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Estatuto do Pai
Um microuniverso normativo situa-se dentro do Direito de Família no que concerne à autoridade parental paterna (poder familiar), em face de direitos e deveres existentes, constituindo, em si mesmo, o Estatuto do Pai.
Bem de ver que o direito familista, assim consagrado no Código Civil (Livro IV), em sede do direito pessoal dos seus protagonistas, disciplinado em dois subtítulos, trata do casamento (artigos 1.511/1.590) e das relações parentais (artigos 1.591/1.638), onde, neste último, capsuladas estão as normas que cuidam, nomeadamente, acerca da filiação (artigos 1.596/1.606), do reconhecimento dos filhos (artigos 1.607/1.7617), da adoção (artigos 1.618/1.629) e do poder familiar (artigos 1.630/1.638).
Em boa medida, os direitos ao poder familiar e os deveres dele extraídos, as relações parentais definidas e as disciplinas legais da filiação e da adoção, podem, em seu contexto, compreender as relações jurídicas da paternidade, que consolidam uma visão normativa estatutária.
Quando o artigo 1.593 do Código Civil, por exemplo, anuncia que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consangüinidade ou outra origem, temos por essa última cláusula, o pai civil. Aquele que resulta da socioafetividade adquirida ou da adoção constituída, valendo dizer, em casos que tais, que a paternidade socioafetiva pode preferir à biológica e que a adoção atribui à situação de filho
ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com o pai consangüineo.
Existem também o pai ficto (artigo 1.597, incisos I e II, CC), o pai póstumo (caso da fecundação artificial homóloga, por inseminação “post-mortem”, referido pelo artigo 1.597, III, CC), o pai protraído (caso de filhos havidos, a qualquer tempo, quando de tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga, artigo 1.597, IV, CC) o pai sub-rogado (advindo da técnica de reprodução assistida por concepção heteróloga) e, ainda, o pai presuntivo do artigo 1.598 do Código Civil. Todos eles demandam os filhos, com direitos e responsabilidades.
A posse de estado de filho, a seu turno, é instituto jurídico que, em suas características, estabelece uma paternidade que não pode ser desconstituída.
Existem, por outro lado, os três homens em conflito (sem qualquer analogia com o filme do diretor Sergio Leone) em suas paternidades confrontadas, a saber: (i) o pai registral; (ii) o pai biológico e (iii) o pai socioafetivo, quando discute-se, no caso concreto, o direito ao filho em exercício da paternidade prevalecente ou a sua desconstituição legal.
A propósito, o Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu Repercussão geral em tema que trata da prevalência, ou não, da paternidade socioafetiva sobre a biológica no Recurso Extraordinário com Agravo nº 692186-PB, onde Relator o Ministro Luiz Fux, já com parecer da PGR e concluso para julgamento (02.08.13).
O reconhecimento do filho é direito do pai, voluntário e decisivo, a tanto irrevogável, nas formas do art. 1.609 do Código Civil, podendo, inclusive, preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu óbito. Cumpre à lei, inclusive, facilitar o reconhecimento voluntário, na hipótese do inciso IV do artigo 1.609, com a gratuidade da averbação em registro civil.
Aliás, temos defendido uma maior dinâmica da Lei 8.560, de 29.12.1992, em prestígio ao reconhecimento voluntário da paternidade, mediante, inclusive, incentivos fiscais ou benefícios sociais que possam ser assegurados aos pais que, notificados, manifestem-se favoráveis sobre a paternidade que lhes são atribuídas, com ou sem exame prévio de DNA.
Em Pernambuco, a Lei estadual nº 13.692, de 18.12.2008, determina a isenção de emolumentos e de Taxa de Utilização dos Serviços Públicos Notariais ou de Registro (TSNR), no procedimento de averiguação de paternidade, inclusive a averbação e a certidão respectiva do ato.
Ainda existe a figura do pai socioafetivo preordenado, como aquele que, em situação jurídica equipotente à da adoção, houve de obter junto ao pai biológico, uma paternidade compartilhada. No ponto, a dupla paternidade resultou assegurada por decisão judicial pioneira em pedido de registro civil (28.02.2012), no efeito de constar em assento de nascimento, além da paternidade biológica daquele que forneceu o sêmen, a indicação de uma segunda paternidade, a do companheiro em união homoafetiva (1ª Vara de Família/Recife, juiz Clicério Bezerra).
Em termos de dupla paternidade, temos ainda uma socioafetividade paternal, na hipótese, a bom exemplo da relação enteado-padrasto, aquele havido como filho afetivo e este último, como um segundo pai, estabelecendo-se, a todo rigor, uma dupla paternidade fática.
Não custa lembrar, a propósito, a Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2009, que acrescentou parágrafo ao art. 57 da Lei nº 6.015 (Lei de Registros Públicos) para a requerimento de enteado ou enteada, havendo motivo ponderável, ser autorizado, mediante averbação, o uso do nome de família (patronímico) do padrasto (ou da madrasta), com a concordância destes, e sem prejuízo dos apelidos de família. Na teleologia da norma, inseriu-se uma dupla paternidade e o “motivo ponderável”, consiste em uma induvidosa socioafetividade subjacente.
A paternidade apresente-se também como uma ficção jurídica, conforme a lei (i) nos casos de inseminação artificial heteróloga , onde o filho é havido como do marido da mulher inseminada com sêmen de terceiro (a tanto prestando aquele seu consentimento) e este pai figura, no plano dos fatos, como um pai socioafetivo, ou (ii) quando a paternidade pode obter novos modelos, como o da paternidade dúplice.
Pois bem. Pontua-se, por decisivo, em todas as hipóteses, que a paternidade será sempre posta em dignidade do projeto parental e com ele guarda sua maior legitimidade.
Todos os pais se reconhecem como tais, em compromisso de vida.
Induvidosamente, cuide-se pensar, então, que a ordem jurídica contempla e formata o Estatuto do Pai, como uma realidade moderna do direito. Mais precisamente, um conjunto de normas, para além do Código Civil, em legislação avulsa como a fornecida pela Lei n. 11.108, de 2005, dispondo que a parturiente seja acompanhada pelo genitor, na maternidade. Ou seja, o acompanhamento pelo genitor, nas unidades hospitalares, constitui garantia ao pleno exercício da paternidade, na fase pré-natal.
Afinal, o pai reside no direito que é-lhe assegurado pela dignidade do amor que o une ao filho e esse direito, que deve ordenar o próprio Estatuto do Pai, mais se aperfeiçoa quando a lei não define o conceito de pai.
Em ser assim, exorta-se, igualmente, que todo pai reconheça seu filho, como aquele que o substitui no mundo, símbolo que o perpetua, e mais que isso, o reconheça perante o mundo, digno de uma existência que o assinale como filho.
O estatuto do pai começa por esse aprendizado.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – o autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Assessorou a Comissão Especial de Reforma do Código Civil na Câmara Federal. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
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