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Em interessante artigo sob o título PONTO-E-VÍRGULA, a eminente Desembargadora Maria Berenice Dias discorre acerca do que entende deva ser a correta interpretação do inciso I do artigo 1.829 do Código Civil, mais especificamente no que se refere à hipótese em que o cônjuge casado pelo regime da comunhão parcial de bens concorre com os descendentes na herança. Sustenta, em suma, a ilustre articulista – pelos fundamentos que invoca – que, contrariamente à interpretação que até agora se tem dado, a concorrência do cônjuge com os descendentes somente se dá quando inexistem bens particulares do autor da herança.
O ponto de vista de minha estimada colega, no entanto, colide com aquele que sustentei em artigo anterior (A sucessão dos cônjuges), já veiculado no site do IBDFAM, razão pela qual, para incrementar o debate que, por certo, somente propiciará o aprofundamento da reflexão, é que passo a analisar os argumentos por ela expendidos.
Divirjo de sua interpretação gramatical fundamentada no fato de que, segundo sustenta a autora, “o sinal de pontuação ponto-e-vírgula, que tem por finalidade estabelecer o seccionamento entre duas idéias”. Com a devida vênia, não é o que ensinam os gramáticos.
ADALBERTO J. KASPARY (in HABEAS VERBA – PORTUGUÊS PARA JURISTAS – 1994 – Livraria do Advogado Ed. – p. 136 e segs.), depois de admitir que o “caráter impreciso do ponto-e-vírgula dificulta sobremaneira qualquer tentativa de normatizar-lhe o uso”, passa a elencar diversas hipóteses de cabimento dessa pontuação, ensinando que, entre outras situações, utiliza-se o ponto-e-vírgula “para separar as partes, séries ou membros de frases que já estão interiormente separados por vírgula”. Em idêntico sentido é a lição de ROCHA LIMA (GRAMÁTICA NORMATIVA DA LÍNGUA PORTUGUESA – 1963 – F. BRIGUIET & CIA. EDITORES – p. 548 e segs.).
E é bem esse o caso do inciso I do art. 1.829 do Código Civil, onde se tem uma longa frase, em que já havia o emprego da vírgula em três oportunidades. Nada mais natural, assim, que fosse, na quarta, empregado o ponto-e-vírgula, sob pena de inviabilizar a compreensão da idéia expressada. Isso, no entanto, não significa qualquer segmentação entre a primeira parte da frase e a última, o que somente seria possível se utilizado fosse o ponto final. Assim, com a devida vênia, a interpretação gramatical não favorece a tese de que há no dispositivo legal em foco um seccionamento entre duas idéias, o que afastaria a dupla negação.
Ocorre, ademais, que essa DUPLA NEGAÇÃO (que resulta da associação do “SALVO SE...” (...) com o “NÃO HOUVER DEIXADO BENS PARTICULARES”) está evidenciada também no emprego do OU – que é uma conjunção alternativa, que, por sua própria natureza, relaciona, os elementos da frase (por isso, repito, não há como segmentar a seqüência enumerativa). Ou seja, estão sendo explicitados ali quais são os regimes de bens em que não há concorrência, e, dentre esses, em último lugar na seqüência enumerativa, está o regime da comunhão parcial onde não haja bens particulares. Contrariamente, havendo bens particulares, há concorrência.
Por fim, também a interpretação finalística do dispositivo legal não é favorável à tese defendida pela aguerrida magistrada. De acordo com o que esclarece o professor Miguel Reale, a razão determinante da concorrência do cônjuge com os descendentes, no regime da comunhão parcial, é justamente prevenir o desamparo em que ficaria o cônjuge sobrevivente na eventualidade de o autor da herança haver deixado apenas bens particulares, circunstância em que, não fosse a regra da concorrência, o sobrevivente, que não teria direito à meação, não seria também herdeiro, ficando desta forma inteiramente desprotegido (salvo, é claro, a hipótese de ser contemplado em testamento). Por esse motivo é que lhe foi assegurado direito a concorrer com os descendentes, como herdeiro dos bens particulares. Assim, é certo, com a devida vênia, que a concorrência somente se justifica quando há bens particulares, e não ao contrário, como sustenta a brilhante articulista. E isso também pela singela razão de que, quanto aos bens comuns, o cônjuge já tem direito à meação, não havendo motivo para uma dupla contemplação (meação mais direito à herança).
