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O novo CPC e uma oportunidade perdida
Otimização do procedimento e efetividade da tutela jurisdicional são metas a serem perseguidas por todos os profissionais que atuam no cenário forense.
Com a entrada em vigor do vindouro Código, possibilidades nunca antes vistas se abrirão aos sujeitos do processo, propiciando o ambiente ideal para que tais metas sejam concretizadas no campo empírico. A bem da verdade, as novidades proporcionarão mudanças radicais na forma de enxergar e operar o processo civil nas ações de família, não só por intensificar a atividade mediadora e os meios alternativos de solução de controvérsias, mas, também, por possibilitar ajustes no procedimento e proporcionar uma alteração na relação de verticalidade atualmente existente entre as partes e o julgador, de modo a permitir que os sujeitos do processo, parciais ou não, se posicionem como que ao lado uns dos outros na condução do procedimento, no debate das questões relevantes para formação do convencimento do julgador e na produção de provas, atuando em um arranjo interativo, destinado à elaboração conjunta do julgado.
Talvez possa mesmo se afirmar que tamanhas possibilidades atribuirão maior legitimidade ao julgado na medida em que os sujeitos envolvidos na demanda assumirão o papel de verdadeiros protagonistas na solução do litígio, mediante a cooperação e participação efetiva em todos os atos processuais.
Dentre as inovações dignas de destaque merece especial atenção neste ensaio a inclusão das demandas litigiosas de família nos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa (arts. 708/714) e as não contenciosas nos de jurisdição voluntária (arts. 746/749), cujas características possibilitam um maior amoldamento do procedimento às especificidades da relação de direito material que subjaz o processo.
Mas, mesmo com tanto avanço, parece que o legislador deixou escapar uma excelente oportunidade de inovar em um aspecto de crucial importância no quesito otimização do procedimento, ao continuar exigindo que as partes se façam representar obrigatoriamente por advogados na audiência de mediação e conciliação a que se refere o artigo 710 do Projeto, cujo parágrafo §4º enuncia que:
Art. 710. Recebida a petição inicial, e tomadas as providências referentes à tutela antecipada, se for o caso, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, observado o disposto no art. 709.
§ 4º As partes deverão estar acompanhadas de seus advogados ou defensores públicos na audiência.
O ideal seria que fosse atribuída capacidade postulatória às partes para a prática dos atos a serem praticados nessa sessão.
É certo que a própria Constituição da República estabelece que o advogado é essencial à administração da justiça (CR, art. 133). Porém, a relatividade desse postulado permite que o legislador ordinário contemple hipóteses de dispensa da assistência profissional quando outros valores se encontrarem em jogo, conforme afirmado e reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIs nº 1.539 e 3.168 em diversos julgados, dentre os quais aquele em que o Min. Celso de Mello esclareceu que “a indispensabilidade da atuação do advogado traduz um princípio de índole constitucional, cujo valor político-jurídico, no entanto, não é absoluto em si mesmo. Esse postulado – inscrito no art. 133 da nova Constituição do Brasil – acha-se condicionado, em seu alcance e conteúdo, pelos limites impostos pela lei, consoante estabelecido pelo próprio ordenamento constitucional. (....) Legítima, pois, a outorga, por lei em hipóteses excepcionais, do “jus postulandi” a qualquer pessoa, como ocorre na ação penal de habeas corpus, ou ao próprio condenado sem se referir outros – como se verifica na ação de revisão criminal(...)” (STF, RvC 4886, DJ de 23.04.93)
A rigor, nem se poderia falar que a atribuição de capacidade postulatória às partes representaria uma novidade no sistema, pois na legislação processual trabalhista e penal existem dispositivos autorizando este proceder há várias décadas (CLT, art. 791; CPP, arts. 623 e 654, "caput"). Mesmo no sistema processual civil, os Juizados Especiais estaduais e federais contemplam tal possibilidade, embora em algumas hipóteses restritas (L. 9.099/95, art. 9º; L. 10.259/01, art. 10).
Se se parar pra pensar que o principal objetivo da audiência de mediação e conciliação prevista pelo art. 710 é alcançar a autocomposição, eliminando o litígio, e, quiçá, o próprio conflito que subjaz a lide, a imposição de que as partes sejam representadas obrigatoriamente por advogados talvez pudesse ser relegada a um segundo momento, verificável apenas a partir do insucesso de qualquer daqueles métodos alternativos de solução de conflitos.
Mesmo se a questão fosse analisada sob a perspectiva da técnica jurídica pareceriam inexistir elementos impondo a assistência profissional, uma vez que a transação feita por termo nos autos do processo é ato de jurisdição voluntária passível de ser praticado pessoalmente pelas partes, independentemente do auxílio de advogados, como, ao menos em linha de princípio, parece ser possível extrair da leitura dos artigos 842 do Código Civil e 331 do atual CPC, em uma ótica constitucionalmente adaptada.
Como a audiência prevista pelo art. 710 do CPC vindouro tem objetivos de índole ainda mais conciliatória do que a audiência preliminar do atual sistema, existiriam, em tese, ainda mais motivos para que as partes fossem dotadas de capacidade postulatória plena para os atos a serem lá praticados.
Talvez não fosse preciso ir tão longe quanto o sistema norte americano, que permite a realização do divórcio judicial por meio do sistema "do-it-yourself" em alguns estados, mas o legislador do Projeto poderia ter tornado a assistência por advogados facultativa na audiência em questão, assim como em alguns procedimentos de jurisdição voluntária, a exemplo do que ocorre no sistema português - que, inclusive, serviu de fonte inspiradora ao CPC projetado - cujo art. 1.409, n. 4 do Código de Processo Civil enunciar que "nos processos de jurisdição voluntária não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso".
Como a aprovação do Projeto parece estar cada vez mais próxima, resta acompanhar a evolução da jurisprudência sobre o tema e torcer para que o rigor da norma a que alude o enunciado do art. 710, §4º seja abrandado.
Art.
transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz.
Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir.
§ 1o Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.
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