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Direito Especial de Família
Fonte: Boletim do IBDFAM nº 20
Teço algumas considerações genéricas a respeito de alguns aspectos do Direito de Família que podemos considerar singulares, especiais. O território das relações humanas é caro a todos, operadores do Direito, psicólogos, psicanalistas, assistentes sociais, dentre outros; peço desconto e compreensão pelo viés, de outra disciplina e prática cotidiana, que ouso lançar em um terreno – às portas ou no Judiciário - em que os conflitos, ou pelo menos parte deles, já se apresentam de forma manifesta e têm nos operadores do Direito os profissionais que deles tratam.
Emprestando-lhes um sentido talvez distinto, utilizo como eixos, que se sobrepõem, o que penso podemos considerar especial no Direito de Família – o tempo, o valor e o afeto.
Não são poucas as críticas com relação à morosidade dos processos; é realidade, mas também sabemos que há um tempo de amadurecimento dos conflitos, que não deve ser confundido com o tempo paralisado da cronificação dos conflitos, o que muitas vezes é também de responsabilidade do tratamento que lhes é dado por parte dos profissionais. Não se eximem desta questão, em outro terreno, profissionais de outras áreas. Distinção importante que toca diretamente ao tratamento dado ao conflito, cujo tempo do amadurecimento afetivo deve ser respeitado. Assim como é verdade que a morosidade é injusta, ampliando e cronificando o conflito, também o é a celeridade, impedindo a sua elaboração. No Direito de Família, o tempo cronológico, objetivo não encontra necessariamente uma correspondência com o tempo subjetivo da elaboração dos afetos.
O valor é outro eixo a ser levado em conta. Um critério objetivo que apresenta riscos quando utilizado para justificar o concurso dos operadores do Direito e em situações – relações de família - cujo valor é outro. Salvo engano, o valor econômico foi utilizado para delimitar o acesso aos Juizados Especiais de Pequenas Causas, mas é um risco que o seja para, por exemplo, a implantação de Juizados Especiais de Família ou da Mediação. Na área das relações familiares, o valor básico é o afeto que, muitas vezes, acaba mutilado, quando se tenta traduzir, objetivamente, em valores meramente econômicos, os conflitos. Mormente nesta área, o objetivo e o subjetivo tendem a se confundir e, ao não se dar o devido valor às questões afetivas, o alto custo emocional das demandas se vê inflacionado pela cronificação dos conflitos.
“Entenda-se por afeto tanto os sentimentos amorosos como os de agressividade”
Somando-se a isto o concurso profissional do advogado para causas que tenham um determinado valor econômico e atribuindo-se um valor menor para a mediação, que seria então exercida por profissionais outros, psicólogos e assistentes sociais, para causas inferiores a determinado valor, corre-se o risco de inverter prioridades. Teria menor valor o trabalho do profissional que ajuda na elaboração do conflito e valor maior aquele que atua em situações de litígio? Teriam menor valor as questões afetivas de famílias que têm menores condições econômicas? De qualquer modo, vale ressaltar, com um viés otimista, que os tempos atuais emprestam valor às relações sociais cooperativas e não necessariamente competitivas.
Finalmente um último eixo, o do afeto. Entenda-se por afeto tanto os sentimentos amorosos como de agressividade. As relações familiares são recheadas por ambos, sendo fundamental a prevalência dos primeiros para a formação, manutenção e transformação das relações familiares. É nestas transformações que muitas vezes os conflitos batem às portas do Judiciário, sendo fundamental um tratamento que permita a preservação da finalidade da família e a integridade psíquica de seus membros. Neste sentido, o concurso do advogado, com sua objetividade e incluindo sua experiência com relação às situações de litígio, é de fundamental importância, justamente para ajudar em sua transformação.
As transformações que assistimos não se restringem às relações familiais, passam também pelas instituições e sistemas de conhecimento, pelas disciplinas. Creio que a troca, além de enriquecer a apreensão dos níveis da realidade, também ajuda a redimensionar fronteiras, exercendo um controle exterior benéfico ao que é o limitado viés do conhecimento específico de cada área.
Alguns assuntos que envolvem o sistema Judiciário têm ocupado e preocupado a sociedade em geral, mas, sobretudo os operadores do Direito. Para citar alguns, a morosidade do sistema, a dificuldade de acesso ao Judiciário, inclusive de compreensão e mesmo ignorância quanto ao seu funcionamento. Surgem diversas propostas como a de Juizados Especiais de Família, a Mediação, a Guarda Compartilhada, somando-se a estas o questionamento quanto ao papel e valor que possam ter o concurso de outros profissionais. O que é especial no Direito de Família - tempo, valor e afeto - tem sido utilizado como argumentos, tanto pró quanto contra a implantação de algumas propostas agora citadas. Questões que são, no mínimo, polêmicas e que devem ser tratadas em sua especificidade e por especialistas no assunto, mas que trazem a inegável realidade das mudanças pelas quais passam não só as relações familiais, mas a Sociedade em geral.
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