Artigos
Destaques do Novo Código Civil
O novo Código Civil merece o nosso aplauso, como disse, em muitos aspectos, entre os quais destaco principalmente esses, entre outros:
a) o acolhimento de importante expressão jurisprudencial que se formou ao longo dos anos, pela voz de nossos Tribunais, valorizando especialmente a socialização das relações privadas (pela expressa menção ao princípio da função social da propriedade e da função social do contrato);
Trata-se de socializar o impenetrável mundo das relações privadas, especialmente na área da propriedade e do contrato. O assunto não é novo, em todo o mundo, nem mesmo entre nós, brasileiros, que já tínhamos essa tendência de ampliar os muros da individualidade para passar a contemplar os horizontes do interesse coletivo, no exercício dos direitos individuais. A função social, enfim, trata ou se refere a essa necessária, urgente e indispensável harmonização das relações privadas com os fins sociais.
Exemplo: a propriedade rural não pode ser tratada como um bem qualquer (como um barra de ouro, por exemplo), exatamente porque tem uma função social a cumprir, obrigatoriamente, que é justamente a sua finalidade de produção de alimentos. Deve produzir, portanto.
b) a inclusão do princípio da boa-fé nas negociações bem como do princípio da onerosidade excessiva a justificar a resolução dos negócios;
O princípio da boa-fé visa garantir a estabilidade dos contratos, já que cada uma das partes acredita e espera que o outro contratante aja em conformidade com o que foi combinado, cumprindo as obrigações assumidas. Significa que cada um dos contratantes deve verdadeiramente ostentar a sua lealdade ou honestidade contratual, comportamento comum ao homem ético, ao homem de índole, ao homem que faz com que a palavra avençada (o fio-de-bigode, no passado) valha tudo, e baste por si só. E deve valer antes, durante e depois de terminado o contrato, sempre considerando o interesse alheio.
Exemplo: alguém, para “fechar” um contrato que lhe convém, não avisa a outra parte que a casa que lhe vende inunda, no tempo das chuvas. Não havia outro modo de o comprador saber de uma coisa assim, e por isso, realiza o negócio. Futuramente percebe o engodo e pode pedir a extinção do contrato, por faltar à negociação o fundamento da boa-fé. Em cada caso concreto, será o julgador quem examinará se a alegação do contratante que pretende a resolução do contrato equivale, ou não, à ausência de boa-fé, uma vez que se trata de uma cláusula geral (não tem especificidade ou tipologia fechadas), num sistema contratual aberto. Prevalece o bom senso do julgador, examinando todas as manifestações contidas no processo.
Enfim, está presente, também no ambiente dos contratos – como não poderia deixar de ser – o sentido ético, a tendência socializante e a garantia de dignidade que são, por assim dizer, as marcas ou os marcos deste direito que, caminhando pelos séculos, se apresenta tão modificado nos primórdios do milênio novo.
O princípio da onerosidade excessiva determina que se um contrato, durante o seu curso) ficar excessivamente pesado para uma das partes, por razões que estão além de sua própria vontade, razões normalmente imprevisíveis, desequilibrando o acordo inicialmente formulado, poderá a parte prejudicada pedir a sua extinção (resolução contratual). Assim, se alguma coisa extraordinária acontecer, durante o curso do contrato, que cause essa desproporção, esse desequilíbrio entre as partes, deixando uma delas excessivamente onerada e a outra parte provavelmente com um grande lucro, o contrato perde a sua razão original de ser (acordo de vontades entre os contratantes), sacrificando um demasiadamente e desequilibrando a relação. Será possível nesse caso, então, se pedir a extinção do contrato, sem que nenhuma das partes fique obrigada a indenizar a outra pelo fato de se ter rompido antecipadamente o que havia sido convencionado.
Exemplo: leasing (de automóveis) com pagamento calculado em dollares; supervem uma inesperada e muito rigorosa alta do dollar; o comprador fica completamente impossibilitado de continuar pagando as prestações; quanto mais paga, mais deve; verificando-se o valor do automóvel, ao final, com o mesmo preço teria sido possível comprar, por exemplo, uma casa, por exemplo!!
c) a valorização dos direitos da personalidade;
O novo Código valoriza – aqui também em consonância com o caráter da nova Constituição Federal (1988) – os chamados direitos da personalidade, que são aqueles direitos que a pessoa tem de proteger aquilo que lhe é próprio (por concessão da natureza), como o seu direito à integridade física (vida, saúde, etc), à integridade intelectual (liberdade de pensamento, etc), à integridade moral (honra, imagem, identidade pessoal, etc). O novo Código preocupa-se com esse novo contingente de direitos (da mais alta significação) e os valoriza em vários segmentos.
