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STF deve retomar julgamento do processo que discute tratamento social de pessoas trans
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Oito anos depois de começar a ser discutido, o julgamento do processo sobre o direito de pessoas trans serem tratadas socialmente de acordo com sua identidade de gênero deve ser retomado em breve pelo Supremo Tribunal Federal – STF.
Trata-se do Recurso Extraordinário – RE 845779, que discute a reparação de danos morais a uma mulher trans que foi impedida por um funcionário de um shopping center de utilizar o banheiro feminino.
Em 2009, ano do incidente, ela entrou na Justiça e ganhou direito a uma indenização por danos morais de R$ 15 mil pelo constrangimento. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC reverteu a decisão e o caso chegou ao STF, ganhando repercussão geral.
Na Corte federal, o julgamento começou em 2015 e, atualmente, acumula dois votos favoráveis às pessoas trans, dos ministros Luís Roberto Barroso, relator do caso, e Edson Fachin. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Luiz Fux e, desde então, está parado. Agora, o cenário muda com a nova resolução do STF que fixa o prazo de 90 dias para liberar os autos dos processos paralisados.
Demora ‘injustificável’
Autora da ação, a advogada Isabela Pinheiro Medeiros avalia a demora para a liberação do processo como “injustificável”, e destaca que a devolução para o gabinete do relator ocorre somente após determinação da legislação interna do Tribunal.
“É uma demonstração de ausência de consciência acerca da necessidade de maiores posicionamentos e enfrentamentos de questões que possam garantir direitos à comunidade trans, análise que é sobremaneira agravada quando se sabe que o Brasil ostenta a triste realidade de ser o país que mais mata pessoas trans no mundo; pessoas que são absolutamente marginalizadas e colocadas à margem igualmente da proteção jurídica”, afirma.
“Não se leva em conta o caráter pedagógico e emblemático que um julgamento como esse tem, com o potencial de reavivar e publicizar um debate sobre os direitos das pessoas trans, uma população que, no Brasil, tem a expectativa de vida de aproximadamente 34 anos”, acrescenta.
A advogada avalia que o cenário atual no STF é propício para discussões sobre os direitos de pessoas LGBTQIA+. Para ela, o panorama de hoje, oito anos após o início do julgamento, é “mais sensível e mais consciente em relação ao tema”.
“À época da sessão em que houve a minha sustentação oral, não se sabia a diferença entre sexualidade e identidade de gênero; alguns ainda acreditavam que uma pessoa somente poderia ser considerada trans após a cirurgia de transição de gênero – todas essas questões foram debatidas abertamente durante a sessão de julgamento, o que me levou a subir à tribuna para suscitar algumas questões de ordem e esclarecimento. Atualmente, o assunto ganha maior conscientização, sobretudo após o tratamento conferido pela grande mídia em novelas e seriados”, afirma.
Por conta disso, a expectativa é positiva. “Espero que o STF mostre sua função contramajoritária e de defesa dos direitos fundamentais – principalmente das comunidades mais vulnerabilizadas – e encerre com um julgamento unânime”, acrescenta.
O voto do relator
Em 2015, ao proferir voto, o ministro Barroso destacou que as pessoas trans são uma das minorias mais marginalizadas e estigmatizadas da sociedade e ilustrou a gravidade do problema ao observar que o Brasil é o líder mundial de violência contra essa população.
"O remédio contra a discriminação das minorias, em geral, particularmente dos transgêneros, envolve uma transformação cultural capaz de criar um mundo aberto à diferença, em que a assimilação aos padrões culturais dominantes ou majoritários não seja o preço a ser pago para ser respeitado”, ressaltou.
Para ele, “destratar uma pessoa por ser transexual – destratá-la por uma condição inata – é a mesma coisa que a discriminação de alguém por ser negro, judeu, mulher, índio ou gay. É simplesmente injusto; quando não, manifestamente perverso”.
Barroso disse ser papel do Estado, da sociedade e de um tribunal constitucional, em nome do princípio da igualdade, “restabelecer ou proporcionar na maior extensão possível a igualdade dessas pessoas, atribuindo o mesmo valor intrínseco que todos temos dentro da sociedade”.
Fachin seguiu o entendimento do relator e propôs aumento da indenização para R$ 50 mil, com correção monetária e juros de 1% ao mês, a contar da data do episódio. A Procuradoria-Geral da República – PGR também se manifestou a favor da reparação por danos morais.
Inclusão e respeito
“Este é um julgamento emblemático que tem o potencial de iniciar um caminho verdadeiro rumo à inclusão e ao respeito da diversidade de gênero e da inclusão”, comenta Isabela Medeiros.
Segundo ela, a tese proposta pelo relator é ampla e não se restringe ao uso do banheiro público por pessoas transgêneros, uma vez que versa sobre o “direito de as pessoas trans serem tratadas pelo gênero pelas quais elas se identificam”.
“Muito embora este seja um direito que, ao meu ver, não deveria ter que ser judicialmente pronunciado, em um país que ainda não respeita a diversidade e pratica crimes de ódio simplesmente em razão do gênero das pessoas, o pronunciamento sem dúvida terá o condão de ampliar o debate”, avalia.
“Quem sabe, em um futuro que, espero, não muito distante, possamos viver em um mundo tal qual preconizado pela Constituição Federal, com inclusão, solidariedade, alteridade, não discriminação e respeito à diversidade em todos os seus aspectos e dimensões”, pontua.
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