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Guarda compartilhada e interesse do menor
Está em tramitação final no Senado um projeto de lei complementar (PLC 117/2013) que altera as regras para concessão da guarda compartilhada em caso de dissolução do casamento. Se aprovado o projeto, a guarda compartilhada deverá ser sentenciada pelo juiz sempre que não houver acordo entre os pais em relação à guarda dos filhos. Aqui, os mais de 20 anos de exercício na magistratura e o convívio, por esse tempo, na Vara de Família, com inúmeras histórias de vida me levam a fazer uma análise menos acalorada sobre o tema.
Alicerçado, anteriormente, no Direito Canônico, o Direito de Família desenhou uma história de exclusões e injustiças: filhos legítimos, ilegítimos, indissolubilidade do casamento e este como única forma de se constituir família são exemplos dessa nefasta herança. À mulher cabia a função de cuidar do bem-estar do marido e dos filhos. Ao pai, era impressa a figura de provedor. Um modelo que ligava a guarda dos filhos à mãe, inclusive na separação do casal.
Entretanto, o ingresso da mulher no mercado de trabalho, a derrocada do patriarcalismo e, mais tarde, a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 mexeram definitivamente com esse formato. Um novo perfil de família surge. Junto com ele, surge também um Direito contemporâneo, que não ficou à margem dessas transformações. Ao erguer como macroprincípio a primazia da dignidade humana, nossa Carta Magna rompe com um Direito de exclusões. O Direito de Família, de igual modo, mira-se nos Direitos Humanos e na dignidade como princípios basilares. Vê-se ruir uma concepção jurídica positivista que dá lugar a uma jurisprudência que aplica princípios a casos concretos. A proteção efetiva da pessoa humana passa a ser o ideal desse "novo" Direito.
A guarda compartilhada surge, por um lado, como consequência do novo papel da mulher no século XX e, por outro, como um instrumento que busca dar efetividade a esse novo olhar sobre a pessoa humana e a família. Nesse modelo, a criança e o adolescente têm prioridade absoluta para a ordem jurídica, garantindo-lhes, sempre, o que melhor contribuir para a sua formação. Por isso, o meu entusiasmo com a guarda compartilhada é contido, analítico, cuidadoso. E a possível aprovação de um projeto de lei que pretende instituir a guarda compartilhada como regra em casos em que não houver acordo entre pais acende, no mínimo, um alerta. Não se resolvem questões complexas impondo condutas de forma tão objetiva.
Assim como boa parte dos colegas também estudiosos do Direito de Família, coaduno com a ideia de que compartilhar a educação dos filhos, depois de desfeito o casamento, seria o modelo ideal de guarda. Afinal, em caso de dissolução dessa união, há a separação da família conjugal e não da família parental. Entretanto, nas Varas de Família observa-se que, não raro, elos de amor, de afeto e respeito perdem espaço na separação conjugal. Sobram, por outro lado, conflitos, mágoas, desentendimentos. Nesse contexto, não posso enxergar, aqui, o melhor interesse de uma criança e de um adolescente resguardado se sentenciada uma guarda compartilhada.
É justamente para resguardar esse direito - o do melhor interesse do menor - que aqui se aplica, com maestria, a teoria tridimensional do Direito: norma, valor e fato. É na situação concreta que se reconhecerá o que é melhor para essa criança e esse adolescente. Portanto, subjetivamente e não objetivamente. Uma norma, sozinha, não dá conta da complexidade das relações humanas. E não pode ser diferente com a família, onde formamos valores e nos tornamos cidadãos de fato.
Maria Luiza Póvoa Cruz é juíza aposentada, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em Goiás (Ibdfam-GO) e sócia-fundadora do escritório MLPC e Advogados Associados.
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