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Setembro Amarelo lembra a importância do cuidado com a saúde mental em meio à pandemia
Ao longo deste mês, todas as atenções estarão voltadas à saúde mental por conta do Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, lembrado nesta quinta-feira (10). Desde 2015, a campanha Setembro Amarelo busca ampliar o debate sobre o tema e despertar o poder público e a sociedade civil para um tabu que carece de enfrentamento. Em 2020, a discussão é abarcada por repercussões da pandemia do Coronavírus.
Informações da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS apontam que cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos. Para cada caso, há ainda mais notificações de tentativas. Solidão, decorrente da necessidade de distanciamento social, e incertezas trazidas pela proliferação da Covid-19 são alguns dos principais fatores para o agravamento do cenário.
Apesar de não haver levantamento específico a respeito, houve um aumento no número de casos de suicídio, bem como de tentativas, segundo relatos de socorristas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU no Estado de São Paulo. Foi o que revelou reportagem do jornalista Leonardo Sakamoto no portal Uol, em maio.
Bomba-relógio
Segundo a psicanalista Claudia Pretti Vasconcellos Pellegrini, vice-diretora de Relações Interdisciplinares do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, houve um aumento significativo não só em casos de suicídio, mas também de tentativas, além de um crescimento na busca por informações sobre o tema por meio da internet. Ela diz que, para quem já manifestava tendência a atentar contra a própria vida, o momento de pandemia se transformou em uma “bomba-relógio”.
“As situações que já estavam presentes na vida das pessoas em risco de cometer suicídio ficaram ainda mais exacerbadas. O período trouxe solidão, estresse, incerteza tanto econômica quanto ao futuro, além da ameaça iminente de morte. Foi notado um aumento intenso, como reação, de crises de ansiedade e de pânico, o que também gerou um terreno fértil para o crescimento das estatísticas de suicídio”, avalia Claudia.
A necessidade de manter o distanciamento social, quando não leva à completa solidão, pode acirrar conflitos intrafamiliares, como tem acontecido em tantos lares. “O isolamento em família trouxe diversos efeitos colaterais. Se, por um lado, o encontro entre os familiares pôde resgatar alguns sentimentos, por outro, trouxe também à tona muitas dificuldades”, aponta a psicanalista.
Ela atenta que o problema não diz respeito apenas a quem tem um quadro de patologia relacionada à saúde mental. “Há também grupos de risco, como vítimas de violência e bullying, usuário de drogas. Além disso, uma das características da nossa atualidade diz respeito a uma certa impulsividade e intolerância com os limites e as frustrações. Na contemporaneidade, alguns fatores deixam os sujeitos com menos recursos para se defender desses atos impulsivos frente a situações de angústia”, diz.
Elaboração simbólica
O momento, com tantos agravantes, acentua a importância do Setembro Amarelo. “Exatamente por ser visto como um tabu, é de extrema importância falar sobre o suicídio de forma clara, ampla e aprofundada. A Psicanálise nos ensina que quando falamos sobre algo, isto perde sua força e ganha o caminho de uma elaboração simbólica”, explica Claudia Pretti.
“Tristeza, depressão, melancolia, lutos ainda não elaborados, a vontade de morrer e tantas outras situações de desamparo e de tristeza em que a pessoa pode se encontrar precisam ser abordadas para que encontrem uma via de elaboração simbólica, permitindo a construção de saídas que não sejam o encontro com a morte. É preciso ter informações que permitam intervenções, além de percepções a respeito do suicídio”, acrescenta a psicanalista.
Ela ressalta que o Setembro Amarelo lança luz sobre como podemos dar suporte a essas pessoas em desamparo, permitindo seu acolhimento sem julgamentos. “Sabe-se que nove entre 10 casos de suicídio poderiam ter sido prevenidos se tivessem sido detectados e encaminhados para o tratamento adequado, seja ele psiquiátrico, psicanalítico ou psicológico. Não se trata de aconselhamento. Não adianta dizer ‘é bobagem’ ou ‘comigo seria diferente’, porque isso não ajuda.”
Para além das questões relacionadas à morte que permeiam nosso imaginário, faz-se necessário que se coloque em cena o desejo de viver. Detectar sinais de alerta, além de uma escuta generosa, é o caminho principal em direção ao enfrentamento desse problema de saúde pública. “Isso será possível a partir da escuta do outro, de seu sofrimento, de forma adequada, tranquila, sem excessos. Não é fácil nem nada confortável, porque escutar o sofrimento do outro remete ao nosso próprio sofrimento”, admite Claudia.
A especialista aponta que, já em 1930, Sigmund Freud (1856-1939) apontava a elaboração simbólica como saída para as precariedades e dores humanas: “A ciência moderna ainda não produziu um medicamento tranquilizador tão eficaz como umas poucas palavras boas”.
Isolamento e violência doméstica
A advogada Melissa Barufi, presidente da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM, observa que, em meio à pandemia, os mais jovens estão expostos a situações de violência doméstica. “Foi confiado apenas à família o olhar cuidadoso e cauteloso, muito antes desempenhado pelas escolas e outras organizações do círculo social infanto-juvenil – fator que pode, ao final, contribuir para o aumento de doenças psicológicas e psiquiátricas”, pontua.
