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Pedrinho ou Osvaldo?
Imagine repentinamente que sua vida até agora foi uma grande ilusão. Imagine que sua mãe, a qual sempre te dispensou todo o amor e carinho necessários à sua dignidade como pessoa humana, diligenciando incessante e minuciosamente no seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social durante toda a sua existência, fosse subitamente considerada pela Justiça como uma estranha. Como você se sentiria se inesperadamente descobrisse que sua “verdadeira” família é composta de pessoas que lhe são totalmente desconhecidas?
Recentemente o País tem se comovido com a história de Osvaldo (Pedrinho) que, ao que tudo indica, foi subtraído por alguém do leito materno quando ainda em estado puerperal, por motivos ainda nebulosos, e registrado pela “mãe” Vilma como se seu filho fosse, conduta esta reprovada pelo art. 242 do Código Penal Brasileiro. É a chamada “adoção à brasileira”.
Assim sendo, pergunta-se: qual a solução jurídica mais adequada ao fato acima narrado? Quais as conseqüências psicológicas e sócio-afetivas que advirão da transposição desse adolescente de entidade familiar?
A princípio, reza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público zelar, entre outros, pelos direitos à convivência familiar e à dignidade da criança ou adolescente, garantindo-se-lhes a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, através da preservação da identidade, da imagem e de suas idéias e crenças, pondo-os a salvo de qualquer tratamento vexatório ou constrangedor.
Neste diapasão, temos que o art. 19 do Estatuto Menorista normatiza que a criança ou adolescente tem o direito de ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, o que implica no fato de que o menor deverá, sempre que possível, ser mantido em sua família de origem.
Todavia, os efeitos práticos gerados pela observância desse preceito no caso em estudo seriam análogos ao da colocação do adolescente em família substituta, haja vista que, em seu âmago, sua família de origem é a “adotiva”. Trata-se, portanto, de caso verdadeiramente sui generis, em cuja inversão do texto legal se faz necessária, aplicando-se, por decorrência, a norma do art. 157 do ECA, suspendendo-se liminarmente o pátrio poder da “mãe adotiva”, confiando-se o adolescente a pessoa idônea – a princípio, os próprios pais biológicos - devendo, contudo, ser previamente ouvido o menor, haja vista que a medida importa em modificação da guarda, à guisa do exposto no § 2º do art. 161 da referida lei.
Contudo, em que pese a solução legal apresentada acima, tal conclusão se coadunaria com a mais lídima justiça? E mais, seria essa decisão a mais harmônica com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, erigido como fundamento da República Federativa do Brasil pela Constituição Nacional?
Ante a esta indagação, mister se faz esclarecer ao leitor que os princípios e objetivos fundamentais são instrumentos de interpretação e integração do Direito, sendo, portanto, normas gerais, às quais deve fazer uso o intérprete ao analisar o caso concreto antes de aplicar qualquer legislação.
Por conseguinte, temos que uma vez em confronto direto um princípio constitucional com uma norma hierarquicamente inferior (qualquer lei em sentido amplo), aquele deverá sempre prevalecer, porquanto ser o mesmo fundamento de validade dessa.
Com efeito, parece-nos insensato que o jovem Osvaldo seja agora vítima da aplicação insensível da lei, sendo bruscamente retirado do aconchego familiar, o qual sempre acreditou ser autêntico, deletando-se integralmente a sua vida pregressa, haja vista que toda a história de uma pessoa se estrutura em torno de seu nome (documentos, histórico escolar, relacionamentos sociais, etc.). Daí ser o estado de filiação inerente ao próprio direito à personalidade, que, quando colocado em confronto com direitos alheios, há de prevalecer em nome da tutela da dignidade da pessoa humana, ainda que este direito alheio seja o dos pais biológicos de tê-lo sob sua guarda e companhia.
Foi inclusive nesse sentido que decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em Ação Negatória de Paternidade que assim asseverou: “No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade sócio-afetiva, decorrente da denominada adoção à brasileira’ (...) há de prevalecer a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana” - TJPR AC 108.417-9 - 2ª C.Civ. - Ac. 20.110 - Rel. Des. Accácio Cambi - unân. - J. 12.12.2001.
À guisa de conclusão, parece-nos que a solução que melhor se adequa ao caso concreto seria a colocação do jovem Osvaldo no seio de sua família biológica, mas sem que o mesmo perca os laços com a família que o adotou e que ainda reina em seu coração como se legítima fosse, e, principalmente, que seja-lhe garantida a sua identidade construída ao longo desses 16 anos, sob pena de afronta direta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e mesmo à verdadeira Justiça.
