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Alimentos compensatórios. Possibilidade
Alimentos compensatórios. Possibilidade.[1]
Flávio Tartuce.
Doutor em Direito Civil pela USP.
Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP.
Professor do programa de mestrado e doutorado da FADISP.
Coordenador e Professor da Escola Paulista de Direito.
Professor exclusivo para cursos preparatórios da Rede LFG.
Advogado e consultor jurídico.
Os alimentos familiares representam uma das principais efetivações do princípio da solidariedade, no sentido de preocupação, cuidado e responsabilidade pelo outro. Como se extrai da clássica obra de Clóvis Beviláqua, os alimentos estão fundados em uma relação familial; mas interessam a toda a sociedade, o que justifica a existência de normas de ordem pública a respeito da matéria (BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil. Edição histórica, 3ª tir. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977. p. 862).
Em um contexto de ampliação da solidariedade, impondo-se uma obrigação familiar agravada, surge a ideia dos alimentos compensatórios. A construção foi desenvolvida, no Brasil, por Rolf Madaleno, a partir de estudos do Direito Espanhol e do Direito Argentino. Leciona o doutrinador brasileiro que os alimentos compensatórios constituem “uma prestação periódica em dinheiro, efetuada por um cônjuge em favor do outro na ocasião da separação ou do divórcio vincular, onde se produziu um desequilíbrio econômico em comparação com o estilo de vida experimentado durante a convivência matrimonial, compensando deste modo a disparidade social e econômica com a qual se depara o alimentando em função da separação, comprometendo suas obrigações materiais, seu estilo de vida e a sua subsistência pessoal” (MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 725). Dessa forma, a sua finalidade é evitar o desequilíbrio econômico decorrente da redução do padrão social do cônjuge, “sem pretender a igualdade econômica do casal que desfez sua relação, mas que procura reduzir os efeitos deletérios surgidos da súbita indigência social” (MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 726).
A hipótese típica é de escolha pelas partes do regime de separação convencional de bens, seja no casamento ou união estável, em que não há a comunicação de qualquer bem, por força do art. 1.687 do CC/2002. Finda a sociedade conjugal ou convivencial, é possível que um dos consortes pleiteie ao outro uma verba extra, a título de alimentos compensatórios, visando a manter um mínimo de equilíbrio na dissolução da união.
Na doutrina contemporânea, outros juristas vêem com bons olhos a sua fixação. Nessa linha está Maria Berenice Dias, para quem deve “o cônjuge mais afortunado garantir ao ex-consorte alimentos compensatórios, visando a ajustar o desequilíbrio econômico e a reequilibrar suas condições sociais” (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 540). Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald acrescem o fundamento na boa-fé objetiva, eis que, “durante o relacionamento, um dos cônjuges acaba criando no outro a justa expectativa de manutenção do mesmo padrão de vida, caso o relacionamento seja dissolvido” (FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2012. v. 6: Famílias, p. 791).
A tese é interessante, pois traz para o Direito de Família a experiência do direito obrigacional a respeito da vedação da onerosidade excessiva ou desequilíbrio negocial, retirada, por exemplo, dos arts. 317, 478, 479 e 480 do CC/2002; dispositivos que tendem a manter o ponto de equilíbrio nas relações contratuais, cabendo a revisão ou a resolução do negócio jurídico equivalente. Em reforço, há um fundamento na responsabilidade civil, com proximidade conceitual em relação aos alimentos indenizatórios, tratados pelo art. 948, inc. II, do mesmo CC/2002.
A jurisprudência recente tem debatido e aplicado o conceito, podendo ser destacada ementa do Tribunal do Distrito Federal, com o seguinte trecho: “se os documentos juntados com a petição inicial parecem, efetivamente, indicar que as partes conviveram em regime de união estável e que pode haver efetivo desequilíbrio na partilha do patrimônio, isso é suficiente para dar suporte ao pedido de fixação de alimentos que a doutrina vem chamando de 'compensatórios', que visam à correção do desequilíbrio existente no momento da separação, quando o juiz compara o status econômico de ambos os cônjuges e o empobrecimento de um deles em razão da dissolução da sociedade conjugal”. (TJDF, Recurso n. 2011.00.2.003519-3, Acórdão n. 508.103, Quarta Turma Cível, Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis, DJDFTE 03/06/2011, p. 148). Releve-se, ainda, recente decisão do STJ, que admitiu a sua fixação, mas afastou a possibilidade de prisão pela falta de seu pagamento. De acordo com o julgamento, o fundamento principal dos alimentos compensatórios está na vedação do enriquecimento sem causa, nos termos do art. 884 do CC/2002 (STJ, RHC 28.853/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 01/12/2011, DJe 12/03/2012).
Como o devido respeito a ultima dedução, o fundamento relevante para a fixação dos alimentos compensatórios parece ser mesmo o princípio da solidariedade, com índole constitucional, nos termos do art. 3º, inc. I, da CF/1988. Assim, a tese é salutar, devendo ser admitida no Direito de Família Brasileiro.
Todavia, apesar do apreço deste autor pelo conceito, a sua adesão merece as devidas ressalvas. Isso porque os alimentos entre os cônjuges devem ser analisados socialmente, de acordo com a emancipação da mulher e com a sua plena inserção no mercado de trabalho. Nesse contexto, filia-se plenamente à premissa segundo a qual os alimentos entre os cônjuges têm caráter subsidiário e transitório, com fixação por um tempo razoável, até que o cônjuge volte ao mercado de trabalho (ver: STJ, REsp 1.025.769/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/08/2010, DJe 01/09/2010). Esse caráter transitório igualmente deve atingir os alimentos compensatórios.
Além disso, a fixação dos alimentos compensatóriosnão pode ser desmedida ou exagerada, de modo a gerar o ócio permanente do ex-cônjuge, ou uma espécie de parasitismo amparado pelo Poder Judiciário. Nesse contexto, deve ser vista com ressalvas a ideia de que os alimentos compensatórios visam a manter o status quo de alto padrão da ex-mulher que não trabalhava quando casada, e que continuará sem trabalhar após o fim da união. Em casos tais, o fundamento para tais alimentos deixa de ser o princípio da solidariedade, passando a ser o enriquecimento sem causa, não sendo o caso de se admitir tal fixação.
[1] Artigo publicado no Jornal Carta Forense, de São Paulo, edição de abril de 2013 (matéria de capa).
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