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Proteção imediata à mulher que denuncie violência traz ‘avanço significativo’, diz especialista
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Marco importante na luta contra a violência de gênero, a Lei 14.550/2023 garante que as mulheres recebam Medida Protetiva de Urgência – MPU assim que apresentarem denúncia à autoridade policial ou alegações escritas. A norma, em vigor desde a última semana, altera a Lei Maria da Penha – LMP (11.340/2006).
A professora Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, acredita que a norma trouxe avanço significativo. “Não há mais como questionar, como faziam alguns operadores do Direito, que a Medida Protetiva de Urgência – MPU estava vinculada a um procedimento policial ou a uma ação judicial e não subsistiria se tais procedimentos ou ações fossem arquivados.”
O mais importante, segundo a advogada, é evitar o risco para a mulher ou seus dependentes. “Agora, sem margem de interpretação diversa, a Lei 14.550/2023 acrescentou: ‘as medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência’.”
Conforme a nova legislação, “as medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes”. Também não mais será exigível um aprofundamento nas provas, e a palavra da vítima deve ser considerada.
Adélia cita outra alteração referente ao alcance da LMP. O novo texto inclui o âmbito da unidade doméstica, da família, e qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação – independentemente de orientação sexual.
“Alguns entendiam (e decidiam) no Sistema de Justiça que certas condutas não eram baseadas no gênero, por exemplo, violências neto/avó; irmão/irmã; genro/sogra, sobrinho/tia. Com a nova legislação, porém, não há como afastar a incidência da Lei Maria da Penha se estiver dentro desse âmbito do artigo 5º, qualquer que seja a motivação”, explica a especialista.
Enfrentamento
Para a diretora nacional do IBDFAM, a Lei 14.550/2023 promove avanço ao afastar interpretações equivocadas que revitimizam as mulheres. “Afinal, um dos principais eixos da LMP sempre foi o de proteção e assistência à ofendida.”
Ela reconhece, porém, a existência de desafios múltiplos. “Nenhuma norma isolada é suficiente para coibir a violência nas relações domésticas, legitimada por uma cultura milenar de discriminação e sujeição da mulher.”
“A mudança de padrões sexistas e condutas e atitudes preconceituosas não ocorre como consequência automática da sociedade democrática. Assim, há a necessidade de repensar como as unidades escolares, em todos os graus, estão construindo seus saberes de forma integrada, promovendo o respeito à dignidade humana”, avalia Adélia.
A professora avalia como fundamental o fomento da educação formal e não formal, de modo a contribuir para a construção da cidadania, da pluralidade, da igualdade sexual e do respeito à diversidade. “Inclusive nas Escolas Judiciais, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, das Procuradorias, Defensorias e demais Escolas de Governo.”
“A educação para afastar preconceitos e estereótipos deve perpassar por estudos e debates, harmoniosamente, de forma que os conteúdos reforcem os princípios de respeito à dignidade do ser humano”, observa.
PPA Participativo
Adélia Pessoa reforça a necessidade de inserção de políticas de enfrentamento à violência doméstica no PPA Participativo. O Plano Plurianual é um dos principais instrumentos de planejamento de médio prazo do Governo Federal e deve guiar as ações dos próximos quatro anos. “O lugar da mulher é no orçamento. Sem recursos financeiros, materiais e humanos, não se faz política pública.”
“O avanço significativo e transformador de velhos padrões culturais sexistas poderá ser atingido quando a LMP for plenamente efetivada em seus múltiplos eixos: prevenção e educação; proteção e assistência à vítima e à família; responsabilização do autor da agressão”, frisa a professora.
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Proteção das mulheres
Adélia Moreira Pessoa percebe a necessidade de se cumprir os artigos 27 e 28 da Lei Maria da Penha, cujo texto prevê o direito à assistência jurídica de um defensor ou de um advogado para mulheres em situação de violência.
“Se há direito de uma parte, há dever jurídico contraposto da outra parte – no caso, o Estado brasileiro. Nenhuma audiência judicial é feita se um advogado não estiver acompanhando o agressor. Mas e a vítima? Também este direito lhe é assegurado e deverá ter assistência jurídica. Se não houver defensor público, deve ser nomeado um advogado dativo”, explica a advogada.
Adélia menciona a pesquisa “O Poder Judiciário no Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e, segundo ela, o levantamento deve ser lido e debatido em todos os espaços, pois é necessário ouvir o que as mulheres em situação de violência têm a dizer.
“Precisamos de um feedback contínuo para as adequações necessárias, possibilitando um acesso real à Justiça, com o devido acolhimento, ajustando-se à Recomendação 33 da Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW, que versa sobre o acesso das mulheres à justiça”, aponta a advogada.
Assistência
De acordo com a pesquisa, muitas vítimas se sentem vulneráveis sem a companhia de defensores ou advogados. “Esse direito da mulher precisa ser atendido de maneira sistemática pelo Estado, seja por meio da Defensoria ou da advocacia dativa.”
“Entretanto, este atendimento precisa ser adequado e promover orientação, segurança e conforto às mulheres. Não adianta a presença formal na audiência”, pondera a especialista.
O acesso ao sistema de Justiça, acrescenta Adélia, deve ser debatido com lentes de gênero. “É necessário lutar no sentido de efetivação do já previsto na LMP.”
Ela exemplifica: “O juízo deve fazer o encaminhamento formal de vítimas para serviços assistenciais (psicossociais), pois muitas mulheres entrevistadas nunca foram informadas sobre possibilidades dessas medidas, mas gostariam de ser atendidas nestes espaços”.
Na percepção da diretora nacional do IBDFAM, é indispensável o encaminhamento do autor da agressão para grupos de ressocialização (grupos reflexivos), em prol da mudança de padrões culturais sexistas. “Se o juízo não o fizer, deve ser requerido pelo Ministério Público – MP ou pela Assistência Jurídica da vítima.”
Ela considera necessária a adequação das Leis de Organização Judiciária dos Estados ao artigos da Lei Maria da Penha sobre a competência híbrida dos Juizados de violência doméstica, para incluir ações cíveis decorrentes da Violência Doméstica e Familiar, e não apenas as medidas protetivas de urgência.
“Indispensável aprofundar nossas reflexões sobre a competência híbrida de Varas de Família, para que se tornem Varas de Família e Violência Familiar. Assim, a mulher não mais precisará percorrer um calvário, em Varas distintas, em busca de seus direitos e de seus filhos”, conclui Adélia.
Por Débora Anunciação
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