Artigos
Imóvel financiado
Quando os cônjuges são mutuários em um contrato de financiamento imobiliário e o divórcio entre eles não cuida da partilha dos bens, torna-se certo que o divórcio não atinge o contrato de mútuo em curso, permanecendo ambos como mutuários-devedores.
Assim, eventual discussão judicial acerca de cláusulas contratuais referentes ao negócio jurídico estabelecido, obriga a participação na demanda do ex-cônjuge como litisconsorte ativo necessário, pela condição de titular da mesma relação jurídica deduzida em Juízo. Neste sentido, a recente decisão unânime proferida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp. nº 1.222.822-PR, onde relator o Ministro Ricardo Villas Boas Cueva (23.09.2014).
A existência de um imóvel financiado, pendentes as prestações vincendas, apresenta-se como tema jurídico de elevada importância no trato do divórcio do casal mutuário em face da meação patrimonial, nomeadamente quando este é concedido sem a prévia partilha dos bens, a teor do que permite o art. 1.581 do Código Civil (Súmula 197 do STJ).
Certo que os direitos relativos a esse imóvel deverão ser objeto da partilha de bens, imediata ou adiada, cumpre considerar, então, as hipóteses respectivas:
(i) desfeito o vínculo conjugal, e tendo o imóvel sido adquirido a servir de residência para a família, nele permanece um dos ex-cônjuges, assumindo com exclusividade o pagamento das prestações remanescentes;
(ii) o imóvel é mantido em titularidade conjunta do casal, respondendo os ex-cônjuges pelo pagamento das parcelas restantes, para futura partilha; ambos atuando nas ações judiciais referentes ao patrimônio comum.
Em primeira hipótese (a de partilha imediata), é certo que “em se tratando de imóvel financiado, só é cabível a partilha das parcelas que foram amortizadas durante o período da relação conjugal” (TJMG - 2ª Câmara Cível, Apel. Cível nº 1.0720.10.00001638-8/001, Relator Des. Raimundo Messias Júnior, j. em 11.02.2014),
No ponto, a meação alcança somente as parcelas do financiamento pagas durante a constância da união, até a data limite da separação de fato do casal, e não sobre a totalidade do bem. Significa dizer um rateio igualitário de todos os valores empregados em financiamento do imóvel, durante a comunicabilidade do bem no período.
Questões outras, de relevo jurídico, suscitam reflexões pontuais, a exemplo:
(i) de imóvel financiado, quando e por quem tenha união estável com aquele não figurante, em parceria, do referido contrato de financiamento do imóvel onde ambos instalam a convivência.
Estamos a entender que para a máxima efetividade do dispositivo constitucional que reconhece a união estável, a aquisição do referido bem, ao fim e ao cabo do pagamento integral do imóvel financiado, colima no sentido de se constituir um bem de patrimônio comum dos conviventes, a saber que, como ordinariamente acontece, “a presunção de mútua colaboração na formação do patrimônio do casal, aplica-se a todo tempo de duração da relação” (STJ – 3ª Turma, REsp. nº 1349788-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 26.08.2014). De fato, a formação familiar pressupõe o empenho mútuo, no plano material e/ou imaterial (suporte emocional, apoio afetivo, conforto moral e solidariedade), necessário à realização plena de seus integrantes. á De efeito, a nosso sentir, há comunicabilidade e meação do referido bem em caso de ruptura da união estável.
(ii) a valorização do imóvel financiado, como fenômeno econômico, pode ser discutida como acréscimo patrimonial, a ensejar tratativas em hipótese de partilha de direitos e de bens?
(iii) A comunicabilidade de bens adquiridos na constância da união estável é regra e, como tal, deve prevalecer sobre as exceções, que merecem interpretação restritiva.(STJ – 3ª Turma, Resp. 915297-MG, EL. Min. Nancy Andrighi, j. em 13.11.2008).
Lado outro, aponta-se, por iniludível, que sem registro do imóvel no álbum imobiliário, não há falar em direito de propriedade (art. 1.245 do Código Civil); de sorte que diante de um imóvel objeto de financiamento se torna incabível a divisão do bem para efeito de partilha adveniente de divórcio ou da ruptura da união estável.
Impende, afinal, considerar, em sede do tema, conveniente que a partilha de direitos sobre imóvel financiado não deva ser postergada, quando desfeitas as uniões. Intervirá a instituição financeira, ante a nova relação contratual, excluindo-se um dos ex-cônjuges, em face dos acertos da partilha.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e de processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM