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A condição jusprincipiológica do casamento: a comunidade inter-axio-ontológica
A condição jusprincipiológica do casamento:
a comunidade inter-axio-ontológica
Luiz Felipe Nobre Braga[1]
Quero dos Deuses só que me não lembrem.
Serei livre – sem dita nem desdita,
Como o vento que é a vida
Do ar que não é nada.
O ódio e o amor iguais nos buscam; ambos,
Cada um com seu modo, nos oprimem.
A quem deuses concedem
Nada, tem liberdade.
Fernando Pessoa[2]
Resumo: O presente artigo aborda a polêmica questão da natureza jurídica do casamento a partir de uma elaboração interdisciplinar, cujo objetivo é a subversão do correlato entendimento para a fundação do que denominamos de condição jusprincipiológica e a consequente formação da comunidade inter-axio-ontológica. Esta, por sua vez, ergue-se a partir da noção primordial de que o status jurídico do casamento é a correspondência do estado em que duas vontades subjetivas, pessoais, livres e motivadas, escolhem a união. Concedida tal prerrogativa de índole potestativa pelos próprios princípios da vida, da dignidade e da liberdade, o Direito e, assim o Estado, simplesmente atuam enquanto ratificadores, embora mantenham a correta preocupação acerca da proteção de terceiros eventualmente envolvidos, sobretudo, quando do envolvimento de menores. De um modo ou de outro, nada além destes razoáveis aspectos pode engranzar-se na livre autodeterminação das pessoas, as quais, optaram pelo casamento como validação para si e para a sociedade das apetitividades sentidas. A discussão surge, ainda, como motor para o debate jusfilosófico da problemática moral no interior do Estado Constitucional e Humanista de Direito, à medida que permite identificar a tendência hermenêutica do pensamento cujo maior lócus é a perseverança na proporção das existencialidades, cada vez mais evidentes e torrenciais, especialmente no que se refere à desconstrução da tradição dogmática e na refundação do homem como sujeito desprovido de preconceitos e inclinado ao exercício ponderado de suas paixões e desejos.
Palavras-chave: Casamento – Condição – Jusprincipiologia – Comunidade.
Abstract: This article addresses the controversial question of the legal nature of marriage from an interdisciplinary development, whose goal is the subversion of understanding to correlate the foundation of what we call principled condition and the consequent formation of the community inter-axio-ontological. This, in turn, rises from the primordial notion that the legal status of marriage is to match the state in which two wills subjective, personal, free and motivated, choose a union. Granted this prerogative by the compulsory nature of the principles of life, dignity and freedom, law and thus the state, simply act as a ratifying, while maintaining the proper concern about the protection of others may be involved, especially when the involvement of minors. In one way or another, nothing but these aspects can come trough reasonable in the free self-determination of people, who opted for marriage as validation for themselves and to society of desires felt. The discussion arises also as an engine for law discussion of moral issues within the State Constitutional Law and Humanist, as it identifies the tendency of hermeneutic thought whose aim is greater perseverance in the existential proportion that is increasingly evident and torrential, especially in regard to the dogmatic tradition of deconstruction and rebuilding of man as a subject devoid of prejudices and inclined to weighted exercise their passions and desires.
Key-words: Marriage – Condition –Principles – Community
Sumário: 1 – Propedêutica; 2 – Transvalorização Moral no Estado Constitucional e Humanista de Direito; 3 – O conceito de casamento como comunidade inter-axio-ontológica; 4 – Considerações finais; 5 – Referências bibliográficas.
1 – Propedêutica
O assunto em análise transborda para as noviciais fronteiras da hermenêutica que toma por base o simples fato da existencialidade do homem no mundo prático da vida. Neste, em que se descobrem inúmeras possibilidades de quereres e vontades, a questão do casamento agiganta-se para dizer-nos mais um concreto paradigma onde a teoria do direito transcende a positividade do ordenamento e, por isso, reflete, por consistir em peculiarem quaestio, até onde a jurisprudência alcança a verdade, tendo-a como assimilada à ideia primordial da facticidade do homem que vive o seu ser desprendido de um direito dormitado na contingência da regra.
Entendemos que a peculiarem quaestio do casamento, bem como outros temas notadamente polêmicos em razão das consequencias advindas das suas resoluções, permitem o avanço grandiloquente da interdisciplinaridade no seio da pesquisa jurídica. Aliás, com este desiderato é que conduzimos o leitor não para o coartado caminho do direito posto, da técnica descritiva dos institutos familiaristas, os quais ainda preservam sua importância, inobstante ao nível dissertativo-argumentativo onde possamos pensar conjuntamente um dado problema à luz da racionalidade complexa, à medida que envolta em considerações de feitio multilateral, fundamentais a todo e qualquer tópico que se queira discutir no cenário dialogante da contemporaneidade. É sobretudo um problema hermenêutico-principiológico.
Logo, a apropriada hermenêutica da pesquisa e dos princípios não procede através de lassas mãos guiadas por espíritos desencorajados; porém, o resgate, o recurso ao possível surgido no espectro flutuante do mistério da natureza humana corresponde à bravura indômita à tradição, no engenho redescobridor da alma do próprio ser humano, cuja dissecção exsurge no justo pedido acordado previamente à vontade do ente [homem] e que, dessa forma, concretiza-se no Direito que bem o abarca, consoante o inevitável solidarismo dos seus mais profundos e verídicos preceitos.