Exemplo: ninguém pode, por ato próprio, reduzir-se á condição de escravo, privar-se de sua liberdade, nem mesmo pode ser reduzido a essa condição ou ser privado dessa liberdade.
d) a consagração do princípio da igualdade entre homem e mulher, especialmente nas relações familiares;
O novo Código Civil trouxe para o seu texto a igualdade já contemplada pela Constituição Federal (1988), igualando em direitos e deveres, especialmente no ambiente das relações familiares, o homem e a mulher. Ambos são responsáveis pela educação, guarda e condução de seus filhos, ambos têm responsabilidades na manutenção da família, ambos podem ou não adotar – um do outro – o nome de família, por ocasião do casamento, ambos se devem mutuamente alimentos (pagando aquele que tem possibilidade àquele que tem necessidade, e apenas quando houver efetiva necessidade). Nunca é demais relembrar que, igualando-se direitos, igualam-se também os deveres de um e de outro, pois não imaginar assim, se desenhará tão somente o percurso, às avessas, da discriminação de um sobre o outro.
e) a consagração da formação da família por outros modos originários além do casamento civil (como a união estável e a estrutura monoparental);
O novo Código Civil se encontra alinhado, agora, com a Constituição Federal (1988), para reconhecer – já não sem tempo!! – que são exatamente iguais, sob a ótica da lei, as famílias brasileiras constituídas pelo casamento civilmente celebrado e aquelas outras em que, por escolha, se preferiu o modelo da convivência não legalizada, apoiada exclusivamente no afeto (é o caso da chamada união estável – união sedimentada em duradouro tempo de conveniência, entre homem e mulher não impedidos de se casarem, mas que optam por viverem apenas juntos).
A nova lei também vem reconhecer como entidade familiar (núcleo familiar perfeito, protegido pela lei) a denominada família monoparental, formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, ou por quaisquer outros agrupamentos de familiares (como duas irmãs, ou a avó com seus netos, etc).
f) a flexibilização das regras sobre regime patrimonial entre cônjuges, permitindo a alteração do regime de bens;
Sabe-se que quando as pessoas se casam, passa a valer para elas um regime patrimonial (regime de bens) que poderá ter sido aquele que elas escolheram antes do casamento, ou, se não escolheram, será aquele que a lei disser, ou, em alguns casos, aquele que a lei impuser (caso de regime obrigatório de bens).
No passado, o regime que o legislador brasileiro oferecia para quem não fazia sua escolha pessoal era o regime da comunhão universal de bens, pelo qual se comunicavam (quer dizer, se misturavam) os bens de um e de outro dos cônjuges, tanto aqueles que haviam adquirido antes do casamento como aqueles que viriam a adquirir depois do casamento, formando um patrimônio único.
Mas os tempos se alteraram, os cônjuges mudaram, a sociedade matrimonial se distanciou do modelo do outro século e, aos poucos, a universalidade de comunhão de bens cedeu o espaço para a parcialidade de comunhão patrimonial, fato que foi acolhido, enfim, pela Lei nº 6515/77 (a Lei do Divórcio), alterando o regime legal para o da separação parcial de bens (só se comunicam – misturam – os bens adquiridos depois do casamento.
Nos dias que correm, ao lado do velho e sempre novo amor à primeira vista – como tão romanticamente diz Euclides de Oliveira – permanece a ordem mais terrena, digamos assim, segundo a qual quem casa quer casa!
Esse parece ser, hoje em dia, infelizmente, a visão do matrimônio pelos seus palcos menos espiritualizados e mais racionais, o que não deve ser referido mal, já que o homem e a mulher, como a grande maioria dos animais, têm a necessidade e o desejo de abrigar sua prole sob confortável e seguro teto, provavelmente o da primeira casa que serve de lar à família que então se forma.
Um homem, uma mulher, uma criança. Uma casa, um lar. Retrato da felicidade, quiçá.