(*) advogado e sócio efetivo do IBDFAM
Recentemente o País tem se comovido com a história de Osvaldo (Pedrinho) que, ao que tudo indica, foi subtraído por alguém do leito materno quando ainda em estado puerperal, por motivos ainda nebulosos, e registrado pela “mãe” Vilma como se seu filho fosse, conduta esta reprovada pelo art. 242 do Código Penal Brasileiro. É a chamada “adoção à brasileira”.
Assim sendo, pergunta-se: qual a solução jurídica mais adequada ao fato acima narrado? Quais as conseqüências psicológicas e sócio-afetivas que advirão da transposição desse adolescente de entidade familiar?
A princípio, reza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público zelar, entre outros, pelos direitos à convivência familiar e à dignidade da criança ou adolescente, garantindo-se-lhes a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, através da preservação da identidade, da imagem e de suas idéias e crenças, pondo-os a salvo de qualquer tratamento vexatório ou constrangedor.
Neste diapasão, temos que o art. 19 do Estatuto Menorista normatiza que a criança ou adolescente tem o direito de ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, o que implica no fato de que o menor deverá, sempre que possível, ser mantido em sua família de origem.
Todavia, os efeitos práticos gerados pela observância desse preceito no caso em estudo seriam análogos ao da colocação do adolescente em família substituta, haja vista que, em seu âmago, sua família de origem é a “adotiva”. Trata-se, portanto, de caso verdadeiramente sui generis, em cuja inversão do texto legal se faz necessária, aplicando-se, por decorrência, a norma do art. 157 do ECA, suspendendo-se liminarmente o pátrio poder da “mãe adotiva”, confiando-se o adolescente a pessoa idônea – a princípio, os próprios pais biológicos - devendo, contudo, ser previamente ouvido o menor, haja vista que a medida importa em modificação da guarda, à guisa do exposto no § 2º do art. 161 da referida lei.
Contudo, em que pese a solução legal apresentada acima, tal conclusão se coadunaria com a mais lídima justiça? E mais, seria essa decisão a mais harmônica com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, erigido como fundamento da República Federativa do Brasil pela Constituição Nacional?
Ante a esta indagação, mister se faz esclarecer ao leitor que os princípios e objetivos fundamentais são instrumentos de interpretação e integração do Direito, sendo, portanto, normas gerais, às quais deve fazer uso o intérprete ao analisar o caso concreto antes de aplicar qualquer legislação.
Por conseguinte, temos que uma vez em confronto direto um princípio constitucional com uma norma hierarquicamente inferior (qualquer lei em sentido amplo), aquele deverá sempre prevalecer, porquanto ser o mesmo fundamento de validade dessa.
Com efeito, parece-nos insensato que o jovem Osvaldo seja agora vítima da aplicação insensível da lei, sendo bruscamente retirado do aconchego familiar, o qual sempre acreditou ser autêntico, deletando-se integralmente a sua vida pregressa, haja vista que toda a história de uma pessoa se estrutura em torno de seu nome (documentos, histórico escolar, relacionamentos sociais, etc.). Daí ser o estado de filiação inerente ao próprio direito à personalidade, que, quando colocado em confronto com direitos alheios, há de prevalecer em nome da tutela da dignidade da pessoa humana, ainda que este direito alheio seja o dos pais biológicos de tê-lo sob sua guarda e companhia.
Foi inclusive nesse sentido que decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em Ação Negatória de Paternidade que assim asseverou: “No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade sócio-afetiva, decorrente da denominada adoção à brasileira’ (...) há de prevalecer a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana” - TJPR AC 108.417-9 - 2ª C.Civ. - Ac. 20.110 - Rel. Des. Accácio Cambi - unân. - J. 12.12.2001.
À guisa de conclusão, parece-nos que a solução que melhor se adequa ao caso concreto seria a colocação do jovem Osvaldo no seio de sua família biológica, mas sem que o mesmo perca os laços com a família que o adotou e que ainda reina em seu coração como se legítima fosse, e, principalmente, que seja-lhe garantida a sua identidade construída ao longo desses 16 anos, sob pena de afronta direta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e mesmo à verdadeira Justiça.
(*) advogado e sócio efetivo do IBDFAM
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM