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O polêmico inciso IV do artigo 139 do CPC e suas difusas interpretações

“Como interpretar o inciso IV do artigo 139 do CPC?” A questão em debate é de extrema relevância, já que aborda a efetividade do dispositivo que permite ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. O debate se torna ainda mais notável quando se considera a determinação de “sanções executivas” que, esgotados outros meios, sugere suspensão da autorização de dirigir do devedor, bem como proibição de viajar, retenção de passaporte, proibição de participar de concursos públicos e licitações a ser provada pela criatividade de advogados.
Na opinião de Fernanda Tartuce, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) –, tais medidas (como a suspensão do direito de dirigir, a restrição ao uso de passaporte e a penhora de certos montantes) são problemáticas, pois, ao invés de afetarem o patrimônio do devedor, atingem a própria pessoa. Confira, na íntegra, a entrevista com a advogada:
De acordo com o que prevê o inciso IV, do artigo 139 do CPC/2015, poderá o magistrado determinar a suspensão do direito de dirigir; a proibição para tirar passaporte; e a penhora da restituição do Imposto de Renda?
Sob certo prisma, adotar medidas diferenciadas contribui para a efetividade da prestação jurisdicional. Por outro lado, o patrimônio – e não a pessoa do devedor - responde por dívidas; além disso, o exercício de amplos poderes pelo juiz, sem balizas específicas, pode ensejar medidas inadequadas. Nessa linha, suspender o direito de dirigir e restringir o uso de passaporte são iniciativas problemáticas, por atingirem a pessoa do devedor, enquanto a penhora da restituição de Imposto de Renda soa viável por afetar seu patrimônio. É importante que a medida diferenciada se revele proporcional e seja aplicada após o exaurimento de outros meios previstos no ordenamento. Como a proposta do Novo Código é aumentar a eficiência processual, intentar medidas ineficazes, inexequíveis e/ou de difícil fiscalização pode acabar ensejando o efeito contrário.
Ainda com a vigência do CPC/1973, o artigo 461 previa: Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Se assim era, porque vários magistrados não admitiam o protesto por dívidas alimentares? Também poderíamos entender, com esse dispositivo, a suspensão do direito de dirigir; a proibição para tirar passaporte; e a penhora da restituição do Imposto de Renda?
No regime do CPC/1973, prevalecia o entendimento sobre a necessidade de haver previsão legal, para que medidas diferenciadas fossem adotadas. As dívidas alimentares não eram regidas pelo artigo 461, mas pelos artigos 732 e seguintes do CPC/1973, que contavam com outras estratégias executivas, sem contemplar o protesto. Mesmo assim, o art. 19 da Lei de Alimentos permitia ampla atuação do magistrado em prol de resultados efetivos: pela regra, ele pode tomar todas as providências necessárias para o esclarecimento ou o cumprimento do julgado/acordo. De todo modo, a compreensão prevalecente, sob a égide do CPC anterior, era de que medidas diferenciadas só poderiam ser aplicadas em relação a obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, sendo impertinentes em relação a obrigações de pagar quantia.
Para admitir a suspensão do direito de dirigir, seria necessária uma reforma no Código de Trânsito Brasileiro, tendo em vista o princípio da legalidade, insculpido no artigo 37 da CR/1988?
Não. A previsão do Código de Processo Civil é considerada suficiente por configurar regra geral sobre meios executivos atípicos: ela amplia os poderes do magistrado para permitir a efetivação de suas decisões, independentemente de previsões específicas sobre as formas executivas. Por fim, vale lembrar que a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015, pode ser discutida em segundo grau de jurisdição: embora o tema não esteja previsto expressamente no rol de cabimento do agravo de instrumento, este recurso é cabível se a medida diferenciada é concedida em relação à tutela provisória, ao mérito da causa, a fases de liquidação/cumprimento de sentença, a execução e a inventário (CPC/2015, art. 1.015, I, II e parágrafo único).
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