Mas poderá, em alguns casos – na verdade mais numerosos do que seria desejável que o fossem – acontecer de o lar, conformado estreitamente em apenas um bem material, transmudar-se no signo da discórdia e do rompimento do retrato feliz de uma família consolidada. Afinal, quem é que não ouviu já falar no antigo gracejo, comum de ser contado e recontado entre os advogados, que afirma que esses profissionais, após a celebração de certas núpcias, apenas espreitam e aguardam o momento em que o meu bem (tratamento romantizado entre os que se amam) se transforme em meu bem (o grito de posse, a respeito do patrimônio familiar, por ocasião do rompimento da sociedade conjugal)? A partilha dos bens adquiridos no tempo em que meu bem significar apenas o reclamo possessório, costuma ser sempre muito disputada, bélica mesmo, e, por isso, dolorosa.
De qualquer forma – é o que interessa mesmo saber – o regime de bens que fosse consagrado por ocasião do casamento, conforme o Código Civil antigo, não podia ser modificado pela vontade das partes. Hoje, o novo Código Civil admite a alteração do regime patrimonial de bens entre cônjuges, o que significa uma significativa mudança de posicionamento legislativo, com reflexos da mais diversa ordem. O novo Código prevê a alteração do regime de bens, desde que os cônjuges solicitem autorização judicial para tanto, fazendo-o em pedido motivado e por ambos assinado. O juiz, para autorizar, deverá verificar a procedência das razões invocadas, e deve, principalmente, verificar se a alteração não impedirá o exercício dos direitos de terceiros(especialmente os credores do casal, ou do marido, ou da mulher). Bem cercado, assim, como explico, entendo que a mudança é muitíssimo salutar, exatamente porque mantém, para os cônjuges, o mesmo direito que têm, antes do casamento, de escolher o regime que preferem.
g) a integração do cônjuge no rol dos herdeiros necessários, protegendo mais o sobrevivente, por ocasião do recebimento das heranças;
No ambiente do direito das heranças, o Código anterior, exatamente como esse atual (novo Código), permite à pessoa que tenha bens, que faça um testamento para indicar para quem quer deixar esses mesmos bens, depois de sua morte. Acontece que a lei anterior prescrevia que aquela pessoa que tivesse herdeiros necessários (nessa categoria se incluíam os descendentes – filhos, netos, bisnetos, etc – e os ascendentes – pais, avós, bisavós, etc), só poderiam fazer testamento relativamente à metade do seu patrimônio (que no futuro seria a sua herança), já que deveria guardar a outra metade para esses herdeiros necessários. Pois bem: a lei nova também escreve a mesma regra, quer dizer, também exige que se guarde metade dos bens para os herdeiros necessários, se por acaso alguém quiser fazer testamento a favor de outros. Só que, agora, o rol de pessoas que constituem essa categoria (herdeiros necessários) ampliou e passou a brigar, também, o cônjuge. Então, agora, quem for casado (qualquer regime de bens), só poderá fazer testamento se mantiver, fora dele, a metade de seu acervo patrimonial de bens, reservando-o para os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge). A inovação é boa no sentido de garantir uma maior proteção – âmbito hereditário – ao cônjuge, uma vez que foi razoavelmente comum encontrarmos testamentos de pessoas que não tinham descendentes nem ascendentes, a favor de terceiros, desprestigando completamente a pessoa do cônjuge. Ao contrário do que pensam alguns, não vejo esse dispositivo como uma nova versão do golpe do baú, mas vejo como um benefício a favor do companheiro de vida, o cônjuge.
h) a inserção de regras mais maleáveis e incentivadoras à elaboração de testamentos;
Significa exatamente isso: o novo Código tem regras menos duras, menos rigorosas para a elaboração de testamentos, como por exemplo, entre outras, a diminuição sensível do número de testemunhas (de 5 ou mais, para duas, na maior parte das vezes). Na minha opinião a providência é boa, para incentivar mais o brasileiro a fazer testamentos, dando azo à sua vontade, no endereçamento dos bens, após a sua morte, o que é sempre bom. No Brasil não temos o hábito de fazer testamento, até memo porque parece que o brasileiro tem verdadeiro horror de todas as manifestações, jurídicas ou não, que se relacionem com a morte (exemplo, além de testamento, autorização para doação de órgãos, compra antecipada de sepultura, seguro de vida, etc). Pensam que atrai a morte!! ... risos...
i) a redução da faixa etária em prol da maioridade civil;
Sou completamente a favor. O nosso jovem, na sociedade atual, tem todos os atributos específicos da responsabilidade incorporados, não havendo necessidade de se os considerar, mais, como incapazes para certos atos da vida civil. Prova disso é que dirigem, elegem presidente da República, podem ser votados, respondem pelos crimes que praticam, tudo antes de chegarem à faixa etária dos 21 anos.