Destarte, o casamento alavanca-nos pela sua problematicidade a aventar conceitos e estruturas teóricas que, de um modo ou de outro, contribuem para a defesa preliminar da nossa sugestão, desde já aberta à crítica. Malgrado o respectivo tema encontre aos bolhões ampla discussão na doutrina e nos precedentes, alertamos, ante ao exposto alhures, acerca da possibilidade de compreendê-lo sob outros enfoques, cujo objetivo é, sintaticamente, favorecer a plenitude no gozo dos direitos individuais pelos princípios que lhes são estruturantes, partindo para tanto, não da norma legal, todavia da necessidade real do homem em pura vivacidade.
Seguintemente, a reflexão acerca da natureza jurídica do casamento deixa visível que no Império da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 encontram-se os pilares principiológicos para a reforma do respectivo entendimento.
A doutrina costumeira subdivide-se justamente por considerar, em cada teoria, embasamentos oriundos de pensamentos diversos, como o contratualista, típico à Revolução Francesa e do Código Francês de 1804, pelo índex do racionalismo jusnaturalista do século XVIII, para o qual o casamento detinha status de contrato civil, bastando, pois, o consentimento dos nubentes e o regimento atinente pelas normas gerais dos negócios jurídicos. Há, a concepção institucionalista que vislumbra o casamento enquanto um estado no qual os nubentes ingressam, marcada pela ingerência de normas de ordem pública, restando, destarte, pouca margem dos mesmos quanto à formação, cumprimento de obrigações e deveres, e, no geral, no modus da relação conjugal. Também, como já se imaginava, concepção eclética ou mista, que vê no casamento tanto uma instituição social como um contrato civil especial, sendo considerado para tanto um ato complexo, por reunir, de um lado, o consentimento tradicionalmente contratual e negocial e, de outro, o conteúdo sócio-institucional no que se refere à incidência das correlatas normas e direitos de caráter público, i. e., imperativas e indisponíveis.[3]
Não é com poucas reservas limitar-nos à não filiação prematura numa das correntes supracitadas, visto que o casamento, a ser investigado muito mais pela compreensão principiológica do que pela formalidade enquanto ato dotado de efeitos jurídicos, deve receber natureza jurídica despatrimonializada, na certeza de um corolário bem conhecido pelo Direito Civil Constitucional contemporâneo. Disso é válido conceber que a natureza jurídica do casamento está, num primeiro momento, adstrita à união de duas pessoas e é nesse passo que caminha a sua natureza jurídica para o Direito de Família e para a ordem jurídica brasileira. Teremos uma abordagem predominantemente afeta ao campo do Direito Existencial das Famílias e o nosso maior objetivo será o de alocar o casamento à jusprincipiologia do Direito das Famílias contemporâneo, inclusive para discutir os seus efeitos que, acobertados por normas públicas, ratificam a preocupação do Estado, a qual certamente precisa ser compreendida apropriadamente, isto é, sem que se gravem dogmas ou ideologias desgarradas da razoabilidade.
Maria Berenice Dias, apesar, pondera que “a discussão, ainda que tradicional, se revela estéril e inútil. As pessoas são livres para casar, mas, no que diz com deveres e direitos, sujeitam-se aos ‘efeitos do casamento’, que ocorrem independentemente da vontade dos cônjuges.” [4] É bastante razoável expor que a discussão de costume acerca da natureza jurídica do casamento pertence muito mais ao campo teórico do que ao prático. Contudo, a partir do instante em que retomamos a investigação do referido instituto pautando-a em alicerces diferentes e conforme o estágio atual do pensamento jusfilosófico, encontramos a ratio do intento, à medida que aflora no seio da sua discussão a interdisciplinaridade tão característica da jurisprudência contemporânea. Ainda, modificar o entendimento sobre a natureza jurídica do casamento ou, como desejamos, a condição jusprincipiológica do casamento, permite uma justa conformação à própria organização da família e, sobremaneira, aos postulados pós-positivistas do Direito e do Direito Existencial das Famílias, o qual acha seu lócus precisamente na capacidade autodeterminativa do homem no itinerário da existência, seja enquanto exercício de apetitividades, desejos e afecções, seja simplesmente para configurar uma união marcada pela solidariedade interpessoal, dotada de valor e persistência ontológica, na formação de uma tal comunidade cujo respeito surge através da hermenêutica aplicada ao ordenamento jurídico-positivo em vigência.
A parte em que o Estado intervém no casamento, quanto aos efeitos e proteções ligadas ao regime de bens e à proteção de terceiros é ainda adequada, conquanto não demasiada, motivo pelo qual somente neste aspecto é que se pode considerar o casamento como um negócio de direito de família, [5] por enxergar, pelo Direito, alguma diferença quanto às demais espécies negociais típicas do Direito Civil.
Além disso, ao considerar a parte em que o Estado se “preocupa” com a família, na clássica lição da cellula mater da sociedade, a referência a consistir neste caso em instituto peca caso seja este entendido simplesmente para os fins do Direito Público, precisamente no Direito do Estado, enquanto formação, preservação e estrutura. Depois, peca substancialmente contra a posição ostentada neste trabalho quanto à moral no Estado Constitucional de Direito (discutido no tópico 2), porque não se justifica tal intervenção na mera razão da proteção pela estrutura, de sorte que tal intenção não se coaduna com a liberdade característica no casamento. É parca, pois, a ideia do casamento como instituição do Estado, tanto porque não acha lastro ante à burocracia legal concernente à matéria, quanto no que diz respeito ao paradigma existencial que para efetivar-se deve necessariamente desatar as algemas que a esbulham do inteiro gozo. No escape do casamento como negócio e como instituição é que conservamos o eixo no qual extraímos a noção de comunidade.
