência psicológica contra a mulher no artigo 147-B constitui um sinal de que, felizmente, a compreensão de saúde foi ampliada para além da questão meramente física. Tal qual o fez a Organização Mundial de Saúde – OMS, quando conceituou saúde como o bem-estar físico, mental e social, o Direito vem, cada vez mais, incorporando, no que diz respeito à saúde, a tão relevante dimensão mental”, avalia.
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