Segundo a pesquisa divulgada em 2019 pela Organização Mundial da Saúde – OMS, a taxa de suicídios é preocupante entre jovens na faixa de 10 a 19 anos. Entre 2006 e 2015, o número de casos cresceu 24% nas seis maiores cidades do Brasil: Porto Alegre, Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. Considerando todo o país, o aumento foi de 13%, segundo pesquisa da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Dados mostram ainda que o suicídio é a segunda principal causa de morte de jovens de 15 a 24 anos.
“Crianças e adolescentes detêm proteção especial em nosso ordenamento jurídico brasileiro por meio dos princípios norteadores à matéria – que tem por finalidade assegurar os direitos fundamentais da criança e do adolescente com normas protetivas diferenciadoras das aplicadas aos adultos, as quais estão embasadas na Constituição Federal e consignadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA”, ressalta Melissa.
Ela observa que os índices reais podem ser ainda maiores, já que, devido ao estigma relacionado à saúde mental e ao suicídio, nem sempre as estatísticas refletem o tamanho do problema. “Assim, podemos perceber a relevância que deve ser dada às crianças e adolescentes na campanha do Setembro Amarelo – que surge como uma oportunidade para derrubar alguns tabus e mitos sobre o tema, ampliar a conscientização sobre comportamentos de risco e facilitar medidas de prevenção. Cabe um destaque à necessidade de diálogo, pois discutir o assunto e diminuir o estigma são formas eficientes de prevenção”, defende.
Em casa e na escola
A advogada salienta que o amarelo demarcado em setembro deve estar presente em todos os meses, considerando o tema de saúde pública, com enfrentamento que requer responsabilidade e urgência. A atenção ao assunto deve estar presente nos ambientes de educação, tanto escolar quanto em casa.
“Falando em prevenção, como um espaço de socialização e formação, a escola é onde as crianças e os adolescentes passam a maior parte do tempo. Portanto, é um espaço que dá visibilidade para comportamentos como isolamento, queda do rendimento escolar, dificuldade de relacionamento com outros colegas, verbalização da vontade de morrer, sinais de automutilação e abuso de álcool e drogas. Com isso, as instituições de ensino desempenham um papel importante na prevenção e acolhimento de crianças e adolescentes”, avalia Melissa Barufi.
As ações de conscientização e escuta, no entanto, não devem se encerrar nas escolas. “É importante que os pais e responsáveis estejam também atentos às atitudes dos alunos dentro e fora da escola. A escola pode oferecer orientação através de rodas de conversa ou trazer isso nas reuniões de familiares para que os pais possam saber lidar com os sintomas, oferecendo ajuda e, se necessário, encaminhamento para um profissional.”
“O acolhimento, a escuta, o olhar atento que de ser dirigido às crianças e adolescentes, por todos os protagonistas envolvidos, bem como o encaminhamento aos profissionais especializados, são posturas que agregam cuidado e simbolizam a empatia necessária que devemos ter às delicadas pessoas em desenvolvimento”, analisa a advogada.
Fatores que devem ativar o alerta
Entre comportamentos e situações que podem aumentar o risco de autoagressão ou tentativa de suicídio em crianças e adolescentes, a especialista destaca: histórico de tentativas, transtornos mentais, bullying, situação de violência intra ou extrafamiliar, falta de esperança, ausência de autocuidado, uso álcool e drogas, alterações nos níveis de atividade ou de humor, crescente isolamento, diminuição do rendimento escolar, entre outros.
Somado a estes fatores, é imprescindível o acompanhamento dos menores em meio digital. “Pais e responsáveis devem ficar atentos ao uso das mídias sociais, tendo em vista que é um espaço que pode influenciar na autoestima e na autoimagem, incluindo plataformas como o Facebook, Instagram, Twitter, Youtube e WhatAapp. Essas ferramentas podem servir de meio para aflorar ou incentivar comportamento suicida, incluindo humilhação, assédio, extorsão sexual, problemas de imagem corporal e medo de exposição”, destaca.
A Comissão Nacional da Infância e Juventude do IBDFAM busca participar dessas ações de combate ao suicídio infantil. No ano passado, o grupo desenvolveu projeto irrestrito ao mês de setembro para divulgação de artigos sobre o tema. O objetivo foi chamar a atenção para o suicídio infantil com trabalhos desenvolvidos por profissionais de distintas áreas do saber.
“Os artigos recebidos pela Comissão demonstraram que o assunto preocupa profissionais de várias áreas de conhecimento, demonstrando a necessidade de ser abordado por meio da multidisciplinaridade. Com a ação de todos, é possível prevenir, mediante ações ativas de acolhimento, escuta e políticas públicas que trabalhem na garantia efetiva da saúde de nossas crianças e adolescentes, compreendendo, nesse aspecto, a saúde como um sistema integral de aspecto físico, emocional e social”, conclui Melissa.
O Centro de Valorização da Vida – CVV é um dos principais órgãos de combate ao suicídio no país. O Disque 188 oferece apoio emocional, serviço também está disponível na internet por meio do site www.cvv.org.br, que reúne atendimento por e-mail, chat e Skype 24 horas por dia.
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