A partir de então, o feitio das nossas investigações ultrapassará o campo da simples técnica jurídica, para trilhar algo que se mostra metajurídico, consoante o sentido empregado de não identificação do casamento com os institutos costumeiros do ordenamento positivo. De modo que os princípios por detrás do discurso, apesar de visíveis à nível constitucional, performam à razão da existencialidade do homem em humanidade, o que, portanto, equivale à hermenêutica própria, cujo marco é a faticidade daquela, em conformidade à abertura e ao rasgo dogmático empreendido no seio outrora tranquilo da positividade jurídica. Que o Direito seja muito mais do que se imagina e transcenda mesmo a mais autêntica esperança, haja vista consolidar-se frente ao potestativo exercício da livre autodeterminação do homem que, sabendo de sua condição, desconhece inobstante, sua inteira natureza. É o brado, ainda, por detrás do singelo esforço que ora se apresenta.
2 – Transvalorização Moral no Estado Constitucional e Humanista de Direito
O modelo de moralidade objetiva da Constituição da República de 88 é o dos princípios essenciais, sobretudo, quanto à vida, à dignidade e à liberdade. Decorre que a hermenêutica que se lhes destina o Direito não acha lastro em imposições de natureza cultural, religiosa, político-social ou outra, de sorte a se considerar a proximidade daqueles princípios com o próprio conceito de homem e de humanidade, cuja característica mais densa é o poder do princípio de circunscrever em si os mistérios a priori não-ditos acerca da realidade ôntica, performática e apetitiva do ser humano.
Assim, é uma moralidade objetiva contemplada nas bases da razoabilidade possível, porquanto o limite realmente objetivo e, neste sentido impositivo, no âmbito da proibição/permissão dos princípios que fundam a ordem jurídico-positiva, está na fruição in mellius de tudo o que se pretende. E o que representa este conceito, do que é melhor à nível do humano, é um argumento pela negatividade, ou seja, o resto, o excluído, o notoriamente vil, o que lesa, molesta e causa suplício físico, moral ou até patrimonial, está incluído no grupo de limites supracitado, devendo, inobstante, para a correta configuração dos mesmos, que se faça um juízo a priori ou pré-judicativo de abstenção de preconceitos, para que aquela determinada situação possa ser ponderada segundo (i) o princípio do homo fabilis em relação ao que objetivamente se espera, enquanto moralidade cultural, social e política, isto é, a possibilidade do direito à diferença quanto ao que ocorre e (ii) o princípio esse percipi (do ser percebido), para o qual o fundamento do pedido em que se plasma o bem pretendido, como uma adjetivação da vida e da dignidade pela autodeterminação a partir da liberdade, seja proprietário de uma apetitividade profunda e, como tal, compartilhe em si da oportunidade ôntico-ontológica de legitimidade frente à sobredita moralidade objetiva ad principium¸ merecedora, por sua vez, de juridicidade e plenitude existenciária.
É quando se reconhece, no Direito, que os princípios informam nas entrelinhas sentidos compreensíveis apenas diante do exercício subjetivo das apetitividades, e que tais, apresentam a face dos mistérios do homem que, vivendo amiúde uma humanidade que sempre se renova, que se rememora e progride, simplesmente aspira a lograr o máximo êxito nas suas vontades e desejos; estes, malgrado disjuntivos quanto ao que outrora julgávamos pertencentes à normalidade, ou melhor – para sermos francos – àquela moralidade objetiva forçada, a qual, no Estado contemporâneo, acha sua derradeira esganadura.
Em especial, o estudo dos institutos do atual Direito de Família, dentre eles o casamento que ora nos inclinamos, somente pode ser analisado e reavaliado à luz do sobredito, até porque, caso contrário, permaneceríamos reféns pela falta de inovação ante ao vasto arcabouço doutrinário já existente sobre o tema. Destarte, com o perfil de engajamento dos princípios essenciais a argumentação pode tentar promover algo inovador, no sentido de capitular, in casu, o casamento, à experiência dos próprios sujeitos de direitos, de garantias e, sobremaneira, dos salientados princípios.
Flagrante erro, portanto, falar emnatureza. Vemos hoje o porquê desta proposição. Ora, observem o desespero de alguns e a surpresa de outros ao perceberem que a patriarcal instituição perdeu o fundamento judicado como o mais natural de todos – nunca se pensou com clareza, em aceitação social e jurídica, que duas pessoas do mesmo sexo poderiam unir-se com tanto – ou até mais – amor que a ordinária e costumeira junção homem-mulher!
A metamorfose do casamento vem à luz no desespero de aperceber-se preso à nova realidade, e isto se refere ao Direito, à jurisprudência, à doutrina e à legislação. Todos, enquanto clássicos patronos dos velhos costumes, das portentosas escolas da moralidade, olham-se hoje no espelho e veem-se “insetos”, como o Gregor, de Franz Kafka,[6] surpreendidos por estarem aí em meio à terreno sequer imaginado, no corpo de ser outro, que se não está nem de perto acostumado.
O ser outro da hipótese é o ser da transvalorização emergida do âmago do Direito que, através de seus sublimes princípios vem dizer a todos em maior opressão no Estado contemporâneo: – Acalentai-vos, pois eu os sei e compreendo! É o desassujeitamento do Direito, a fuga deste eu que não lhe é próprio; a assunção da esclarecida razão da existencialidade. Prontamente, o Direito acha seu cuidado, o cuidar de si que trazemos do arcabouço foucaultiano.[7] E tamanha medicina houve por ser ilustrada pela hermenêutica, pelos intérpretes pensadores e visionários, os quais, não profetizando nada além, simplesmente puseram (e põem) a descoberto aquilo que jazia (e que ainda jaz) eclipsado no coração mesmo da justiça.
A liberdade básica da livre associação matrimonial é inviolável segundo a perspectiva da justiça, algo que não encontra guarida no conceito público do interesse ou de maioria, que somente vê, de longe, o exercício do direito subjetivo de outrem. Tais direitos não se sujeitam à deliberação política e, como bem assinalou Rawls, “ao cálculo dos interesses sociais”.[8]
O Direito desde que munido com princípios constitucionalmente assegurados como fundamentais, alguns por nós elevados à categoria de essenciais (vida, dignidade e liberdade), cumpre a função de observador atento aos fatos da condição do homem no mundo intersubjetivo. Por essa hipótese ele ratifica, volvendo em legal e jurídico, o que a pessoa optou a partir da consciência principiológica essencial, a qual, entrementes, diz respeito ao que se lhe é imanente, porquanto é o exercício de potência em ser que é, com efeito, ato plenamente subordinado a tais oportunidades. Passam os institutos arraigados em flácidos conceitos para que sobreviva apenas o Direito.
Essa espécie de transgenia ocorrente no interior do estudo dos institutos jurídicos recebe contornos especiais pela jurisprudência, à medida que esta procura captá-los na própria alma, consistindo no ponto essencial, na quidditas de Aristóteles.[9] Esta lhes é incorporada não como uma dogmática principiológica qualquer, porém na reapropriação conceitual que, entre outros efeitos, retoma e transforma o referido instituto no que lhe é íntimo, no que outrora se localizava em notável ofusque e que depressa renasce ante às necessidades; o que se dá não por mera conveniência semântica ou época exegética, todavia por pura probidade hermenêutica no sentido de compressão e verdade.
O homem que é e existe traz em si a mudança. Não uma mudança que lhe acarreta outro ser; trata-se de mudança na compreensibilidade das suas potências, ou seja, o descobrimento contínuo e progressivo que não o transforma noutra coisa, embora permita-lhe expressar os desejos da sua subjetividade no curso da vida. Porque o homem diante da natureza que o habita às vezes tremula, sobretudo, quando seus pares sociais mediatos ou imediatos não entendem ou sequer procuram aceitar a sua condição. Ele sente aquilo e ao expressar-se titubeia por medo.
Ora, Heráclito já havia dito que “a la naturaleza le gusta ocultarse”[10], e não é diferente quanto ao homem, porquanto esteja sob a égide de idêntica lógica. Aliás, devemos aqui interpretar a máxima heraclitiana de que “son distintas las águas que cubren a los que entran en el mismo rio”,[11]de sorte que o homem que adentra ao rio, pela segunda vez, já é diferente, estando, pois, em posse de conhecimento outro sobre si mesmo. Isso significa que o homem pós-moderno detém um esclarecimento melhorado da sua condição e, como pessoa, isto é, sujeito de direitos, deseja avidamente que lhe sejam ratificados tudo o quanto equivalha à sua autodeterminação;[12] frise-se, autodeterminação que nada prejudica, somente favorece o que não é vaidade, mas um predicado além de importante, que o deixa num estado de maior felicidade e satisfação defronte ao desafio mesmo que é a aceitação pessoal e social dos quereres íntimos do espírito.
Queremos uma moral, ou paradigma, que conceda ao cidadão o direito de exorcizar os falsos princípios que refreiam sua espontaneidade. Freios religiosos, do jusnaturalismo dogmático, do positivismo jurídico engessado no aparato hermenêutico de intérpretes de tempos passados, já ultrapassados. Pensamos, pois, significar muito mais a ampliação de uma jurisdição hermenêutico-principiológica do que propriamente uma jurisdição constitucional; não podemos esquecer a precedência daquela em relação a esta – não há constitucionalismo perseverante em sua eficácia quando não derivado de um trabalho muito mais difícil e complexo que se lhe é imediatamente anterior e, diríamos, condição sine qua non de suajustificabilidade jurídica. [13]
O desejo é de operar a transformação no paradigma epistemológico do Direito, o qual de certa maneira dominou o cenário nos séculos XIX e XX quanto ao formalismo e a consequente supressão axiológica a partir da referência kelseniana. Agora, as discussões na seara do neoconstitucionalismo e, sobretudo, do pós-positivismo impõem uma reformulação que muito nos interessa para fundamentar nossas posições acerca do instituto do casamento, haja vista estarmos dispostos a tender a uma moral do reconhecimento, que obtém no exercício pelo ente da sua capacidade autodeterminativa seu mais alto lócus, pois indica a construção do eu, a qual depende, por sua vez, social e juridicamente de aprovação e, por conseguinte, tem lugar na experiência necessária da intersubjetividade.
Neste caminho, o âmago epistemológico da proposta de Kelsen consiste na assunção da norma hipotética fundamental por intermédio de uma ficção criada pela razão num procedimento recursivo a fim de impedir o avanço ad infinitum que a sua teoria pura do direito condicionava. [14] Seu erro epistemológico, porém, está em não perceber que a razão não pode simplesmente assumir uma ideia, pelo menos não após Kant e todo o seu ataque à metafísica dogmática que o precedera.[15] Ora, a razão, neste caso, não ousou sequer questionar acerca da validade mesma da questão que se era colocada, tampouco questionando a capacidade que detinha para, num sistema jurídico imerso em contexto já complexo do século XX, idealizar um ponto cuja segurança e absolutividade marcasse toda a estabilidade do ordenamento jurídico-constitucional e legal. Ao proceder de tal maneira, Kelsen vem à baila no cenário altamente crítico da contemporaneidade na qualidade de um pensador cuja teoria perde força, mormente ao se verificar o flagrante erro epistemológico germinado no interior do seu próprio pensamento, o qual denominamos de paradoxo kelseniano da validade da norma hipotética fundamental. Levou-a, de certo, e como ele mesmo explorou, para além da hipótese para torná-la ficção à maneira de Hans Vaihinger. [16] Se almejou comprová-la, fê-lo insuficientemente. Ao assumir no seio da razão, algo que a razão mesma não seguiria firmemente, bradou o insucesso em longo prazo de tudo que havia dito, deixando para a pós-modernidade senão o legado de demonstrar o porquê do seu equívoco e, sobremaneira, de demonstrar fundamentos outros muito mais densos e bastantes aos anseios de uma existência cada vez mais complicada.[17]
Com efeito, não é o momento nem o lugar mais adequado para fundamentarmos por completo um novo paradigma jusfilosófico do Direito, haja vista as limitações objetivas do tema deste artigo. No entanto, podemos asseverar que a partir da crítica alhures da epistemologia de Kelsen, o Estado Constitucional contemporâneo, à medida que amplia a participação democrática, buscando até a sua radicalização com a proposta de Habermas,[18] logra conquistar a supressão de um direito ortodoxo para um direito de vanguarda, ao passo que aquele, apesar do discurso separatista entre direito e moral, refugiado no isento formalismo positivista, trazia incutido o pensamento, v.g., patriarcal e biológico-primitivo para sustentar as relações de poder e violência física e moral na sociedade e, sobremaneira, na própria organização familiar. Isto pode ser visto a partir da breve análise das disposições do Direito Privado insculpidas no Código Civil de 1916. Aliás, algumas reminiscências restam evidentes no atual codex, mostrando-nos a ainda difícil tarefa de desbancar os velhos preconceitos. Já a perspectiva daquele direito de vanguarda aponta para a direção onde o Direito como um todo busca o reconhecimento das situações a partir da facticidade das mesmas, haja vista constituírem-se em consequências previsíveis ou não dos atos de autodeterminação subjetiva que compõem o amplo espectro de possibilidades do ente-homem no mundo da vida, caracterizado, justamente, pela maior aptidão da pessoa para buscar a verdade com a qual obtenha o justo predicado da dignidade à sua vida.
Logo, o autorreconhecimento positivo[19] do sujeito em relação ao outro ocorre, in casu, também no casamento, cuja validade fora conferida pelos princípios fundamentais quando da promulgação da Carta Constitucional de 1988, senão já na Declaração da ONU de 1948. Se se quer, enquanto indivíduo agregar-se substantivamente a outro formando uma comunidade (que será mais bem estudada), o Direito não deve se abster de reconhecer como válida e eficaz a configuração volitiva da união, seja homem-mulher, homem-homem ou mulher-mulher. Não é com isso que o Direito deve se preocupar, porém com os prejuízos a terceiros, hipótese relacionada aos impedimentos para casar, causas suspensivas, gestão e regime de bens, etc.
Ora, entendemos que há grandiosa doutrina empenhada na discussão da despatrimonialização do Direito Privado, com toda a temática da eficácia horizontal dos direitos fundamentais etc.;[20] todavia, tais discursos preservar-se-ão inócuos caso não percebam o amplo acesso transformador que permitem com suas propostas aos institutos clássicos, como o casamento, a propriedade e o contrato. Quer-se com isto dizer que se não engajados nas causas legítimas dos princípios essenciais, serão somente nomes teóricos para o fenômeno de ampliação da jurisdição constitucional como parâmetro central, equidistante e como fundamento primeiro e objetivo último da criação e exegese das leis. Superar o paradoxo solipsista dos direitos fundamentais no âmbito do Direito Privado tornou-se muito mais do que uma vaidade, mas um imperativo categórico prejudicial para a coerência mesma do sistema principiológico que se propõe na atualidade.
3 – O conceito de casamento como comunidade inter-axio-ontológica
O casamento é a expressão consolidada jusprinciologicamente da apetitividade de dois espíritos, que, em união consciente, formam uma só alma e, portanto, um novo ser rubricado na vontade de prolongamento ôntico num estado inter-axio-ontológico de coexistência. Isto é, uma comunidade.
Uma vez que a própria existencialidade do homem se configura enquanto um estado situado no mundo, no tempo e no espaço e, desta maneira, age conforme as potencialidades e apetitividades daquela, o casamento, como uma das possíveis expressões de junção intersubjetiva caracterizada pela substantividade, é igualmente condicionado. Diz-se substância, porquanto aparece na qualidade de fenômeno jungido à razão de duas essências, dois egos, os quais decidem constituir algo novo, cujo status é reconhecido e cuja alma é iniciadora de uma inédita situação, a qual, por sua vez, condiciona a observância de princípios de vida, dignidade e liberdade gozados, pois, na sintonia da união pelo esclarecido ímpeto volitivo de estar na companhia do outro. Segue aquela lógica, tornando-se condição expressiva da natureza humana, da qual não se pode conhecer em completa verdade; logo, o casamento é afirmação das apetitividades advindas do mistério e, sua conditio iures, é a de comunidade protegida jusprincipiologicamente.
Ora, se se diz natureza jurídica do casamento precisamos percorrer um processo argumentativo. Em primeiro lugar, consideramos a natureza jurídica de algo segundo o modo pelo qual os princípios essenciais legitimam as condutas subjetivas, e assim o Direito, desde que não importem em lesão a outrem – o que não é o caso. Logo, em segundo, a natureza jurídica de algo segue a linha da natureza permissiva dos princípios essenciais, presentes à esfera de prerrogativas de todos os sujeitos de direito; estes, por sua vez, seguem a lógica da existencialidade, à medida que não desconsideram inovações do homem no fruir da sua vida, ou melhor, no que lhe pode ocorrer enquanto possibilidade, alternativa, vontade, apetência e liberdade. Por conseguinte, o casamento é de per si uma confissão acerca da escolha feita por dois sujeitos de direito e, frise-se, sua natureza não é conhecida, porquanto deve ser compreendida em situação, como o homem é quanto à totalidade e quanto à existencialidade multifacetada.
A situação do casamento é, pois, uma determinada condição presente num tempo histórico em que a autodeterminação existenciária do homem cobra respaldo no Direito. Pois o Direito torna-se insípido na hipótese de agarrar-se a toda e qualquer forma de tradicionalismo, algo que anula e retira o predicado ontológico da vida pela dignidade no espaço performático da liberdade das ações que são próprias ao estatuto de cada ser que, sendo, o é inteira e peculiarmente. É, sobremaneira, quanto às suas decisões individuais, subjetivas, pautadas, outrossim, na paixão muitas vezes não compreendida à luz dos perversos olhos do que seria considerado normal que o ente se angustia; por outro lado, dada a força que o arremessa na sensação, obsecra que o corpo e a consciência aceitem-na tal como é mostrada, fazendo-o enfrentar e assumir não apenas a sua vontade, como a sua dignidade.
A lei pode dizer que deve haver manifestação de vontade no ato jurídico do casamento, embora, pela jusprincipiologia e pela não-ingerência demasiada na liberdade particular, não possa dizer quem irá manifestá-la, quer dizer, se homem ou mulher quanto a outro homem ou outra mulher.Destarte, a lei confere validade a um ato humano não por querer gerenciar a vida doméstica, porém por querer proteger terceiros, especialmente menores porventura prejudicados.
O fato do casamento em si é comunidade pelo motivo da livre formação, inclusive como pertença ao espectro teorético que trabalhamos noutro artigo, “O conceito hiperbólico, existenciário e potestativo de família”.[21]É neste passo que compreendemos a real importância de discutir a natureza jurídica do casamento, porquanto todo instituto jurídico que se discute à nível de sua fiel natureza deve conformar-se hermeneuticamente à realidade dos homens que, optando pela concreção da vontade subjetiva na relação interpessoal através de um ato notadamente histórico e tradicional que forma o plácido conceito alhures, optam, outrossim, pela felicidade de um amor que só aos mesmos interessa. O estado de fruição do amor na ideia do cidadão comum equivale a direito tão imanente que não se pensa, nos dias de hoje, haver possibilidade de contradizer esta evidente verdade.
Que prefiram o casamento, visto que é indicativo de que duas pessoas estão sobremaneira inclinadas à construção de um prazer não fútil e não fortuito, porém empreendido a partir da felicidade no âmago do mútuo reconhecimento voluntário; causa legítima de uma sociedade disposta à construção de laços firmes, de alegrias gozosas no tempo e não na fugacidade de um tal narcisismo efêmero e virulento à saudável performance intersubjetiva dos princípios da solidariedade, da eticidade, da caridade, da compaixão e do respeito.
Agora é preciso explicar os elementos que compõem o conceito de comunidade inter-axio-ontológica proposto neste trabalho. Os três elementos estão aglutinados em conceito único, haja vista representarem as três funções ou aspectos primordiais do casamento enquanto comunidade, que são, respectivamente:
a) inter – laço interpessoal que prolonga a vontade através da convivência substantiva, por sua vez a partir do uso racional da liberdade e da autonomia. Duas subjetividades que voluntariamente formam uma intersubjetividade amalgamada na formação de uma comunidade, porquanto há o mútuo entendimento e a reciprocidade. Há, ainda, a comunhão das duas dimensões ônticas da liberdade para a formação de uma zona comum de interação, cuja maior característica é a predicação mútua das relativas dignidades pela contribuição, formação, manutenção e desempenho performático de um espaço comum de intimidade, privacidade, companheirismo, solidariedade, assistência, etc.
b) axio– o valor atribuído pelos cônjuges ao casamento, enquanto índex de autoconfiança suscitada a partir da perspectiva bilateral conquistada pela vontade primeira de vínculo (inter). Trata-se de um valor positivo experimentado a priori quanto à sensação de exercício individual da apetitividade, a qual se exprime na paixão ou no amor pelo outro, ou simplesmente numa forte afinidade, numa comoção simpática, apta a fundamentar a actio do ego. Também ocorre enquanto valor positivo a posteriori, conforme pode ser depreendido da análise do elemento anterior, à medida que há a evidência social do fato do casamento, significando, aliás, importância no pertinente à eficácia jurídica.
c) ontológica – o ímpeto dos espíritos que buscam e consolidam os laços matrimoniais aparece enquanto possibilidade existenciária e, como tal, advém do universo ontológico do ser que existe e vive. A certeza no prolongamento das liberdades numa zona de convergência de ordem íntima, privada e monogâmica indica ainda a determinação consciente personificada; é o eu-mesmo formador do eu-com-o-outro totalmente especializado numa nova alma, cujo desiderato é a unificação da duplicidade anterior, o término instantâneo de uma individualidade que não quer a si mesma, porquanto não se basta, porém que lapida muito mais do que uma sociedade, muito mais do que um estado, todavia uma comunidade com o marco de uma reciprocidade tão intensa e vívida que garante um existir gozoso na duração do relacionamento.
