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STJ - interdição de psicopata: necessidade ou possibilidade?
Célia Barbosa Abreu
Professora da Universidade Federal Fluminense
A interdição civil, ato judicial pelo qual é designado um curador, declarando incapaz uma pessoa maior, portadora de transtorno mental, foi, por longa data, aplicada aqueles que aprioristicamente o legislador designava incapazes. Em suma, a existência de um problema mental era determinante para a decretação da medida.
Assim, a despeito da alardeada sociedade contemporânea inclusiva, muitos foram e ainda são declarados totalmente incapazes pelo só fato de possuírem uma patologia mental. A medida, portanto, que deveria se destinar à proteção dos portadores de transtorno mental, se revelou e revela como passível de alijá-los do meio social.
Mais recentemente, no entanto, surgiu uma abordagem crítica e diferente da interdição, clamando pela sua humanização e pelo respeito à dignidade humana do interditando. Afirma-se que, indepentemente da letra da lei, que rotula estes ou aqueles portadores de transtornos mentais de incapazes, qualquer que seja o problema mental, deverá a situação ser avaliada concretamente, antes da decretação da medida.
Foi, acolhendo este entendimento, que o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da lavra da Ministra Nancy Andrighi, no Recurso Especial nº 1.306.687-MT, decidiu acerca da interdição de um psicopata, que havia assassinado três pessoas de sua família. A Ministra ponderou que crimes espetaculares não costumam ser a regra das atuações sociais dos psicopatas, ao revés, aqueles que têm personalidade psicopática voltam-se para o cometimento de desvios éticos, além de um sem-número de pequenos ilícitos criminais e civis. Logo, a apreciação da possibilidade de interdição civil, quando relativa à sociopatas, pedia medida inovadora, de um lado refletindo os interesses do interditando, suas possibilidades de inserção social e o respeito à sua dignidade pessoal, e, de outro, o foco no coletivo – ditado pelo interesse do grupo social. Sustentou que era preciso uma análise casuísta, isto é, das circunstâncias concretas. A constatação da sociopatia, genericamente fixada, não necessariamente resultaria na interdição do sociopata, contudo, naquela situação específica, as circunstâncias pregressas, o histórico de prática de violência e o menoscabo com as regras sociais, por certo, levavam ao cabimento da interdição.
Portanto, a interdição civil de um cidadão, portador de transtorno mental hoje, ainda que seja ele um psicopata, não é determinada em função da desordem mental que o aflige, mas pelas circunstâncias concretas do caso.
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