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Mediação e reforma do Judiciário
Fonte: Boletim nº 18
Em artigo publicado no jornal "O Estado de São Paulo", edição de 03/01/03, Caderno A2, tendo como título Partir do Zero, o Juiz Renato Nalini, presidente do Tribunal de Alçada Criminal (SP) enfrentou o polêmico tema Reforma do Judiciário, que ocupa a pauta das prioridades do recém empossado Ministro da Justiça.
Em síntese, com a clareza que lhe é peculiar, relata o ilustre magistrado paulista que "o Judiciário trabalha de forma empírica, sufocado pelo acúmulo de serviço e perplexo diante das adversidades postas qual empecilho ao cumprimento de sua missão constitucional. O segredo é investir em eficiência, em multiplicar a capacidade produtiva, em reciclar, em recrutar melhor. Outros países têm apostado na necessidade de uma formação integral e contínua para seus juízes. O juiz não vocacionado é uma fonte autônoma de injustiças. O trabalho judicial angustia e somente pessoas equilibradas e devidamente preparadas conseguem se desvencilhar dele sem multiplicar os conflitos ou comprometer a própria higidez mental".
Porém, é preciso salientar que este alarmante quadro, tão bem descrito pelo articulista, e que se aplica a todas as profissões jurídicas, e não apenas à magistratura, não retrata exclusivamente a realidade brasileira. Países como Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, citando esses apenas a título de exemplo, buscam, de modo incansável, meios de desafogar o Judiciário, tendo em vista que, quanto mais se proporcionam meios para que o cidadão tenha acesso à justiça, ideal essencialmente democrático, mais aumenta a cultura da litigiosidade e, conseqüentemente, num círculo vicioso, torna ainda mais insuportável a sobrecarga aos órgãos jurisdicionais, constituindo entraves instransponíveis ao Judiciário.
Depreende-se, desta realidade, que a questão é muito mais complexa do que pode parecer numa primeira análise, daí a constatação de que não há como desafogar o Judiciário por atos administrativos, de gestão ou de disponibilidade de verbas. É preciso admitir que uma substancial mudança de mentalidade permeia esta realidade, inserida no desenvolvimento de uma "ética planetária", expressão do filósofo húngaro Ervin Laszlo, definida como a consciência de que os problemas não são mais isolados, mas são todos interligados numa rede subjacente global.
A mediação, vista sob a ótica de filosofia da complexidade dos fenômenos humanos, como bem define Michèle Guillaume-Hofnung, professora na Faculdade de Direito Paris V, constitui um modo de acesso à justiça, um instrumento eficiente e eficaz de satisfação à pretensão jurisdicional.
Esta nova mentalidade denominada "ética planetária" pressupõe estudos que proporcionem o entendimento da essência da efetiva demanda jurisdicional, que vem a ser o reconhecimento do valor maior da vida em sociedade - a cidadania - que promove a inserção do homem enquanto ser social, porém, a inovação a ser agregada é a consciência de que o humano é, sobretudo, um ser afetivo.
Portanto, a reforma do Judiciário só será legítima se realizada pelo viés de uma mudança de mentalidade, preparando os operadores do direito para esta atuação capaz de compreender a essência do papel simbólico a desempenhar perante os jurisdicionados.
A mediação apresenta-se como instrumento à concretização da reforma do Judiciário, desde que compreendida sob o enfoque de uma visão interdisciplinar das relações humanas, levando ao redimensionamento dos conflitos. Para alcançar esta prática é preciso adotar uma atitude corajosa de despojamento de conceitos, seja para repensá-los, seja para afastá-los, quando defasados e marcados por preconceitos reacionários. Trata-se de uma atividade ousada, que exige ampliação do conhecimento, já que aos fundamentos jurídicos imprescindíveis à indicação da mediação, devem ser acrescidos conhecimentos advindos de outras disciplinas, permitindo agregar informações e reflexões que descortinem o verdadeiro sentido das profissões jurídicas.
Retomando as sábias palavras do Juiz Renato Nalini, o segredo é investir em eficiência, ficando aqui a sugestão de pautá-la na esteira do pensamento de Marcel Proust : "A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em ver novas paisagens, mas em ter novos olhos".
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