4 – Considerações finais
O casamento, no standard da condição, recebe em sua estreita circunscrição tradicional, fulgurante abertura pela expressão pinacular da jusprincipiologia essencial, vicejada aos racimos no bojo do ser do homem; com isso, demanda o desígnio juris de comunidade, cuja densidão, por sua vez, ensancha a benfazeja limpidez de um Estado de Princípios, ou se se preferir, de um Estado Constitucional e Humanista de Direito.
Por conseguinte, algo se afigura extremamente plausível: ainda que pesem violentas dúvidas quanto à natureza e quanto à extensão do casamento às uniões a priori atípicas (caso da homoafetividade, por exemplo), deve-se convir que a natureza mesma do casamento, se o tomarmos no âmbito argumentativo delineado neste trabalho, configura apenas o píncaro do status social da união entre duas pessoas, retratado brilhantemente no clássico Dom Casmurro de Machado de Assis, merecedor de transcrição:
A alegria que pôs o seu chapéu de casada, e o ar de casada com que me deu a mão para entrar e sair do carro, e o braço para andar na rua, tudo me mostrou que a causa de impaciência de Capitu eram os sinais exteriores do novo estado. Não lhe bastava ser casada entre quadro paredes e algumas árvores; precisava do resto do mundo também. E quando eu me vi embaixo, pisando as ruas com ela, parando, olhando, falando, senti a mesma coisa. Inventava passeios para que me vissem, me confirmassem e me invejassem. [22]
E por isso também é condição – na qual o Direito quis engranzar-se por dois motivos assaz supérfluos, a saber, a proteção da população do Estado por meio do incentivo à natalidade proveniente da conjugalidade homem-mulher (paradigma refratário) e a proteção patrimonial com sua vasta gama de enlaces. [23]
Os maiores incômodos apostos ao casamento são, com efeito, os resumidos nos atos estatais embargantes do acesso à felicidade, a qual, de certo, é muito maior do que o status social supracitado, porque egressa do exercício existencial do viver, autenticado no progressivo descobrimento dos próprios anseios e paixões.
Enfim, que se espera da natureza desta união, senão a profunda comunhão dos espíritos empenhados na formação adjetiva de uma alma nova e mais sublime, do que a solidão de um outrora frio e sozinho? Que se vai querer, pois, do Direito senão o reconhecimento de dois espíritos livres que se encontram no centro da experiência mais autêntica das suas respectivas apetitividades, por vezes tão misteriosas? É chegada a hora do Direito abraçar os princípios essenciais e, com eles, as próprias indizibilidades a priori da natureza humana que amiúde transformam-se em fatos reais motivados por causas legítimas e conformes às possibilidades ônticas do existir, sem as quais não haveria diferença, multiplicidade, magia, e, entre nós, a virtude da tolerância e do respeito.
Se calcada em proposições teoréticas o tanto quanto fora aqui escrito, pelo menos com a ideia de fundo de conexão à experiência mesma da vida que só respeito e admiração almeja. Uma vez, portanto, que apenas isto se fez desejado, i. e., trazer o instituto ao diálogo do que deveras já ocorre, e brindar o casamento no concerto da teoria com a prática – a práxis que refina o Direito, logrando-o apurado, tal qual o ourives que expurga a robustez da pedra preciosa. Atenção que buscamos no seio da compreensão interdisciplinar, cautelosos quanto à recomendação de Goetheno Fausto: “– Pálida, amigo, é toda a teoria, mas a árvore da vida é verdejante.” [24] A sabendas, entretanto, tentamo-la ao máximo ensimesmados.
5 – Referências bibliográficas
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[1] Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – U. E. Lorena; Professor de Filosofia do Centro Educacional CETEP/Lorena; Pesquisador do UNISAL em Direito Constitucional e Filosofia do Direito; Coautor do livro “Educar, Viver e Sonhar – dimensões jurídicas, sociais e psicopedagógicas da educação pós-moderna”, Ed. Publit/RJ, 2011.
[2] “Quero dos Deuses”, in: PESSOA, Fernando. O Eu profundo e os outros eus: seleção poética de Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: N. Fronteira, 1980, p. 189.
[3] Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil – Direito de Família. Vol. 5. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
[4] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias.7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 147.
[5] Idem, ibidem, p. 147.
[6] Cf. KAFKA, Franz. A Metamorfose. Trad. Marcelo Backes. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2010.
[7] Cf. FOUCAULT, Michel. Ética, sexualidade e política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
[8] RAWLS, John. Uma Teoria de Justiça. Trad. Almiro Pisetta; Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
[9] “Hemos dicho em general qué es el alma: es una substancia, en el sentido de forma, es decir la quidditas de un cuerpo que tiene uma cualidade determinada” (in: Del Alma, II, 1) apud VERNEAUX, Roger. Textos de Los Grandes Filósofos – Edad Antigua. Barcelona: Herder, 1977, p. 63, grifo nosso.
