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Judiciário e sequela na cidadania
Rodrigo da Cunha Pereira[1]
O poder judiciário precisa entender sua melancólica incapacidade de fazer justiça. Pelos dados do CNJ, 26 milhões de novos processos vão parar no judiciário anualmente. Mais de 50% desses processos são do próprio poder executivo, que estrategicamente prorroga por anos a fio, através de recursos protelatórios para não pagar o que deve mesmo sabendo devedores. Por isso é voz corrente que o Estado é o maior caloteiro. Basta ver os credores que morrem antes de receber os tais precatórios. E pior: isto parece coisa normal. Não é. Está caindo a ficha e o poder das redes sociais começa a gritar por esta razão também. A frase de Rui Barbosa até já virou clichê: justiça tardia não é justiça.
A outra metade dos processos advém das atividades privadas. A lentidão dos processos enfraquece e tira a esperança da parte mais vulnerável. Isto se torna mais evidente na área do Direito de Família. É claro que em muitos deles as estórias de degradação do outro faz parte de um "gozo" com o litígio. As partes, não tendo capacidade para resolver seus conflitos internos, acabam levando os restos do amor para o judiciário. E isto era estimulado pela própria lei quando dizia que havia um culpado pelo fim do casamento. Apesar da evolução jurisprudencial e da EC 66/10, que simplificou o divórcio, eliminando prazos desnecessários e o inútil modelito da separação judicial, ainda há quem insista nesta ridícula discussão de culpa, que não leva a nada e ajuda a abarrotar ainda mais o judiciário.
A maior parte dos processos judiciais de Família referem-se a pensão alimentícia. Apesar da hercúleo esforço da Defensoria Pública que atende a população carente, os mais necessitados continuam com suas necessidades básicas não atendidas, os processos não andam, arrastam-se em imbróglios processuais e burocráticos. Outra balela: quem tem mais de 60 anos tem prioridade na tramitação de processos judiciais. Só pra inglês ver.
O poder legislativo também deveria fazer sua mea culpa. Passou-se a achar normal a lentidão da tramitação dos PLs no Congresso Nacional. Tudo bem que democracia não é simples e dá trabalho. Mas grande parte dos parlamentares parece desviar totalmente de sua função para o qual foram eleitos. E para piorar a situação, o Estado que deveria ser laico compactua com essa situação e tende a voltar ser um Estado religioso. A maior demonstração disto é a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos deputados, que a todo custo querem impor sua moral particular, ainda que isto signifique expropriação de cidadanias. Não se aprova mais nenhum projeto de lei que tenha qualquer conteúdo contrário à moral religiosa. Por exemplo: está parado na mesa diretora da câmara dos Deputados o Estatuto das Famílias, PL 674/07 desde 15/12/10 aprovado na CCJ, após tramitação e discussão com a comunidade Jurídica, em razão de recursos da bancada evangélica. É um direito legítimo e democrático discordar e discutir. Mas as artimanhas e conchavos de poder tem travado o processo democrático. Não há explicação aceitável de tal paralisação deste e de tantos outros projetos de lei que poderiam melhorar a justiça e a cidadania deste país. Essas inexplicáveis situações, em nome de uma moral excludente, e da manutenção de uma estrutura do poder, passaram a ser consideradas normais. Não é.
Felizmente, gente jovem reunida mobilizada pelas redes sociais, começou a ter a lucidez e a enxergar que essas estruturas de governo, seja no executivo, legislativo ou judiciário, não são e não podem ser aceitos como normais. Será que o Ministério da Justiça, através de sua Secretaria da reforma do judiciário ouvirá as vozes da rua? Será que os presidentes da Câmara e do Senado vão abrir os olhos para essas anormalidades? Enquanto isto, e até que isto aconteça, nossa justiça continua cega, surda, muda e entrevada. E assim, beneficiando, naturalmente a parte economicamente mais forte.
[1] Rodrigo da Cunha Pereira é advogado e presidente nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.
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