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O Sujeito do Desejo
Fonte: Boletim nº 17
Diversamente dos assuntos que tenho trazido à esta coluna, comento o fato do Prêmio Nobel de Economia ter sido, este ano, outorgado aos norte-americanos Daniel Kahneman, professor de psicologia, e Vernon Smith, professor de economia e direito. O prêmio contempla o enfoque interdisciplinar, com a inclusão da dimensão psicológica nas investigações que estudaram os mecanismos de julgamento e tomada de decisão em situações de incerteza. Foi assim desafiada no campo da economia a suposição de que as pessoas tomam decisões racionais, no que aparentemente seria um aspecto bastante objetivo da vida.
Experimentamos todos os dias, na atual cena globalizada, um desafio à nossa compreensão em que o comportamento das bolsas, a oscilação do dólar e inclusive o chamado risco país, índices econômicos, têm um quê de ?irracional?. O desafio encontra-se nem tanto no desconhecimento da matéria, mas pelo que contêm de subjetivo e fora do alcance de nossa consciência, não combinando com a racionalidade excessiva que tentamos, inutilmente, lhes imprimir.
Os nossos comportamentos são multideterminados, como bem o descobriu Sigmund Freud, contando com a contribuição de diversos fatores, como o desejo e o afeto que, quando ?expurgados? retornam com igual ou maior força sob uma forma aparentemente ?irracional?, que nos intriga.
Esta combinação subjetivo/objetivo ou, para utilizar outro par dialético, razão/desrazão (emprestando o termo do filósofo Michel Foucault) é sem dúvida de difícil interpretação, necessitando o enfoque interdisciplinar para que possamos ampliar nossa compreensão, e a consciência do limite de nossas interpretações, dos fenômenos que formam nossa cultura.
Na realidade vivida pelos Operadores do Direito, sobretudo no ramo que se dedica às questões da Família, há muito se sabe que não se sustenta a suposição de que as pessoas tomam decisões racionais em questões aparentemente objetivas. Nem por isto o fenômeno é menos intrigante. E ainda, outra hipótese refutada pelos economistas, do que representaria um comportamento racional, é a de que as pessoas procuram maximizar seus ganhos e minimizar suas perdas. Verificaram que, pelo contrário, as pessoas importam-se mais com as perdas do que com os ganhos, em situações que ambos têm o mesmo valor financeiro....
Outra situação familiar ao cotidiano dos Operadores do Direito, que se vêm "lutando" com o desconhecido do significado que têm ganhos ou perdas para os Sujeitos do Direito.
Tarefa difícil a compreensão e encaminhamento, em linguagem objetiva, das intrincadas questões que envolvem o universo do Direito de Família. Muitas vezes, tal busca de objetividade redunda na exacerbação dos elementos econômicos de uma demanda, como se estes nos trouxessem mais certezas e, como se assim, se pudesse expurgar o desejo e o afeto, que tantas incertezas nos trazem.
A existência do Sujeito do Desejo e o fenômeno da multideterminação, trazidos à luz pela psicanálise, nos assombram, ao mesmo tempo em que nos são familiares, embora sempre estranhas, face à nossa tentativa constante da busca de segurança e certezas. Em outro extremo, podemos ainda tentar de modo forçado, separar sem compreender sua relação, o afetivo - o subjetivo, do econômico - objetivo. Tal divisão forçada, sem a necessária atribuição dos valores subjetivos ao que é objetivo e dos valores objetivos ao que é subjetivo, pode acabar levando às confusões que, por vezes, assistimos impotentes. Muito há ainda por compreender.
Penso que o prêmio Nobel de Economia deste ano foi dado nem tanto à uma descoberta que nos leva à um certeza, mas à certeza de que há um Sujeito do Desejo, que escapa à nossa compreensão objetiva e cuja existência precisa ser legitimada nos campos do conhecimento.
[1] As demandas que envolvem as transformações pelas quais passa uma família, como qualquer mudança, necessariamente envolvem algum tipo de perda. Os afetos sentidos nestas situações passam por uma evolução que vai da raiva ao luto, desesperança, tristeza, conformismo, etc. Estes afetos necessitam ser vivenciados, elaborados, para que, então, outra corrente de afetos como o alívio, a esperança e o amor possam emergir. Ou seja, a elaboração das perdas permite que os ganhos possam ser vislumbrados e realizados. Visto que os processos psíquicos também têm uma ?economia? que lhes é própria , cabe uma compreensão mais abrangente para que os processos judiciais encontrem maior sintonia com estes, promovendo a elaboração e não a cronificação do conflito.
[2] A expressão "o estranho, embora familiar" foi utilizada por Sigmund Freud, ao fazer referência aos aspectos do inconsciente que são interpretados e qualificados como estranhos por nossa consciência, visto alguns destes elementos estarem em oposição ao que nos é familiar.
Mediação, um Instrumento da Interdisciplina - Psicanálise e Direito foi o tema do trabalho que a diretora de Relações Interdisciplinares, Giselle Groeninga, apresentou no XXIV Congresso Latino Americano de Psicanálise "Permanências e Mudanças na Experiência Psicanalítica", realizado em Motevidéu, Uruguai, de 20 a 27 de setembro. O trabalho foi comentado pela advogada Dra. Diana Diaz e pela juíza Claudia Guimernau Traverso, sendo digna de nota a presença do psicanalista Dr. Guillermo Carvajal, da Colômbia, que realiza importante trabalho na interseção justiça/psicanálise e educação.
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