Eu disse ao meu filho caçula (20) que ele dormiu menor e acordou maior, no dia 11 de janeiro, e ele me olhou longamente e disse: “Ah, é!!”. Nada mudou, no dia-a-dia, salvo o fato que ele pode realizar certos atos da vida privada sem depender mais da autorização dos pais, como contratar e casar.
j) a re-nomeação do poder-dever dos pais sobre os filhos para ‘poder familiar’, exercido igualmente por qualquer dos pais;
O fato de as responsabilidades acerca dos filhos ser compartilhada, atualmente, e sem nenhuma distinção, pelo pai e pela mãe, levou o legislador a re-nomear esse poder, para deixar de dizer pátrio poder, dizendo agora poder familiar. Boa providência, embora não se aprecie, no meio jurídico, a utilização da palavra poder, que parece ter uma carga de direitos muito maior do que a correspondente carga de deveres, o que absolutamente não é verdadeiro.
k) a redução do prazo para adquirir a propriedade de bens pela via do usucapião e a incorporação de regras constitucionais que admitem o usucapião fundado em razão ligada à funcionalidade social;
A propriedade dos bens (imóveis, principalmente) pode acontecer, entre outras formas, pela via do usucapião. Trata-se de um modo de adquirir que não leva em conta o pagamento de preço (como na compra e venda), nem a transmissão hereditária (como no caso de passar de pai para filho, por morte daquele), mas sim de transmissão compulsória (é o juiz quem determina, atendendo a pedido da parte) do proprietário que não zela pelo que é seu para outra pessoa, que dá à propriedade a função social que lhe é inerente. Bem, esse traço de socialidade e de funcionalidade que se estampa na aquisição por usucapião, justifica plenamente o fato do novo legislador ter diminuído ainda mais o prazo para que isso possa acontecer. A história legislativa brasileira demonstra que este prazo tem sido reduzido de modo paulatino, mas constante, o que ratifica esse aspecto de relvância social do usucapião.
l) a adoção de uma maior objetivação para a imputação da responsabilidade civil, em casos de danos sofridos, bem como a inclusão de autorização ao juiz para mensurar o valor da indenização com base na eqüidade.
No ambiente da responsabilidade civil, cada vez mais se tem deixado a difícil (às vezes impossível) análise da culpa de quem produziu o dano, para só depois de provada, atribuir ao causador o dever de indenizar a vítima, para traçar regras de maior objetivação, as quais têm por escopo fundamental (também de caráter e âmbito social) a preocupação primordial de não deixar a vítima sem a sua justa indenização. O novo Código vai acompanhando essa tendência, desviando o foco de atenção para a vítima (como deve ser, meu Deus!), retirando da pessoa do causador do dano (especialmente pela ampla possibilidade que este sempre teve de se “safar” de indenizar, pela grande dificuldade, em certos casos, da vítima conseguir provar a culpa do causador do prejuízo. Parabéns ao Código, por isso. Inovador, moderno, procurando se emparelhar com os códigos mais modernos de todo o mundo.
Quanto à fixação do montante de indenização, na sentença condenatória final, o juiz, pela lei anterior, tinha pouquíssima possibilidade de mensurar caso a caso, conforme o contorno e as especificidades de cada situação. Hoje o novo Código confere essa salutar ampliação de poderes ao julgador, permitindo que ele fixe a quantia com base na eqüidade, levando em conta as circunstâncias típicas de cada caso e não tratando todos os casos como se fosse uma coisa só. No meu entender, esse é um dos mais altos e positivos momentos de transformação da nova Lei Civil brasileira, em face do perfil de humanização que permite seja registrada na sentença, pela participação mais pessoalizada do julgador, a partir de sua convicção, seu bom senso, seu senso de justiça e, principalmente, sua responsabilidade.
