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Carnaval, consumo e segurança das baladas
Luiz Edson Fachin[1]
Mistura-se ao luto da mais recente tragédia um necessário debate sobre risco e consumo. O período carnavalesco contribui para estimular ainda mais o questionamento de uma sociedade que encena seu próprio espetáculo. Afinal, como temperar, na fluidez dos freios sociais a almejada segurança sem repressão?
Pais e educadores se encontram, pois, em oportuno momento de discussão de seu papel e das funções a serem exercidas na ambiência da família e da sociedade.
Um ponto de partida são as ideias de Gilles Lipovetsky, que traduz a crítica ao hiperconsumo gerador de diversas alterações no comportamento movido pela sua intensidade e velocidade. Tudo e agora, eis o moto alheio aos riscos que bailam na travessia da praça para o salão. São sintomas desse tempo no qual o espaço privado confinou os atores deste espetáculo a um lugar que fica difícil separar a realidade dos lances apenas ficcionais.
Inaugura-se a sedução que começa nas vitrines dos magazines e compreende por aí a tudo e também a todos. Sujeitos se comportam como objeto de seu próprio desejo. Animações e ricas decorações são os artigos de consumo em massa. Lazeres e o conforto transformam-se em baluartes do consumo. Não à toa que se eleva o bem-estar para a sensação de um jardim das delícias, vocábulo este de sucesso nas paradas.
Eis aí o cenário do espetáculo exibicionista. E a ele agrega-se o consumo emocional, é um viés pessoal, próprio, para si, como espécie de merecimento. A satisfação pessoal, definida singularmente por cada indivíduo, é a meta.
Para onde vamos com essa exaltação da felicidade privada? Cabe aprofundar a reflexão. Devem existir saídas fora desta mercantilização do que se sente e do que se busca sentir.
Um começo é compreender que há limites, e que são legítimas barreiras e linhas limítrofes. Frustração e luto, portanto, tem precisamente seu lugar, respeitando como isso se inscreve no âmago de cada sujeito. É necessário encarar o vazio. Enfrentá-lo. E tal ousadia passa pelo debate sobre o que o consumo traduz, principalmente para os mais jovens, contribuindo, pois, na construção saudável de uma identidade.
É possível, pois, falar em consumo ético que engendra sinais de que o hiperconsumidor pode despertar para a gama de consenquências que sua incessante busca por sensações pode ocasionar? Sim, especialmente quando todos experimentam o vazio deixado pelo dissabor da impossibilidade de alcançar os prazeres do consumo sem risco.
Para tanto, tenha-se presente que não há Dionísio (tradução mitológica inquestionável da potencialização do prazer e das sensações) que seja um Super-Homem (ilustração da necessidade de cada indivíduo em superar-se cotidianamente para se destacar).
Se hoje, no cotidiano do individualismo, cada vez mais as pessoas são arremessadas, sem freios ou proteção, a si mesmas, a fraternidade pode se conjugar com os paradoxos da felicidade propostos pela sociedade de consumo, e fundar, para todos, não apenas responsabilidade sem culpa, mas também afeto como testemunha de uma esfera social de solidariedade e corresponsabilidade.
A felicidade até pode ser privada, mas as catástrofes levam a assinatura do consumo cosmopolita humano. Fica um convite para superar o sentimento do que vem com o que hoje assistimos apenas como espectadores que somos.
[1] Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UFPR (Universidade Federal do Paraná); Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo); pós-doutorado no Canadá pelo Ministério das Relações Exteriores do Canadá; Visiting Scholar of Dickson Poon Law School, King’s College, Strand, London; Visiting Researcher at the Max Planck Institute for Comparative and International Private Law, Hamburg, DE.
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