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Sobre o efeito vinculante
Uma das maiores preocupações atuais dos operadores do direito é a morosidade do Judiciário. Justiça lenta e tardia não é Justiça. Estamos assistindo a um verdadeiro colapso da Justiça brasileira em razão desse "estrangulamento" do Judiciário. Muito já se falou sobre isso, e a questão básica acaba sendo sempre a estrutura caótica de um dos três poderes imaginados por Montesquieu.
Uma das boas propostas apresentadas para uma solução mais a curto ou médio prazo é a súmula vinculante. Formou-se em torno dessa idéia as correntes dos que são contra e a daqueles que são a favor.
Se adotado entre nós, o sistema, a exemplo do que já ocorre no ordenamento jurídico alemão e americano, significa que as decisões tomadas pelo STF, STJ ou TSE, por exemplo, vinculariam todos os casos semelhantes, evitando repetição e procrastinação dos processos. Segundo informou há alguns anos o então ministro do Supremo, Carlos Velloso, 85% do total dos recursos que chega ao tribunal são meras repetições.
É bastante louvável a idéia de instalação da súmula vinculante em nosso sistema jurídico. Primeiro, porque significaria a valorização de uma das importantes fontes de direito, a jurisprudência; segundo, porque desoneraria o poder público interferindo na obrigatoriedade dos recursos propostos por ele mesmo, que são, sabemos todos, apenas procrastinatórios. Registre-se que cerca de 50% dos processos em trâmite no Judiciário brasileiro são contra a administração pública, que tem a ética missão de recorrer apenas por recorrer.
Devemos, entretanto, tomar muito cuidado com a extensão dessa boa idéia ao Direito de Família, sob pena de cometer mais injustiça que a própria morosidade do Judiciário. Para refletirmos, basta recorrer à história da súmula 379 do STF, na qual estabeleceu que a mulher não pode renunciar pensão alimentícia, mas tão-somente dispensá-la. Tal decisão adveio de uma construção doutrinária sobre o princípio da irrenunciabilidade dos alimentos.
Apesar dessa decisão superior, os tribunais estaduais tiveram de passar a não considerá-la, em face à realidade encontrada na particularidade de cada caso do Direito de Família. Ora, muitas mulheres realmente não precisavam de pensão alimentícia; no entanto, não poderiam renunciar a ela devido a essa súmula do STF.
Esse simples exemplo, de importância histórica para a discussão da súmula vinculante no Brasil, demonstra-nos que o efeito vinculante não pode ser adotado para o Direito de Família. Esse ramo do Direito deve ser tratado em sua particularidade: cada caso realmente é um caso e traz consigo uma singularidade.
Após a anunciação por Freud, no início do século passado, da existência do sujeito inconsciente e desejante, especialmente no Direito de Família, não podemos mais deixar de considerar que em todos os atos que fazem fatos e desfazem negócios jurídicos, bem como na objetividade do processo judicial, perpassa uma subjetividade, diante da qual a súmula vinculante não contribuirá para que se faça mais justiça.
* Advogado, professor da PUC/MG e Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM
Uma das boas propostas apresentadas para uma solução mais a curto ou médio prazo é a súmula vinculante. Formou-se em torno dessa idéia as correntes dos que são contra e a daqueles que são a favor.
Se adotado entre nós, o sistema, a exemplo do que já ocorre no ordenamento jurídico alemão e americano, significa que as decisões tomadas pelo STF, STJ ou TSE, por exemplo, vinculariam todos os casos semelhantes, evitando repetição e procrastinação dos processos. Segundo informou há alguns anos o então ministro do Supremo, Carlos Velloso, 85% do total dos recursos que chega ao tribunal são meras repetições.
É bastante louvável a idéia de instalação da súmula vinculante em nosso sistema jurídico. Primeiro, porque significaria a valorização de uma das importantes fontes de direito, a jurisprudência; segundo, porque desoneraria o poder público interferindo na obrigatoriedade dos recursos propostos por ele mesmo, que são, sabemos todos, apenas procrastinatórios. Registre-se que cerca de 50% dos processos em trâmite no Judiciário brasileiro são contra a administração pública, que tem a ética missão de recorrer apenas por recorrer.
Devemos, entretanto, tomar muito cuidado com a extensão dessa boa idéia ao Direito de Família, sob pena de cometer mais injustiça que a própria morosidade do Judiciário. Para refletirmos, basta recorrer à história da súmula 379 do STF, na qual estabeleceu que a mulher não pode renunciar pensão alimentícia, mas tão-somente dispensá-la. Tal decisão adveio de uma construção doutrinária sobre o princípio da irrenunciabilidade dos alimentos.
Apesar dessa decisão superior, os tribunais estaduais tiveram de passar a não considerá-la, em face à realidade encontrada na particularidade de cada caso do Direito de Família. Ora, muitas mulheres realmente não precisavam de pensão alimentícia; no entanto, não poderiam renunciar a ela devido a essa súmula do STF.
Esse simples exemplo, de importância histórica para a discussão da súmula vinculante no Brasil, demonstra-nos que o efeito vinculante não pode ser adotado para o Direito de Família. Esse ramo do Direito deve ser tratado em sua particularidade: cada caso realmente é um caso e traz consigo uma singularidade.
Após a anunciação por Freud, no início do século passado, da existência do sujeito inconsciente e desejante, especialmente no Direito de Família, não podemos mais deixar de considerar que em todos os atos que fazem fatos e desfazem negócios jurídicos, bem como na objetividade do processo judicial, perpassa uma subjetividade, diante da qual a súmula vinculante não contribuirá para que se faça mais justiça.
* Advogado, professor da PUC/MG e Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM
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