a) o acolhimento de importante expressão jurisprudencial que se formou ao longo dos anos, pela voz de nossos Tribunais, valorizando especialmente a socialização das relações privadas (pela expressa menção ao princípio da função social da propriedade e da função social do contrato);
Trata-se de socializar o impenetrável mundo das relações privadas, especialmente na área da propriedade e do contrato. O assunto não é novo, em todo o mundo, nem mesmo entre nós, brasileiros, que já tínhamos essa tendência de ampliar os muros da individualidade para passar a contemplar os horizontes do interesse coletivo, no exercício dos direitos individuais. A função social, enfim, trata ou se refere a essa necessária, urgente e indispensável harmonização das relações privadas com os fins sociais.
Exemplo: a propriedade rural não pode ser tratada como um bem qualquer (como um barra de ouro, por exemplo), exatamente porque tem uma função social a cumprir, obrigatoriamente, que é justamente a sua finalidade de produção de alimentos. Deve produzir, portanto.
b) a inclusão do princípio da boa-fé nas negociações bem como do princípio da onerosidade excessiva a justificar a resolução dos negócios;
O princípio da boa-fé visa garantir a estabilidade dos contratos, já que cada uma das partes acredita e espera que o outro contratante aja em conformidade com o que foi combinado, cumprindo as obrigações assumidas. Significa que cada um dos contratantes deve verdadeiramente ostentar a sua lealdade ou honestidade contratual, comportamento comum ao homem ético, ao homem de índole, ao homem que faz com que a palavra avençada (o fio-de-bigode, no passado) valha tudo, e baste por si só. E deve valer antes, durante e depois de terminado o contrato, sempre considerando o interesse alheio.
Exemplo: alguém, para “fechar” um contrato que lhe convém, não avisa a outra parte que a casa que lhe vende inunda, no tempo das chuvas. Não havia outro modo de o comprador saber de uma coisa assim, e por isso, realiza o negócio. Futuramente percebe o engodo e pode pedir a extinção do contrato, por faltar à negociação o fundamento da boa-fé. Em cada caso concreto, será o julgador quem examinará se a alegação do contratante que pretende a resolução do contrato equivale, ou não, à ausência de boa-fé, uma vez que se trata de uma cláusula geral (não tem especificidade ou tipologia fechadas), num sistema contratual aberto. Prevalece o bom senso do julgador, examinando todas as manifestações contidas no processo.
Enfim, está presente, também no ambiente dos contratos – como não poderia deixar de ser – o sentido ético, a tendência socializante e a garantia de dignidade que são, por assim dizer, as marcas ou os marcos deste direito que, caminhando pelos séculos, se apresenta tão modificado nos primórdios do milênio novo.
O princípio da onerosidade excessiva determina que se um contrato, durante o seu curso) ficar excessivamente pesado para uma das partes, por razões que estão além de sua própria vontade, razões normalmente imprevisíveis, desequilibrando o acordo inicialmente formulado, poderá a parte prejudicada pedir a sua extinção (resolução contratual). Assim, se alguma coisa extraordinária acontecer, durante o curso do contrato, que cause essa desproporção, esse desequilíbrio entre as partes, deixando uma delas excessivamente onerada e a outra parte provavelmente com um grande lucro, o contrato perde a sua razão original de ser (acordo de vontades entre os contratantes), sacrificando um demasiadamente e desequilibrando a relação. Será possível nesse caso, então, se pedir a extinção do contrato, sem que nenhuma das partes fique obrigada a indenizar a outra pelo fato de se ter rompido antecipadamente o que havia sido convencionado.
Exemplo: leasing (de automóveis) com pagamento calculado em dollares; supervem uma inesperada e muito rigorosa alta do dollar; o comprador fica completamente impossibilitado de continuar pagando as prestações; quanto mais paga, mais deve; verificando-se o valor do automóvel, ao final, com o mesmo preço teria sido possível comprar, por exemplo, uma casa, por exemplo!!
c) a valorização dos direitos da personalidade;
O novo Código valoriza – aqui também em consonância com o caráter da nova Constituição Federal (1988) – os chamados direitos da personalidade, que são aqueles direitos que a pessoa tem de proteger aquilo que lhe é próprio (por concessão da natureza), como o seu direito à integridade física (vida, saúde, etc), à integridade intelectual (liberdade de pensamento, etc), à integridade moral (honra, imagem, identidade pessoal, etc). O novo Código preocupa-se com esse novo contingente de direitos (da mais alta significação) e os valoriza em vários segmentos.