Em conclusão, tenho como evidenciado que a concorrência do cônjuge com os descendentes, no regime da comunhão parcial, somente se dá quando há bens particulares do autor da herança, e não o contrário.
*Desembargador do TJRS; Presidente do IBDFAM-RS; Professor das Escolas da Magistratura e do MP.
O ponto de vista de minha estimada colega, no entanto, colide com aquele que sustentei em artigo anterior (A sucessão dos cônjuges), já veiculado no site do IBDFAM, razão pela qual, para incrementar o debate que, por certo, somente propiciará o aprofundamento da reflexão, é que passo a analisar os argumentos por ela expendidos.
Divirjo de sua interpretação gramatical fundamentada no fato de que, segundo sustenta a autora, “o sinal de pontuação ponto-e-vírgula, que tem por finalidade estabelecer o seccionamento entre duas idéias”. Com a devida vênia, não é o que ensinam os gramáticos.
ADALBERTO J. KASPARY (in HABEAS VERBA – PORTUGUÊS PARA JURISTAS – 1994 – Livraria do Advogado Ed. – p. 136 e segs.), depois de admitir que o “caráter impreciso do ponto-e-vírgula dificulta sobremaneira qualquer tentativa de normatizar-lhe o uso”, passa a elencar diversas hipóteses de cabimento dessa pontuação, ensinando que, entre outras situações, utiliza-se o ponto-e-vírgula “para separar as partes, séries ou membros de frases que já estão interiormente separados por vírgula”. Em idêntico sentido é a lição de ROCHA LIMA (GRAMÁTICA NORMATIVA DA LÍNGUA PORTUGUESA – 1963 – F. BRIGUIET & CIA. EDITORES – p. 548 e segs.).
E é bem esse o caso do inciso I do art. 1.829 do Código Civil, onde se tem uma longa frase, em que já havia o emprego da vírgula em três oportunidades. Nada mais natural, assim, que fosse, na quarta, empregado o ponto-e-vírgula, sob pena de inviabilizar a compreensão da idéia expressada. Isso, no entanto, não significa qualquer segmentação entre a primeira parte da frase e a última, o que somente seria possível se utilizado fosse o ponto final. Assim, com a devida vênia, a interpretação gramatical não favorece a tese de que há no dispositivo legal em foco um seccionamento entre duas idéias, o que afastaria a dupla negação.
Ocorre, ademais, que essa DUPLA NEGAÇÃO (que resulta da associação do “SALVO SE...” (...) com o “NÃO HOUVER DEIXADO BENS PARTICULARES”) está evidenciada também no emprego do OU – que é uma conjunção alternativa, que, por sua própria natureza, relaciona, os elementos da frase (por isso, repito, não há como segmentar a seqüência enumerativa). Ou seja, estão sendo explicitados ali quais são os regimes de bens em que não há concorrência, e, dentre esses, em último lugar na seqüência enumerativa, está o regime da comunhão parcial onde não haja bens particulares. Contrariamente, havendo bens particulares, há concorrência.
Por fim, também a interpretação finalística do dispositivo legal não é favorável à tese defendida pela aguerrida magistrada. De acordo com o que esclarece o professor Miguel Reale, a razão determinante da concorrência do cônjuge com os descendentes, no regime da comunhão parcial, é justamente prevenir o desamparo em que ficaria o cônjuge sobrevivente na eventualidade de o autor da herança haver deixado apenas bens particulares, circunstância em que, não fosse a regra da concorrência, o sobrevivente, que não teria direito à meação, não seria também herdeiro, ficando desta forma inteiramente desprotegido (salvo, é claro, a hipótese de ser contemplado em testamento). Por esse motivo é que lhe foi assegurado direito a concorrer com os descendentes, como herdeiro dos bens particulares. Assim, é certo, com a devida vênia, que a concorrência somente se justifica quando há bens particulares, e não ao contrário, como sustenta a brilhante articulista. E isso também pela singela razão de que, quanto aos bens comuns, o cônjuge já tem direito à meação, não havendo motivo para uma dupla contemplação (meação mais direito à herança).
Em conclusão, tenho como evidenciado que a concorrência do cônjuge com os descendentes, no regime da comunhão parcial, somente se dá quando há bens particulares do autor da herança, e não o contrário.
*Desembargador do TJRS; Presidente do IBDFAM-RS; Professor das Escolas da Magistratura e do MP.
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