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Resolução do CNJ regulamenta entrega voluntária de crianças para adoção
Atualizada em 09/02/2023
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ publicou a Resolução 485/2023, que regulamenta as diretrizes para atendimento adequado de gestantes ou parturientes que manifestem desejo de entregar filhos recém-nascidos para adoção. A resolução entra em vigor 60 dias após a publicação, feita em 26 de janeiro.
O normativo reforça procedimentos no Judiciário, padroniza etapas do processo em todo o Brasil e traz algumas novidades, como a capacitação dos agentes públicos para garantia de uma entrega humanizada.
Uma das novidades da nova resolução do CNJ trata do encaminhamento das mães à Vara da Infância e Juventude, antes ou logo após o nascimento, para formalização do processo judicial de adoção, sem qualquer constrangimento e com atendimento de equipe interprofissional.
A resolução também garante que a genitora passará por avaliação clínica, psicológica e assistencial, de modo que sejam observados todos os aspectos envolvidos na decisão de entrega do recém-nascido e que a mãe esteja ciente de seus direitos.
A medida reforça a garantia do sigilo de todo procedimento, seja em relação ao pai e familiares ou à própria família da mãe, ressalvado o direito da criança ao conhecimento da origem biológica. A parturiente também gozará de licença-saúde, cuja razão será mantida em caráter sigiloso.
Termos da resolução vão ao encontro do ECA
A advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão Nacional de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que a Resolução 485/2023 atende ao que já se encontra determinado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, mas que não vem sendo cumprida pelo Judiciário e pela “rede de ‘acolhimento’ à gestante ou mãe que deseja entregar uma criança para adoção legal”.
“A Resolução humaniza o acolhimento e busca evitar não apenas a alienação institucional dessas mulheres, muitas vezes indevidamente julgadas por quem deveria dar-lhes suporte”, afirma a especialista.
Silvana defende que humanizar a entrega é humanizar a acolhida. Ou seja, receber a genitora com cuidado, atentando para sua decisão e respeitando-a. E acrescenta que a humanização deveria estar presente em todos os processos judiciais que envolvem menores de idade.
“A humanização das relações é algo a ser buscado por todos os operadores da área da criança e do adolescente. Precisamos de vocação para esse trabalho e, mais que tudo, respeito.”
Garantia de sigilo como um direito da mulher
A garantia de sigilo do processo é uma das mais importantes garantias da Resolução. Silvana do Monte Moreira afirma que se trata, principalmente, de um direito da mulher que deve ser assegurado.
“Ela [a mulher] não nasceu com a função precípua de ser mãe. A ideia da boa mãe é um mito. Como mulheres, temos inúmeros outros lugares a ocupar. Nós, a partir da infância, somos treinadas ou induzidas ao exercício do papel de boa mãe, no qual a mulher deve ser capaz de enormes sacrifícios e deve ser a esposa ideal, a mãe perfeita, numa imagem romanceada de esposa e mãe construída ao longo do desenvolvimento da humanidade, alicerçada sob um padrão impossível de admitir qualquer vestígio de sentimentos ambivalentes nas mães”, analisa.
O direito ao sigilo seria, portanto, uma forma de contrariar o senso comum. “Esse direito quebra os paradigmas que nos colocam na posição de mães por natureza e nos coloca no lugar de gestoras dos nossos próprios destinos.”
Sujeitos (não) desejantes
A advogada considera que esta é a principal inovação da Resolução 485/2023. A norma “empodera a mulher do seu lugar de sujeito desejante ou não desejante”.
“Ela, ao manifestar o desejo de não ser mãe da criança gestada, deverá ser encaminhada, sem constrangimento, à Vara da Infância e Juventude, a fim de que seja formalizado o procedimento judicial e seja designado atendimento pela equipe interprofissional”, afirma.
É neste ponto que Silvana aponta que, nessa fase do processo de entrega voluntária, além de haver constrangimento pela insistência para que as mulheres maternem a criança gestada, há o descumprimento, pelo Judiciário nacional, do Provimento 36/2014 do CNJ.
“Desde 2014, há orientação para que os Tribunais de Justiça criem varas com competência exclusiva em infância e juventude, sem acumular outras competências como idoso, criminal, família, etc. A norma estabelece que para cada 200 mil habitantes deve haver um psicólogo, um assistente social e um pedagogo”, afirma.
“Esperamos por isso há 9 anos! As equipes técnicas estão desfalcadas, assoberbadas, algumas adoecidas, e precisam estar bem para acolher as mães e gestantes neste ato supremo de cuidado, pois entregar em adoção é amar.”
Por Guilherme Gomes
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