Exemplo: ninguém pode, por ato próprio, reduzir-se á condição de escravo, privar-se de sua liberdade, nem mesmo pode ser reduzido a essa condição ou ser privado dessa liberdade.
d) a consagração do princípio da igualdade entre homem e mulher, especialmente nas relações familiares;
O novo Código Civil trouxe para o seu texto a igualdade já contemplada pela Constituição Federal (1988), igualando em direitos e deveres, especialmente no ambiente das relações familiares, o homem e a mulher. Ambos são responsáveis pela educação, guarda e condução de seus filhos, ambos têm responsabilidades na manutenção da família, ambos podem ou não adotar – um do outro – o nome de família, por ocasião do casamento, ambos se devem mutuamente alimentos (pagando aquele que tem possibilidade àquele que tem necessidade, e apenas quando houver efetiva necessidade). Nunca é demais relembrar que, igualando-se direitos, igualam-se também os deveres de um e de outro, pois não imaginar assim, se desenhará tão somente o percurso, às avessas, da discriminação de um sobre o outro.
e) a consagração da formação da família por outros modos originários além do casamento civil (como a união estável e a estrutura monoparental);
O novo Código Civil se encontra alinhado, agora, com a Constituição Federal (1988), para reconhecer – já não sem tempo!! – que são exatamente iguais, sob a ótica da lei, as famílias brasileiras constituídas pelo casamento civilmente celebrado e aquelas outras em que, por escolha, se preferiu o modelo da convivência não legalizada, apoiada exclusivamente no afeto (é o caso da chamada união estável – união sedimentada em duradouro tempo de conveniência, entre homem e mulher não impedidos de se casarem, mas que optam por viverem apenas juntos).
A nova lei também vem reconhecer como entidade familiar (núcleo familiar perfeito, protegido pela lei) a denominada família monoparental, formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, ou por quaisquer outros agrupamentos de familiares (como duas irmãs, ou a avó com seus netos, etc).
f) a flexibilização das regras sobre regime patrimonial entre cônjuges, permitindo a alteração do regime de bens;
Sabe-se que quando as pessoas se casam, passa a valer para elas um regime patrimonial (regime de bens) que poderá ter sido aquele que elas escolheram antes do casamento, ou, se não escolheram, será aquele que a lei disser, ou, em alguns casos, aquele que a lei impuser (caso de regime obrigatório de bens).
No passado, o regime que o legislador brasileiro oferecia para quem não fazia sua escolha pessoal era o regime da comunhão universal de bens, pelo qual se comunicavam (quer dizer, se misturavam) os bens de um e de outro dos cônjuges, tanto aqueles que haviam adquirido antes do casamento como aqueles que viriam a adquirir depois do casamento, formando um patrimônio único.
Mas os tempos se alteraram, os cônjuges mudaram, a sociedade matrimonial se distanciou do modelo do outro século e, aos poucos, a universalidade de comunhão de bens cedeu o espaço para a parcialidade de comunhão patrimonial, fato que foi acolhido, enfim, pela Lei nº 6515/77 (a Lei do Divórcio), alterando o regime legal para o da separação parcial de bens (só se comunicam – misturam – os bens adquiridos depois do casamento.
Nos dias que correm, ao lado do velho e sempre novo amor à primeira vista – como tão romanticamente diz Euclides de Oliveira – permanece a ordem mais terrena, digamos assim, segundo a qual quem casa quer casa!
Esse parece ser, hoje em dia, infelizmente, a visão do matrimônio pelos seus palcos menos espiritualizados e mais racionais, o que não deve ser referido mal, já que o homem e a mulher, como a grande maioria dos animais, têm a necessidade e o desejo de abrigar sua prole sob confortável e seguro teto, provavelmente o da primeira casa que serve de lar à família que então se forma.
Um homem, uma mulher, uma criança. Uma casa, um lar. Retrato da felicidade, quiçá.