[10] VERNEAUX, Roger, op. cit., p. 12., grifo nosso.
[11] Idem, ibidem, p. 8, grifo nosso.
[12] É a própria emergência do sujeito de que trata TOURAINE, Alain. Pensar outramente – o discurso interpretativo dominante. Trad. Francisco Morás.Petrópolis: Vozes, 2009, p. 148 e ss.
[13] Com a menção a Heráclito parece que fizemos jus ao pensamento de Nietzsche ao operar a cisão entre a modernidade, racional-cartesiana amparada nas éticas metafísicas, e o período atual que se diz pós-moderno. Justamente a característica marcante deste tempo em que vivemos é a reserva cética quanto às doutrinas moralistas, sobretudo as da Igreja e das metafísicas dogmático-filosóficas. O eterno devir insculpido no pensamento heraclitiano vai querer gerar uma moral de espontaneidade, conforme se depreende da própria perspectiva de Nietzsche. Malgrado a pertinência deste ponto é importante frisar que a pós-modernidade não se coaduna somente com o niilismo perspectivista de Nietzsche, tampouco com os anseios pós-metafísicos de um pragmático Habermas, mas com a revitalização geral do homem no Ser, o que demanda um processo hermenêutico-principiológico de compreensão face aos mistérios mesmos da natureza humana. Logo, à medida que se pode dizer acerca de um rompimento com a modernidade, que seja, pois, para tomar como ponto de partida o espanto niilista proveniente da criticidade aposta às ideologias tanto metafísico-dogmáticas quanto às ideologias liberais e neoliberais tecno-burocráticas. Essas reaparecem no cenário contemporâneo na qualidade de elementos presentes no discurso historicista que os abarca e avança sobre eles, de tal sorte a permitir, em diversos campos filosóficos, a reapropriação ontológica do homem sobre si mesmo, algo que demanda tanto a compreensibilidade da existência enquanto munida dos aspectos da falibilidade do conhecimento e da fragibilidade súbita do agir, como a reestruturação das propriedades quiditativas do ser do ente privilegiado no seio de uma doutrina ontológica capaz de situar o âmbito de reflexão, pesquisa e ação humana em sua humanidade. Isso não representa, por outro lado, a volta da dogmática, porquanto o que se quer, a priori, é a correção no estabelecimento das perguntas filosóficas, ao mesmo tempo em que objetiva vivificar os princípios essenciais como indicativos sustentáveis de um engajamento humano substantivado em noções menos individualistas – embora não anule, todavia preserve e sustente moderadamente a subjetividade –, para noções eivadas de alteridade e mútuo reconhecimento. Pesam, destarte, as objeções de Heidegger à suposta mal compreensão de Nietzsche sobre Heráclito e Parmênides, fazendo a opção daquele em detrimento deste, quando, na verdade, ambos estariam a dizer basicamente a mesma coisa, embora de maneiras diferentes (que o ser se mostra na existência). De qualquer maneira, seguimos as consequências da ontologia fundamental heideggeriana para lastrear nosso posicionamento filosófico por detrás da argumentação da jurisprudência do Direito das Famílias e, in casu, o instituto do casamento. As implicações destas ideias são enormes em diversos campos; foge, pois, ao presente estudo a delimitação mais precisa. Achamos, no entanto, saudável comentar para fins de preservação de idoneidade científica do nosso trabalho.
[14] Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2ª ed. Trad. de João Baptista Machado. Coimbra: Arménio Amado, 1974.
[15] Sobretudo em KANT, Imannuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Lucimar A. Coghi Anselmi; Fulvio Lubisco. São Paulo: Martin Claret. 2009.
[16] KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1986, p. 328 e ss.
[17] Hart, com efeito, bem percebeu tal pensamento, embora não explicitando-o à nossa maneira. Ver a respeito, HART, Herbert. O conceito de direito. 2. ed., Lisboa: Ed. da Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
[18] Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, v. I, 1997.
[19] “Uma vez que este só pode conquistar autoconfiança e respeito próprio a partir da perspectiva das reações de aprovação dos parceiros na interação, seu ego prático se torna dependente da relação intersubjetiva na qual ele é capaz de experimento o reconhecimento.” HONETH, Axel. Integridade e desrespeito: princípios para uma concepção de moralidade baseada na teoria do reconhecimento. In: TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; OLIVEIRA, Elton Somensi de. (Orgs.) Correntes Contemporâneas do Pensamento Jurídico. Barueri: Manole, 2010, p. 122.
[20] Cf. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – Volume Único. São Paulo: Método, 2011.
[21] Artigo aprovado para publicação na Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões do IBDFAM, 2012.
[22] ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Paulus, 2002, p. 137-138.
[23] Vale a pena citar o pensamento de Rubem Alves : “Para aperfeiçoar o casamento e torná-lo mais feliz, nossos legisladores criaram o casamento com separação de bens. Mas falta ainda um passo para que a felicidade dos cônjuges seja completa: a criação do casamento com separação de males.” ALVEZ, Rubem. Pensamentos que penso quando não estou pensando. Campinas: Papirus, 2007, p. 105.
[24] GOETHE. Fausto. 2ª ed.Trad. Agostinho D’Ornellas. São Paulo: Martin Claret, 2009, p. 84.
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