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Guerra, globalização e mediação
Fonte: Boletim nº 19
Neste tormentoso momento em que a humanidade enfrenta uma guerra, de proporções inimagináveis, o conceito de globalização tem sido objeto de profunda reflexão.
Globalização, chamada pelos franceses de mundialização, é a interação generalizada entre as diferentes partes da humanidade, provocando um crescimento em todos os níveis: científico, tecnológico, demográfico e econômico, provocando distorções e evidenciando as diferenças. Nações e indivíduos temem que os reflexos deste fenômeno culminem no abalo da identidade nacional, e, conseqüentemente, a identidade pessoal.
A causa deste fenômeno encontraria diversos fundamentos. Há aqueles que entendem se tratar exclusivamente dos reflexos do domínio econômico dos Estados Unidos sobre o resto do mundo, impondo um modelo de vida e de consumo. Outra visão mais abrangente, explica a globalização como conseqüência da internacionalização das trocas, resultante da explosão dos meios de comunicação, principalmente nas últimas duas décadas, tornando-se instantânea, com o advento da Internet.
Ressalte-se, no entanto, que se evidencia a forte possibilidade da globalização ocultar desequilíbrios que fragmentam sociedades, enfraquecendo os direitos individuais e coletivos das minorias, engolidas pelo capitalismo desenfreado.
A compreensão desse movimento planetário encontra-se no pensamento de Habermas, fundamentado na filosofia da discussão, reconhecendo a implacável tendência da preponderância da subjetivação dos direitos, como resposta às necessidades humanas de assimilação das mudanças, definitivamente consagradas no 3.º milênio.
Tomando-se como ponto de partida a idéia fundamental dos tempos atuais como resposta à reflexão humana sobre a integração planetária - a subjetivação dos direitos - e a ameaça iminente da idéia fundamental da globalização - abalo da identidade nacional e de cidadania - é preciso reconhecer a forte demanda de um modelo de acesso à justiça que permita compreender a etiologia dos conflitos , com ênfase naqueles de natureza familiar, com forte carga de subjetividade, pois contém sofrimento humano.
O aprimoramento de acesso à justiça é a primeira resposta à demanda de cidadania, tendo como essência os direitos individuais - subjetivação dos direitos - o que resulta num ideal da mais ampla inserção social, para que seja garantida a preservação da identidade, respeitando o princípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana.
O filósofo e mediador Jean-François Six faz a seguinte reflexão a propósito do contexto mundial: "Há agora a mundialização, que engendra uma profunda angústia exatamente no coração das nações, querendo a qualquer preço, salvaguardar suas diferenças, preservar seus empregos como sua identidade....O que é verdade no plano dos povos, o é também no plano de cada ser humano de nosso fim de milênio".
Justamente nessa transição da humanidade, a Mediação surge como um fenômeno, que vem se organizando pela sociedade civil, correspondendo a uma legítima demanda de reconhecimento das diferenças, reconhecendo a subjetivação dos direitos, satisfazendo um anseio humano de adoção de sistemas de construção de passarelas, não cabendo mais a construção de muros. A Mediação apresenta-se como uma ferramenta ao aperfeiçoamento da cidadania.
A mediação começa a ser adotada também pelo Judiciário, com algumas experiências em vários Estados brasileiros, ainda em busca de um conceito adequado à cultura de nosso País, de proporções continentais.
Muitas Faculdades de Direito começam a promover experiências com a instalação de Juizado Especial Cível (JEC), para aprimoramento do ensino, onde alunos e professores se propõem a promover escuta qualificada dos cidadãos de baixa renda, socialmente excluídos, oriundos de cinturões de pobreza que circundam a grande cidade.
Num depoimento colhido de aluno inserido nesse programa, constatou-se que é habitual virem reclamar direitos, sem saber exatamente como expor os fatos correspondentes. Na verdade vêm muito mais para ter a certeza de que existe um sistema que os acolhe, os insere, enfim, que podem exercer a cidadania, reclamando seus direitos, mesmo sem saber quais são.
O relato guarda estreita consonância com o posicionamento de Jean-François Six. O cidadão que reclama direitos, mesmo sem saber quais são, deseja ser reconhecido por um terceiro, pois o humano é essencialmente reflexivo, ou seja, o reconhecimento vindo do outro lhe permite voltar a si e se reconhecer como indivíduo. E aqui reside o fundamento filosófico da mediação - a filosofia da comunicação.
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