Mas poderá, em alguns casos – na verdade mais numerosos do que seria desejável que o fossem – acontecer de o lar, conformado estreitamente em apenas um bem material, transmudar-se no signo da discórdia e do rompimento do retrato feliz de uma família consolidada. Afinal, quem é que não ouviu já falar no antigo gracejo, comum de ser contado e recontado entre os advogados, que afirma que esses profissionais, após a celebração de certas núpcias, apenas espreitam e aguardam o momento em que o meu bem (tratamento romantizado entre os que se amam) se transforme em meu bem (o grito de posse, a respeito do patrimônio familiar, por ocasião do rompimento da sociedade conjugal)? A partilha dos bens adquiridos no tempo em que meu bem significar apenas o reclamo possessório, costuma ser sempre muito disputada, bélica mesmo, e, por isso, dolorosa.
De qualquer forma – é o que interessa mesmo saber – o regime de bens que fosse consagrado por ocasião do casamento, conforme o Código Civil antigo, não podia ser modificado pela vontade das partes. Hoje, o novo Código Civil admite a alteração do regime patrimonial de bens entre cônjuges, o que significa uma significativa mudança de posicionamento legislativo, com reflexos da mais diversa ordem. O novo Código prevê a alteração do regime de bens, desde que os cônjuges solicitem autorização judicial para tanto, fazendo-o em pedido motivado e por ambos assinado. O juiz, para autorizar, deverá verificar a procedência das razões invocadas, e deve, principalmente, verificar se a alteração não impedirá o exercício dos direitos de terceiros(especialmente os credores do casal, ou do marido, ou da mulher). Bem cercado, assim, como explico, entendo que a mudança é muitíssimo salutar, exatamente porque mantém, para os cônjuges, o mesmo direito que têm, antes do casamento, de escolher o regime que preferem.
g) a integração do cônjuge no rol dos herdeiros necessários, protegendo mais o sobrevivente, por ocasião do recebimento das heranças;
No ambiente do direito das heranças, o Código anterior, exatamente como esse atual (novo Código), permite à pessoa que tenha bens, que faça um testamento para indicar para quem quer deixar esses mesmos bens, depois de sua morte. Acontece que a lei anterior prescrevia que aquela pessoa que tivesse herdeiros necessários (nessa categoria se incluíam os descendentes – filhos, netos, bisnetos, etc – e os ascendentes – pais, avós, bisavós, etc), só poderiam fazer testamento relativamente à metade do seu patrimônio (que no futuro seria a sua herança), já que deveria guardar a outra metade para esses herdeiros necessários. Pois bem: a lei nova também escreve a mesma regra, quer dizer, também exige que se guarde metade dos bens para os herdeiros necessários, se por acaso alguém quiser fazer testamento a favor de outros. Só que, agora, o rol de pessoas que constituem essa categoria (herdeiros necessários) ampliou e passou a brigar, também, o cônjuge. Então, agora, quem for casado (qualquer regime de bens), só poderá fazer testamento se mantiver, fora dele, a metade de seu acervo patrimonial de bens, reservando-o para os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge). A inovação é boa no sentido de garantir uma maior proteção – âmbito hereditário – ao cônjuge, uma vez que foi razoavelmente comum encontrarmos testamentos de pessoas que não tinham descendentes nem ascendentes, a favor de terceiros, desprestigando completamente a pessoa do cônjuge. Ao contrário do que pensam alguns, não vejo esse dispositivo como uma nova versão do golpe do baú, mas vejo como um benefício a favor do companheiro de vida, o cônjuge.
h) a inserção de regras mais maleáveis e incentivadoras à elaboração de testamentos;
Significa exatamente isso: o novo Código tem regras menos duras, menos rigorosas para a elaboração de testamentos, como por exemplo, entre outras, a diminuição sensível do número de testemunhas (de 5 ou mais, para duas, na maior parte das vezes). Na minha opinião a providência é boa, para incentivar mais o brasileiro a fazer testamentos, dando azo à sua vontade, no endereçamento dos bens, após a sua morte, o que é sempre bom. No Brasil não temos o hábito de fazer testamento, até memo porque parece que o brasileiro tem verdadeiro horror de todas as manifestações, jurídicas ou não, que se relacionem com a morte (exemplo, além de testamento, autorização para doação de órgãos, compra antecipada de sepultura, seguro de vida, etc). Pensam que atrai a morte!! ... risos...
i) a redução da faixa etária em prol da maioridade civil;
Sou completamente a favor. O nosso jovem, na sociedade atual, tem todos os atributos específicos da responsabilidade incorporados, não havendo necessidade de se os considerar, mais, como incapazes para certos atos da vida civil. Prova disso é que dirigem, elegem presidente da República, podem ser votados, respondem pelos crimes que praticam, tudo antes de chegarem à faixa etária dos 21 anos.
