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Família por design
O fato nascimento, como primeiro evento da vida civil, quer dizer, antes de mais, que uma nova vida surge e o neonato é a criança recebida com nome, afeto e inserção na família e nada mais será importante senão aquele que chega exteriorizando, afinal, a própria família que nele se acrescenta.
Importará menos que os pais estejam ainda juntos ou já separados, que tenha sido ele nascido de uma relação afetiva ou meramente eventual, ou, talvez, de técnicas de reprodução assistida, onde o pai, sem qualquer identidade, tivera a única feição de um tubo de ensaio, como doador anônimo do líquido seminal para a concepção “in vitro”. Pouco importa, hoje, o berço das origens, vedando a Constituição Federal quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (art. 227 § 6º).
Mas, importa, sim, afinal, que o neonato receba toda a afeição necessária à sua melhor formação de personalidade e que seja ele amado por ambos os pais, mesmo que os pais não mais se amem entre si (porque já separados) ou que nunca se tenham amado. Importa, portanto, que amem o filho como membro de uma família que existirá, sempre, através dele.
É nesse ponto que o projeto parental do filho desejado, ganha relevo, não apenas na esfera da afetividade, mas no da co-parentalidade, quando ambos os pais idealizam o filho, como sujeito jurídico do estado de filiação que os unifica como pais, independente das relações subjacentes que os aproximam ou não enquanto parceiros.
No caso, a questão agora assume proporções inusitadas, quando redes sociais e sites americanos na Internet estão aproximando pessoas apenas para a procriação pretendida, pessoas desconhecidas e não propriamente interessadas em um relacionamento amoroso entre si e que as coloquem, noutro passo, como pais.
Aqueles que em determinada faixa etária não tiveram ainda filhos, por razões várias (exemplo: a da maior prioridade dada à profissão) e que não desistiram do projeto parental, estão agora na corrida cibernética da procura do pai ou da mãe do filho, unicamente pelo filho, servindo a Web de bússola de encontro, nos fins da procriação, sem casamento, sem união estável ou qualquer outro tipo de envolvimento.
Uma nova entidade familiar aparece, a da co-parentalidade, formada por um filho e os có-pais, que identificados, formam a família apenas destinada ao filho internético, plasmado da rede social e que não conhecerá uma família convencional, senão apenas um pai e uma mãe, como pais concebidos por seus interesses individuais próprios, os de terem um filho com a assistência genética do outro genitor, nada mais havendo entre eles. É a família por parceria dos pais, tipicamente formada somente para a co-parentalidade.
O principal site é o “Family by Design” - www.familybydesign.com - fundado por Darren Speedale, que promove arranjos familiares com intentos procriativos, aproximando pessoas para atender os seus objetivos parentais. A diferença é que não se tratarão de doadores anônimos, para uma reprodução assistida, mediante inseminações artificiais ou concepções de laboratório. Bem é certo que poderão preferir essas técnicas, sem necessariamente o uso do método natural. Todavia, serão sempre pessoas identificadas, parceiros escolhidos, inclusive por determinados perfis.
A gestação programada virtualmente, mediante decisão conjunta de terem um filho juntos, envolve os pares na Internet, mesmo que desconhecidos, a partir de questionários respondidos, onde são elencados dados pessoais a partir de preferencias, gostos, e demais informações, que poderão ser de interesse comum.
A funcionalidade da pesquisa, para o fim de escolha do casal, situa-se, com mais precisão, nas definições acerca da guarda e educação do filho projetado, quando um e outro já evidenciam como gostariam de cuidar do filho, como dividir as tarefas inerentes ao exercício do poder familiar de cada um, e como poderão trabalhar uma cooperação deles pais, entre si, para proteger os interesses maiores do filho.
Essas tratativas prévias servem de contratualidade preliminar, valendo admitir que contratos dessa espécie regularão, sempre, os arranjos familiares para uma parceria de projeto parental. Bem é dizer, v.g., que o modelo de guarda será sempre o da guarda compartilhada do filho, nada justificando uma guarda unilateral, salvo em situações que digam respeito ao melhor interesse da criança. Pois bem. Convém admitir circunstâncias fáticas, de há muito observadas, indicando que:
(i) pais solteiros, ou pais separados, não comprometem, em princípio, uma regular e saudável formação da criança;
(ii) quando em situações outras, um filho pode ser mais um neto, como sucede na gestação substituta, ou “gestação por outrem” de avó que engravida em lugar da mãe genética, sua filha; as técnicas de RMA não colocam dita gravidez como situação-problema;
(iii) nomeadamente, diante da doação anônima de gametas; tem-se o filho gerado sem pai ou mãe determinados, deles privado de convivência parental;
(iv) ou finalmente, diante de inseminações artificiais “post mortem”, tem-se, por igual, a mesma privação do filho quanto à figura do pai, porque já concebido órfão.
Com efeito, claro se percebe que filhos de encomenda por pais de encomenda, malgrado algumas criticas bioéticas, constitui uma nova realidade que não pode ser desconsiderada pelo direito de família. Os fatos da vida conferem realidades diferentes, no sentido da comunidade familiar, em seus mais diversos segmentos.
Agora uma nova família, “família por design”, se improvisa na rede mundial de computadores. Parceiros “on line” colocam-se, segundo seus perfis, como potenciais pais para, conforme um projeto parental de ambos, satisfazerem ao outro e a si mesmos com o filho desejado. Que este filho não se desconecte na vida. O amor que faltará por certo, entre os pais, seja multiplicado por eles, em muitos megabites, em prestígio e proteção ao filho trazido pela internet.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
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