Eu disse ao meu filho caçula (20) que ele dormiu menor e acordou maior, no dia 11 de janeiro, e ele me olhou longamente e disse: “Ah, é!!”. Nada mudou, no dia-a-dia, salvo o fato que ele pode realizar certos atos da vida privada sem depender mais da autorização dos pais, como contratar e casar.
j) a re-nomeação do poder-dever dos pais sobre os filhos para ‘poder familiar’, exercido igualmente por qualquer dos pais;
O fato de as responsabilidades acerca dos filhos ser compartilhada, atualmente, e sem nenhuma distinção, pelo pai e pela mãe, levou o legislador a re-nomear esse poder, para deixar de dizer pátrio poder, dizendo agora poder familiar. Boa providência, embora não se aprecie, no meio jurídico, a utilização da palavra poder, que parece ter uma carga de direitos muito maior do que a correspondente carga de deveres, o que absolutamente não é verdadeiro.
k) a redução do prazo para adquirir a propriedade de bens pela via do usucapião e a incorporação de regras constitucionais que admitem o usucapião fundado em razão ligada à funcionalidade social;
A propriedade dos bens (imóveis, principalmente) pode acontecer, entre outras formas, pela via do usucapião. Trata-se de um modo de adquirir que não leva em conta o pagamento de preço (como na compra e venda), nem a transmissão hereditária (como no caso de passar de pai para filho, por morte daquele), mas sim de transmissão compulsória (é o juiz quem determina, atendendo a pedido da parte) do proprietário que não zela pelo que é seu para outra pessoa, que dá à propriedade a função social que lhe é inerente. Bem, esse traço de socialidade e de funcionalidade que se estampa na aquisição por usucapião, justifica plenamente o fato do novo legislador ter diminuído ainda mais o prazo para que isso possa acontecer. A história legislativa brasileira demonstra que este prazo tem sido reduzido de modo paulatino, mas constante, o que ratifica esse aspecto de relvância social do usucapião.
l) a adoção de uma maior objetivação para a imputação da responsabilidade civil, em casos de danos sofridos, bem como a inclusão de autorização ao juiz para mensurar o valor da indenização com base na eqüidade.
No ambiente da responsabilidade civil, cada vez mais se tem deixado a difícil (às vezes impossível) análise da culpa de quem produziu o dano, para só depois de provada, atribuir ao causador o dever de indenizar a vítima, para traçar regras de maior objetivação, as quais têm por escopo fundamental (também de caráter e âmbito social) a preocupação primordial de não deixar a vítima sem a sua justa indenização. O novo Código vai acompanhando essa tendência, desviando o foco de atenção para a vítima (como deve ser, meu Deus!), retirando da pessoa do causador do dano (especialmente pela ampla possibilidade que este sempre teve de se “safar” de indenizar, pela grande dificuldade, em certos casos, da vítima conseguir provar a culpa do causador do prejuízo. Parabéns ao Código, por isso. Inovador, moderno, procurando se emparelhar com os códigos mais modernos de todo o mundo.
Quanto à fixação do montante de indenização, na sentença condenatória final, o juiz, pela lei anterior, tinha pouquíssima possibilidade de mensurar caso a caso, conforme o contorno e as especificidades de cada situação. Hoje o novo Código confere essa salutar ampliação de poderes ao julgador, permitindo que ele fixe a quantia com base na eqüidade, levando em conta as circunstâncias típicas de cada caso e não tratando todos os casos como se fosse uma coisa só. No meu entender, esse é um dos mais altos e positivos momentos de transformação da nova Lei Civil brasileira, em face do perfil de humanização que permite seja registrada na sentença, pela participação mais pessoalizada do julgador, a partir de sua convicção, seu bom senso, seu senso de justiça e, principalmente, sua responsabilidade.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM