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Pensão alimentícia entre cônjuges e o conceito de necessidade
1. Introdução 2. A igualdade 3. Os alimentos 4. O dever de alimentos e o dever de socorro 5. Rendimentos da mulher 6. A necessidade 7. A transpessoalidade na pretensão alimentária 7.1 Motivações afetivas 7.2 Motivações econômicas 8. A dignidade da pessoa humana 9. A interpretação sistemática do Direito 10. A hermenêutica do art. 1694 do Código Civil: a necessidade, a aptidão para o trabalho e a disponibilidade para o trabalho 11. Os perfis da atualidade 12. Conclusão 13. Bibliografia
1. Introdução
Historicamente, no mundo, a mulher foi tratada como ser inferior ao homem, menos dotada e olhada com compaixão. Com relação a direitos, os que lhe foram sendo concedidos vieram quase como esmola. Também historicamente, a mulher manifestou tendência a se submeter a essa situação, acomodando-se à posição de inferioridade.
Age dessa forma mais provavelmente por comodismo; possivelmente por receio; o que não se aceita como justificativa de sua subserviência é a ignorância. A mulher se acostumou a uma situação de dependência com relação ao homem, a não ter iniciativa própria, a ser subordinada. Por muito tempo foi considerada como uma "coisa", propriedade do homem, do marido, do companheiro. A conscientização de seu efetivo valor faz parte de um processo lento, e por certo levará décadas .
Acomodadas a essa situação, ainda hoje mulheres hesitam em sair de casa, enfrentar o mercado de trabalho. Entre permanecer nos limites de seu lar, sem maiores compromissos com o mundo, ou enfrentar um dia de trabalho fora de casa, significativa parcela feminina opta pela primeira alternativa.
Muitas já obtiveram êxito na busca da igualdade entre os sexos. Outras ainda estão subjugadas aos homens por razões culturais, familiares, econômicas ou sociais. O Brasil é um país heterogêneo, com múltipla formação étnica, e profundos contrastes culturais, sociais e econômicos, e também de enorme dimensão continental, o que resulta em costumes e comportamentos diversificados.
Em nome da igualdade, e em busca de um lugar na sociedade, mulheres reivindicam postos e cargos que podem conquistar com seu próprio esforço, mas que no final lhe são concedidos como um pagamento por dívidas do passado, uma compensação. Em nome de uma alegada igualdade, vagas lhe são asseguradas nas empresas, estabelecendo-se uma verdadeira reserva de mercado a seu favor, não porque sejam mais capazes, mas simplesmente porque são mulheres.
A efetiva e real igualdade de gênero, não raro, é interpretada de forma equivocada na doutrina e até mesmo por alguns Tribunais: ou tudo é negado para a mulher - sob o argumento de que afinal, ela é igual ao homem em direitos -, ou tudo lhe é concedido - porque ela já foi muito sacrificada e este é o momento histórico de serem reparadas as injustiças do passado.
Ao se submeter à humilhante situação de dependência, de coisificação, a mulher está, ela mesmo, abrindo mão de sua própria dignidade, situação que se agrava quando ela é abandonada pelo marido, "trocada por outra", desprezada. Então, já esquecida da dignidade perdida no passado, não hesita em lançar mão de todos os meios a seu alcance para atingir o homem causador de sua desgraça. E sua vingança é materializada com o pedido de alimentos contra o homem que a abandonou. Se tem filho com esse homem, a situação se torna mais fácil para ela. Vale-se do nome do filho. Utiliza o filho. Elenca necessidades, nem todas reais. Exagera no rol para encobrir e suprir as suas próprias necessidades. Vale-se da representatividade legal decorrente da guarda do filho, usa de má-fé, e abusa do direito que a lei lhe concede, litigando sob o nome do filho para buscar sustento para si própria.
Felizmente, a situação não é generalizada. No entanto, existe, mas não costuma ser objeto de análise, talvez porque politicamente incorreta, provocando uma situação constrangedora, principalmente para quem a expõe! Mas, se está posta na sociedade, deve ser enfrentada, analisada, criticada, com o auxílio de áreas afins, como a Psicologia, a Psiquiatria e a Sociologia, num verdadeiro trabalho interdisciplinar.
As infelizes exceções existentes não devem levar à estereotipação da figura feminina. Paralelamente às mulheres que preferem ser sustentadas toda uma vida por ex-maridos, existem as trabalhadoras, lutadoras, guerreiras, que honram e dignificam o gênero feminino.
A monoparentalidade leva as mulheres que não têm a seu lado um marido ou companheiro a se lançar no mercado de trabalho para sustentar os filhos. Porém, quando a mulher não quer ou não pode trabalhar, pede para o pai dos filhos. O problema de ordem econômica que decorre dessa situação é grave. Quando são abandonadas pelos pais de seus filhos, são tomadas de surpresa pela nova realidade. Até então, ficavam no lar, sem qualquer qualificação para o trabalho, cuidando das lides domésticas, lavando as roupas, limpando a casa, e guardando pela situação moral e administrativa da família, como auxiliar do chefe da sociedade conjugal.
Há que distinguir a mulher que realmente necessita dos alimentos, da que está somente a reivindicá-los como instrumento de vingança ou por mera comodidade. O § 1º do art. 1694 do novo Código Civil determina que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Impõe-se dimensionar, hoje, o conceito de necessidade, fazer uma releitura do conceito, valendo-se da interpretação sistemática do direito para uma adequada hermenêutica, distinguindo aptidão para o trabalho de disponibilidade para o trabalho.
2. A igualdade
Em busca da verdadeira igualdade, por vezes são praticadas injustiças.
A igualdade absoluta é aritmética, mecânica, implica nivelamento, e contraria a natureza das coisas e do ser humano, pois os indivíduos se apresentam de forma diversa, tanto no plano físico como no intelectual. Inteligência, caráter, e aptidões não são iguais. A legislação distingue entre homem e mulher, brasileiros e estrangeiros, governantes e governados; trata diversamente magistrados e jurisdicionados, funcionários públicos civis e militares; difere o credor e o devedor, o proprietário e terceiros, pais e filhos, capazes e incapazes - e muitos outros.
A igualdade relativa pode ser considerada a verdadeira igualdade. Também denominada proporcional, geométrica ou orgânica, é o contrário da absoluta, pois leva em conta a diversidade do ser humano, suas diferentes capacidades, aptidões, habilidades. É a igualdade pregada por Aristóteles e Rui Barbosa, quando ensinam que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
A aplicação da igualdade exterior pelo ordenamento jurídico, tratando igualmente os desiguais, resulta na verdadeira desigualdade.
A igualdade adotada na Constituição Federal foi a relativa, proporcional , pois o texto contém inúmeras distinções e discriminações entre os mais variados indivíduos.
3. Os alimentos
Luiz Edson Fachin entende os alimentos como prestações para a satisfação das necessidades de quem não pode provê-las por si. Yussef Cahali e Orlando Gomes limitam as necessidades em vitais. Lourenço Mário Prunes conceitua alimentos como “a prestação fornecida por uma pessoa a outra, para que atenda às necessidades da vida, podendo compreender comida, bebida, teto para morar, cama para dormir, medicamentos, cuidados médicos, roupas, enxoval, educação, e instrução, etc., sendo proporcionada no geral em dinheiro, cujo "quantum" corresponde às utilidades mas podendo igualmente ser fornecido em espécie."
Enquanto os alimentos naturais ou necessários se referem ao que é absolutamente indispensável à vida de uma pessoa - a alimentação propriamente dita, cura, vestuário e habitação -, os alimentos civis ou côngruos abrangem necessidades não vitais, como as intelectuais e morais, esporte e lazer, podendo variar conforme a posição social da pessoa necessitada. Luiz Edson Fachin afirma que na exegese estrita da expressão "necessidades vitais" há uma idéia inexata do juízo de necessidade. Pondera que não é possível viver dignamente sem a educação, mesmo que ela não seja essencial à subsistência. Há necessidades que são vitais para a sobrevivência, mesmo não o sendo do ponto de vista biológico, e por isso devem estar contidas tanto quanto possível na prestação alimentícia.
A doutrina tradicional apresenta a obrigação alimentar decorrente de leis relativas ao jus sanguinis - parentesco - e do jus matrimonii - casamento -, sem fazer qualquer menção à união estável, pois recente sua inclusão nos benefícios alimentários. Com a recepção constitucional da união estável, estendeu-se, por analogia, os alimentos decorrentes do jus matrimonii também aos resultantes da união estável.
Em 1994, a Lei nº nº 8.971 veio regulamentar os direitos dos companheiros a alimentos e à sucessão. Atualmente, os alimentos decorrem do parentesco, do casamento ou da união estável. O novo Código Civil expressamente contempla o direito a alimentos dos companheiros no artigo 1.694, ao dispor: "Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver (...)"
O dever de auxílio recíproco entre cônjuges, jus matrimonii, decorre de expressa determinação do Art. 1.566 do novo Código Civil . A separação desfaz a sociedade conjugal, mas o vínculo permanece apesar da separação, somente se extinguindo com o término do casamento. De acordo com o dispõe expressamente o Artigo 1.576 do novo Código Civil, a separação judicial põe termo aos deveres de coabitação, e fidelidade recíproca e ao regime de bens . Silencia a respeito da mútua assistência, dever recíproco elencado no novo Art. 1.566 , o que leva a concluir que ela permanece mesmo após a separação judicial, e só cessa com o divórcio, conforme o § 1º do Artigo 1.571 do Código Civil de 2002, que determina que o casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.
O casamento implica auxílio recíproco entre o casal, e não entre a mulher e a família de seu marido. Não há previsão legal de alimentos entre afins. A disposição do Artigo 1.696 do Código Civil, que possibilita o pedido de alimentos na linha reta ascendente entre parentes, não é extensivo a afins.
4. O dever de alimentos e o dever de assistência e socorro
Enquanto vige a sociedade conjugal, não se cogita na prestação de alimentos, eis que o casal tem a obrigação recíproca de prover o sustento da família. Com o término da convivência conjugal, o dever de sustento assume outra feição, materializando-se na prestação de alimentos. Com a separação, prevalecem os deveres de sustento, assistência e socorro originários do casamento, exceto em situações excepcionais.
Para os esposos, o dever de ajuda consiste na obrigação que tem cada um de proporcionar ao cônjuge tudo que seja necessário para ele viver, sendo equivalente aos alimentos: trata-se de obrigação de dar. A assistência consiste nos cuidados pessoais que devem ser dados ao cônjuge enfermo, constituindo-se em obrigação de fazer. Ajuda não se confunde com assistência.
Por ocasião do divórcio consensual, o acordo entre as partes assume as características contratuais do direito das obrigações, despindo-se do caráter alimentar propriamente dito. No entanto, o Direito de Família apresenta aspectos peculiares que o distinguem dos outros ramos do Direito, destacando-se a importância fundamental do elemento social, ético, e moral. Conforme assinala Arnold Wald , não se pode negar que os direitos de família são exercidos menos nos interesses individual e egoístico de cada um dos membros do que em favor do interesse comum da família, superior à soma dos desejos individuais dos seus membros.
O casal separado judicialmente, mas não divorciado, mantém o vínculo entre eles existente, motivo pelo qual prevalece a assistência recíproca, nos exatos termos do Artigo 1.576 .
A obrigação alimentar decorrente do “jus matrimonii”, que gera o dever de manutenção de um dos cônjuges ou conviventes para com o outro, após a dissolução do casamento ou da união estável se constitui em manutenção de um direito protetivo, no qual prepondera a figura masculina sobre a feminina. São raros os casos de que se tem notícia de maridos são pensionados por ex-mulheres: em geral, as mulheres é que são pensionadas pelos ex-maridos. Há pessoas, historicamente mulheres, que embora estejam em perfeitas condições de exercer alguma atividade laborativa para prover o seu próprio sustento, optam por permanecer dependentes de ex-maridos ou ex-companheiros, na convicção de que o ex-marido ainda é o chefe da família, o provedor perene, com o dever de sustentá-la ad infinitum. Fazem questão de se manter totalmente dependentes, como se "casamento fosse emprego, e marido órgão assistencial" . A arraigada acomodação feminina está sendo combatida pelos tribunais contemporâneos.
Os alimentos se constituem em dever de família. Não se admite que, com a dissolução do vínculo, seja mantida a mesma obrigação marital. Dissolvida a estrutura familiar, não resta mais qualquer obrigação alimentar entre os ex-esposos. O princípio da solidariedade familiar, que norteia a obrigação de prestar alimentos entre os cônjuges, rigorosamente cai por terra quando não existe mais a família formada pelo casal, quando o casamento é dissolvido pelo divórcio. Prevalece, apenas, a obrigação alimentar com relação aos filhos , expressamente determinado no Art. 1.566 inc. IV do novo Código Civil.
5. Rendimentos da mulher
Se a mulher que se separa tem rendimentos próprios suficientes para sua mantença, não há necessidade de pedir alimentos ao ex-marido.
Com o início de atividade remunerada pela mulher que recebe pensão de alimentos do ex-marido, se apresentam duas possibilidades ao alimentante: exonerar-se do encargo, na hipótese de ela ter o necessário para sua mantença, ou reduzir o valor dos alimentos alcançados, se a atividade feminina apenas lhe proporciona rendimentos que melhoram a qualidade de vida, sem serem suficientes para que ela se mantenha sozinha.
Os alimentos podem sofrer alteração em seu quantum se após sua fixação sobrevier alteração na fortuna de qualquer uma das partes, tanto de quem alcança como de quem recebe, conforme expressamente determina o Artigo 1.699 do Novo Código Civil, verbis: Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.
No entanto, existem outros elementos modificadores da fortuna de quem recebe. Os mais freqüentes são o novo casamento ou a união estável, o que não significa que com a nova união a pessoa alimentada tenha se tornado rica, mas sim que, com o casamento ou união estável, outra pessoa assumiu a responsabilidade pela mantença de seu parceiro.. Essa conclusão advém da expressa disposição do Artigo 1.708 do novo Código Civil, no sentido de cessar a obrigação alimentar em caso de novo casamento, união estável ou concubinato do credor No quotidiano, isso acontece com relação à mulher, sendo raras as situações em que o homem é o credor de alimentos.
6. A necessidade
Conforme dispõe o parágrafo 1º do Artigo 1.694 do Código Civil, os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Dessa forma, se estabelece uma das principais características da obrigação alimentar: a condicionalidade, já presente no Código Civil de 1916 no art. 400.
A variabilidade, outra das características da obrigação alimentar, tem seu fundamento legal no Artigo 1.699 do Código Civil de 2002, ao determinar que, havendo posterior mudança na fortuna de quem supre, ou na de quem recebe os alimentos, poderá o interessado requerer ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou agravação do encargo. Assim, quem fornece alimentos poderá se exonerar ou reduzir o encargo; e quem recebe poderá pleitear o aumento da pensão.
Na maioria das vezes, o conceito de necessidade tem sido auferido tão somente sob a ótica objetiva, ou seja, com caráter extrínseco. Sob esse enfoque, é suficiente comprovar que a pessoa que pede alimentos não os tem. A simples e objetiva constatação da falta dos alimentos leva à lógica conclusão de que quem não os tem, deles necessita. A situação é de falta de dinheiro ou bens necessários à mantença. Dessa forma, não se questiona o motivo pelo qual a pessoa que pede não tem: se não tem porque efetivamente não pode ter, ou se não tem porque não quer buscá-los por si própria. A pessoa alimentada prefere receber os alimentos de terceiros do que provê-los por si. Assim, a necessidade, considerada tão somente em seu sentido denotativo, pode gerar situações de injustiça, encobertando posturas subjetivas de comodidade ou vingança.
A jurisprudência tem se mantido fiel aos princípios da condicionalidade e da variabilidade dos alimentos, no sentido tradicional, ou seja, fazendo um exame extrínseco (objetivo ou denotativo) da situação das partes. A clássica "modificação da fortuna" é o elemento fundamental para a alteração dos alimentos, principalmente quando quem alcança pretende se exonerar ou reduzir. Afirma-se que se não houve um aumento das despesas do alimentante, ou uma expressa diminuição de sua fortuna - assim entendida sua situação econômica e patrimonial -, nem aumento na fortuna de quem está recebendo os alimentos, ou diminuição de seus gastos, não estão presentes os pressupostos para a ação revisional, sendo indeferida a pretensão de modificação de cláusula.
Habitualmente, não se fazem indagações a respeito da causa da alegada necessidade alimentar. No entanto, se faz necessária uma abordagem do conceito de necessidade sob a ótica do direito contemporâneo, considerando-se o aspecto conotativo - extrínseco - do conceito, principalmente após as diretrizes de igualdade da Constituição de 1988.
O conceito de "necessidade", embora vago, é determinável, e será composto de acordo com a situação da época, conforme o contexto social e econômico em que se insere a pretensão.
Cabe indagar os motivos pelos quais a situação da pessoa alimentada continua sem alterações. Considerando que via de regra quem recebe é a mulher, será que ela toma a iniciativa de procurar exercer alguma atividade que lhe proporcione seu próprio sustento? Ou terá ela adoecido e ficado sem condições físicas de exercer qualquer atividade remunerada, impossibilitada de ao menos executar trabalhos manuais ou culinários para vender? Ou será mais cômodo para ela não se fatigar com o trabalho, deixando que o ex-marido a sustente?
E então vem a pergunta que não quer se calar: quando a mulher representa o filho em uma ação de alimentos, ela realmente atende aos interesses do filho? Ela está demandando em nome do filho e efetivamente expondo as necessidades dele? Ou está se valendo da pessoa do filho como instrumento para deduzir em Juízo as suas próprias necessidades - ou quem sabe nem o filho e nem ela tem necessidades, e mesmo assim ela afirma que têm?...
7. A transpessoalidade na pretensão alimentária
Em questões de Direito da Família, não há como deixar de considerar um tratamento inderdisciplinar das questões. Emoções, afetos, e inconsciente ditam comportamentos que se refletem nas questões de família. "Ficam os restos da paixão. E não há nenhuma boa razão para desprezar o poder que estes restos têm. Até porque as novas relações que eventualmente aconteçam o farão sobre os restos desta. Assim como esta também ocorre sobre os restos conservados/transformados das que a precederam. Não há ausência de história. Será um desafio à sanidade mental do ex-apaixonado conseguir encontrar um destino para estes restos que não seja usá-los exclusivamente como seu instrumento de tortura."
As questões jurídicas como alimentos, guarda e direito de visitas somente podem ser tratadas adequadamente se considerados os fatores emocionais nelas envolvidos. Freqüentemente, os filhos são utilizados como justificativa para a tomada de certas medidas legais, por meio das quais supostamente serão defendidos seus interesses.
7.1 Motivações afetivas
As uniões são movidas pelo amor. Conforme Eduardo de Oliveira Leite, “quando a discussão jurídico gira em torno das figuras marido e mulher, pais e filhos, ou simplesmente filhos, são as imagens do amor, do afeto e do sentimento que se sobrepõem em detrimento de todas as demais considerações." Ressalta ele que no Direito de Família, além dos aspectos jurídicos propriamente ditos, estão sempre presentes as dimensões axiológicas, sociológicas, fisiológicas e éticas. A realidade humana é dimensionada principalmente a partir de uma dose profunda de sensibilidade humana.
Em pactos e negócios realizados na área de Família, o subjetivo dita o comportamento, diferentemente dos outros "contratos" em que as expectativas estão mais claras e melhor expressas. As questões patrimoniais na separação são de difícil composição; os filhos muitas vezes são usados para o casal se atacar mutuamente .
Cada um dos separados quer ser indenizado pelo prejuízo sofrido em nome do amor que acabou, e assim o dinheiro assume significações simbólicas, sendo ao mesmo tempo prêmio e castigo. O patrimônio deixa de ter seu sentido econômico, para representar perdas emocionais, e o luto pelo afeto que se foi.
Com o término da relação do casal, a guarda dos filhos geralmente fica com a mãe. Não se trata de regra absoluta, principalmente nos dias de hoje, mas pela própria formação mais tradicional das famílias, os homens, até pouco tempo atrás, não costumavam lutar pela guarda dos filhos, concordando desde logo que ficassem com a mulher. Hoje, a situação está modificando seus contornos. Mas, mesmo assim, ainda prepondera, significativamente, a guarda materna sobre a paterna.
Quando o pai reivindica a guarda do filho, muitas vezes busca tirá-lo da casa materna ou porque a ex-mulher voltou a casar, ou porque ele quer se livrar do encargo da pensão de alimentos para o filho. Na primeira hipótese, vê-se agredido em sua condição de "posseiro" da mulher e também do filho: não suporta a idéia de outro homem conviver com a sua mulher e com o seu filho! No segundo caso, não se trata de nenhuma manifestação de afeto pelo filho, mas apenas interesse econômico em se livrar do pagamento da pensão de alimentos.
Por outro lado, há situações diametralmente opostas, que ocorrem quando a mulher pretende vingança por causa do comportamento do marido. Nesse caso, se a separação foi proposta pelo homem, a mulher perde o marido, mas fica com um trunfo nas mãos: o filho, um pedaço do marido, um prolongamento dele, objeto de seu amor e seu ódio; "(...) uma parte predominante do outro, depreciado e temido" E esse filho será o seu instrumento, ao mesmo tempo sua arma e seu escudo, o meio utilizado para que ela possa falar, lutar, agredir - através dele .
Usando a pessoa, o nome e a representatividade do filho, a mulher transcende a sua própria individualidade, e ultrapassa a individualidade do filho para chegar até o objeto de seu desejo e ódio: o homem que a abandonou, que a trocou por outra; o pai do seu filho. A criança, sem Ter a mínima noção do que está acontecendo entre os pais, e muito menos sem o consentir, emprestará compulsoriamente seu nome para que a mãe litigue em ação de alimentos. A criança pouco ou nada quer do pai, e não necessita de todo o elenco de bens materiais que a mãe descreveu como sendo as suas necessidades. Necessita, sim, mais do que tudo, do amor do pai.
Em situações dessa espécie, seguidamente a mãe coloca o filho contra o pai, sob a falsa afirmação de que o pai não o ama e não se interessa por ele. Em seu ódio, ela incita o filho contra o pai. Quer que ele acredite que apenas ela, a mãe, sente verdadeiro amor por ele, apesar de ter sido abandonada e desprezada pelo homem que trocou sua família por outra. O filho se torna mero instrumento de vingança da mãe para atingir o ex-marido, o ex-companheiro, ou o ex-amante porque aquele homem negou a ela o amor, a companhia, e talvez também o sustento. E tem início uma luta mascarada, e desigual, na qual a criança é arma e escudo. A mulher quer purgar suas mágoas. O filho, que deveria ser preservado, mantido fora da questão pessoal dos pais, se torna a maior vítima da guerra deflagrada.
Cega com o fim da paixão, a mulher se aproveita de uma possibilidade jurídica em decorrência de sua maternidade, de sua representatividade legal, e se utiliza de uma situação que enseja o exercício da sua vingança pessoal, ultrapassando os limites dos seus próprios direitos, e ferindo direitos do filho e do pai.
Existe estreita relação entre o Direito e a Psicanálise . A parte somente recorre ao Judiciário quando o vínculo afetivo se desfaz. A disputa pela guarda dos filhos muitas vezes é usada como objeto de vingança. Cada qual busca provar a sua verdade, negando sua própria culpa, e atribuindo ao outro a responsabilidade pelo fim da relação, pelo sonho desfeito, pela perda do objeto amoroso. Cada um busca sua absolvição, ansiando pela proclamação judicial de sua inocência. Cada qual quer o reconhecimento da responsabilidade do outro pelo fim da relação, e que lhe seja imposta uma sanção. Os fatos concretos não são levados ao Judiciário, mas sim a versão de cada um, impregnada de emotividade, o que dificulta a percepção da realidade. "... são os restos do amor que são levados ao Judiciário."
7.2 Motivações econômicas
Por vezes, utilizando-se da demanda de alimentos, valendo-se do filho como autor, cujo nome usa indevidamente, a mulher visa a melhorar sua própria situação econômica. Se o filho necessita de dois salários mínimos para sua mantença, ela reivindica quatro. Se a criança tem necessidade de cinco, ela insiste em dez. Não pensa no filho, nem defende os interesses dele. Seu objetivo maior é preservar a sua própria situação financeira e econômica. Procura para si, naquele momento, a segurança do futuro.
Eduardo de Oliveira Leite ensina que a inclusão de itens que não fazem realmente parte do quotidiano do credor, como TV a cabo, despesas com computação, escola de dança, de natação, ginástica, equitação, quase sempre é feita com vistas a acrescer o valor da dívida alimentar, numa manobra simulatória negada pela realidade do quotidiano da parte. Comprovado que o filho não gasta o valor pedido, a determinação de pensão em valor exacerbado mais se aproxima de uma sanção de ordem civil do que do deferimento de alimentos pelo caráter de necessidade contemplado no novo Artigo 1.694 do Código Civil. Conclui o Professor Eduardo de Oliveira Leite que atribuições de tais valores só podem conduzir ao parasitismo e à ergofobia.
Quando é o filho que está no pólo ativo de uma ação de alimentos, considerando que os interesses da criança se sobrepõem de forma absoluta aos interesses dos demais, o sistema jurídico de uma forma geral, e o Judiciário de forma especial, se põem em alerta para a proteção dos direitos da criança, de forma prioritária. Não é outro o ensinamento do Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina em seu Artigo 4º que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público, assegurar a efetivação dos direitos da criança e do adolescente. E com vistas à proteção do menor, que processualmente é o Autor, pode ocorrer que o sistema jurídico, como um todo, seja induzido a erro, ludibriado pela pessoa que exerce a representatividade do filho, mas não o faz de forma adequada.
A mulher se vale de sua histórica posição de inferioridade, traz à tona o jugo que se perpetuou durante séculos, e como que para se libertar, como que para vindicar os direitos que anteriormente a história e o Direito lhe negaram, ultrapassa os limites do justo, do moral e do legal. Excede o exercício de sua legítima defesa, assumindo posição de ataque.
Questiona-se até onde estão postas as verdadeiras necessidades da mulher que pretende alimentos; em que consiste a necessidade alegada; como este termo vago pode ser determinado; e onde estão os limites do direito da representante do filho.
A interpretação sistemática do direito pode auxiliar numa adequada e contemporânea conceituação de necessidade, conforme se verá a seguir.
8. Os alimentos e a dignidade da pessoa humana
De acordo com Ingo Sarlet “(...) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
A dignidade da pessoa humana deve ser preservada tanto por ela mesma, como também por terceiros. O ser humano, dotado de um valor próprio, intrínseco não pode ser transformado em objeto ou instrumento, nem por ele próprio. Na concepção de Kant, acolhida por Ingo Sarlet, a pessoa é vista como um fim, e não como um meio, e portanto não pode ser coisificada ou instrumentalizada.
É difícil conceituar a dignidade da pessoa humana, mas se torna fácil constatar quando essa dignidade é atacada, agredida, tornando-se possível identificar melhor sua ausência do que a sua presença. A dignidade se identifica com o valor próprio que identifica o ser humano como tal.
A dignidade como qualidade intrínseca da pessoa humana é irrenunciável e inalienável. Assim, quando a mulher que busca alimentos tem condições de prover o seu próprio sustento, e prefere ficar sendo mantida economicamente por ex-marido, como se fosse inferior a ele em condições de prover a sua mantença, ela está renunciando à sua própria dignidade, trocando-a por dinheiro. Prefere suplicar em juízo, atestando uma fictícia inferioridade. Insiste nessa inferioridade, cria situações para sustentar essa idéia. Submete-se à humilhação de esmolar. Sem necessitar. A pessoa humana deve se portar de forma digna, inclusive consigo mesma, embora nem todos o façam. O comportamento contrário a essa dignidade não exclui seu agente de seu reconhecimento como pessoa e da igualdade em dignidade humana.
No entanto, a dignidade da pessoa humana é atingida sempre que ela é tratado como objeto, seja pelos outros ou por ela mesma.
Quando a dignidade é violada, cumpre ao Estado, com seu poder de polícia, intervir e preservar a dignidade atingida. Mesmo que essa dignidade tenha sido ferida pelo próprio sujeito de direito. O Estado, com seu poder de polícia, através de um de seus Poderes, no caso o Judiciário, deve se manifestar expressamente face à coisificação da mulher na situação de pedido de alimentos. Utilizar o filho como instrumento de vingança ou comodidade, submeter-se a uma vexatória e inexistente situação de inferioridade, são manifestações explícitas de auto-agressão à dignidade pessoal. A forma mais eficaz de participação do Estado consiste em estimular a mulher a desenvolver a sua própria dignidade através do trabalho, que é dignificante. O exercício de atividade laborativa impede o ócio e a comodidade.
Também sob o prisma objetivo, face à dignidade de terceiro atingida, ou seja, do demandado na desnecessária e fraudulenta ação de alimentos, deve o Estado intervir. O homem, após o fim do casamento ou da união estável, não pode carregar sobre seus ombros a ex-mulher, desnecessariamente, como um peso, pelo resto de seus dias, de forma a prejudicar seu próprio crescimento, vida e lazer, impedindo o desenvolvimento de sua própria vida.
Ao mesmo tempo que o princípio da dignidade da pessoa impõe limites à atuação estatal, objetivando impedir que o poder público venha a violar a dignidade pessoal, também implica que o Estado deverá ter como meta permanente proteção, promoção e realização concreta de uma vida com dignidade para todos. A dignidade da pessoa humana constitui não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas ou humilhações, mas também a garantia positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo.
O que pode ser apontado como o ápice do fundamento doutrinário relativamente à proteção da mulher contra ela mesma, está expresso na obra de Ingo Sarlet, verbis: “Assim, percebe-se (...) que o dever de proteção imposto – e aqui estamos a nos referir especialmente ao poder público – inclui até mesmo a proteção da pessoa contra si mesma, de tal sorte que o Estado encontra-se autorizado e obrigado a intervir em face de atos de pessoas que, mesmo voluntariamente, atentem contra sua própria dignidade”.
Poderá ocorrer conflito direto entre dignidades de pessoas diversas, como o conflito entre as dignidades de quem pede os alimentos e a de quem os alcança. Torna-se, então, imperioso hierarquizar axiologicamente. A interpretação sistemática do direito, conforme ensina Juarez Freitas, vem em auxílio de uma adequada e atualizada conceituação de necessidade, conforme se verá a seguir.
9. A interpretação sistemática do direito
O juiz não é neutro: o juiz que não tem valores e diz que o seu julgamento é neutro, na verdade está assumindo valores de conservação. O juiz sempre tem valores. Toda sentença é marcada por valores. A tradição do pensamento jurídico ocidental está edificada sobre princípios da lógica formal, onde as normas são abstrações da vida social, e a aplicação da norma consiste em estabelecer a relação lógico-substantiva entre os conceitos contidos na norma e os fatos. O Direito é também e principalmente decisão axiológica ou escolha.
A lógica formal, silogística e aparentemente sistêmica parte de uma verdade sem questionar sua veracidade, sua origem e suas conseqüências, e não dá conta do fenômeno jurídico em toda sua complexidade e extensão. Quando uma mulher requer alimentos alegando "necessidade", pode ocorrer que realmente ela não tenha o dinheiro para pagar o aluguel, nem para abastecer seu carro. Nem para ir ao supermercado. No entanto, ela poderia estar trabalhando. Mas não quer trabalhar. Prefere pedir ao ex-marido. A constatação, aqui, é que a mulher, realmente tem a "falta" de alimentos, e portanto, objetivamente, extrinsecamente (sem questionar o aspecto intrínseco) se constata a sua "necessidade". No momento em que for analisada a situação sob o enfoque intrínseco, se chegará à "causa" da falta dos alimentos, o que houve para que ocorresse o resultado “falta de alimentos”: essa mulher que nada tem para viver, não tem porque não se dispôs a trabalhar para seu sustento, embora com aptidão para o trabalho.
O intérprete jurídico deve fazer as vezes de catalisador dos melhores princípios e valores de uma sociedade num dado momento histórico. Torna-se imperativa uma postura diferenciada para a solução dos novos conflitos de uma sociedade em constante mutação.
Juarez Freitas concluiu sua obra A interpretação sistemática do Direito com dez regras básicas de hermenêutica jurídica, passíveis de aplicação em todos os ramos do sistema objetivo. Interpretar é: sistematizar; hierarquizar; unificar; fundamentar; manejar o metacritério da hierarquização axiológica; sintetizar; relacionar; bem diagnosticar; concretizar a máxima justiça possível; aperfeiçoar.
10. A hermenêutica do Art. 1.694 do Código Civil: a necessidade, a aptidão para o trabalho e a disponibilidade para o trabalho
Tanto o Poder Judiciário como os doutrinadores mantiveram, por muitos anos, uma posição paternalista com relação às mulheres. De forma generalizada, eram tidas como vítimas, exploradas moral e materialmente pelos ex-maridos ou ex-companheiros. Considerada por muitas décadas a "colaboradora" do marido, com funções domésticas subalternas, e realmente discriminada e tratada como ser inferior, ainda hoje uma parcela representativa do gênero feminino se vale do estigma que acompanhou a mulher por séculos para dele auferir vantagens. Tornou-se cômodo aceitar o rótulo, e tirar partido da histórica situação de inferioridade.
Entre as diversas situações protagonizadas pelas mulheres, há a situação da mulher que não trabalhava durante o casamento ou união estável, e na separação pede alimentos. E continua a não trabalhar. Alega sempre a necessidade, o que objetivamente se constitui em uma verdade. No entanto, não exerce atividade remunerada porque não está disposta a despender nem forças nem energias: afinal, "o marido lhe deve isso" - afirmativa muito freqüente de mulheres magoadas e rancorosas, quando proposta conciliação em litígio de alimentos, e ela não demonstra a mínima intenção de transigir.
No entanto, a "dívida" alegada não é econômica, mas moral. A mulher busca compensação pecuniária pelo tempo que ficou ao lado do marido, "perdendo sua juventude". No entanto, esquece que sua permanência no estado civil de casada foi por opção própria. Era-lhe conveniente permanecer casada, sem trabalhar. Manteve a situação dessa forma porque para ela era cômodo, mesmo que posteriormente afirme que sua vida anterior se constituía em verdadeiro suplício.
Existem, também, as mulheres que permaneceram casadas ou em união estável por um curto período de tempo, e durante a união usufruíram de um elevado padrão de vida que não tinham antes. Terminada a relação, insistem em continuar na "posse do estado de casada". Não querem abrir mão do padrão de vida que o casamento lhes possibilitou. Pretendem ser mantidas nesse padrão, não por modo próprio, mas sim sendo sustentadas pelos ex-maridos ou ex-companheiros. Sua vida, antes do casamento, não comportava o elevado padrão que agora reivindicam.
Mesmo que objetivamente nada tenha se alterado, sob a ótica da hermenêutica processual houve efetiva alteração do binômio necessidade-possibilidade. Isso porque, atualmente, existem condições de uma mulher sã buscar mercado de trabalho, e se não o faz é porque não lhe convém, pois é mais cômodo continuar com a garantida fonte de renda, tendo seu ex-marido como provedor “ad infinitum”. Uma mulher jovem, sã e qualificada profissionalmente, tem aptidão para o trabalho, mas pode não ter disponibilidade para o trabalho.
O Código Civil alemão tem previsão legal minuciosa relativamente ao direito à manutenção dos alimentos após o divórcio, reafirmando os pressupostos fundamentais da pensão alimentícia. Do art. 1.569 ao 1.586, o BGB ressalta a efetiva necessidade do credor e a impossibilidade de prover sua subsistência por meio da capacidade de seu trabalho. Na Alemanha, a idade, a formação, a saúde e as aptidões do credor, a reinserção do cônjuge no mercado de trabalho, as condições de vida do casal, são critérios que cuidadosamente devem ser considerados na análise de cada caso levado ao judiciário. "O exemplo alemão (...) visualiza (...) a autonomia de ambos os cônjuges. Credor e devedor, embora, inicialmente, vinculados à obrigação alimentar, tendem, a curto ou médio prazo, a soluções definitivas, geradoras da independência e autonomia fundamentais à dignidade humana."
No direito brasileiro, são comuns as obrigações infindáveis de alimentos, que tendem a fomentar a ociosidade e injustificável parasitismo. No entanto, os tribunais estão se conscientizando da situação de dependência que certas mulheres pretendem com relação a seus ex-maridos ,alterando a tradicional interpretação do conceito de necessidade. Enquanto a mulher se mantiver inerte, sem buscar meio próprio de sustento, estará, em tese, sempre "necessitando" que outra pessoa lhe alcance o sustento. Essa necessidade, no entanto, quando decorre da inércia da mulher, de sua própria opção por não trabalhar, ou seja, quando é conseqüência de um comportamento omissivo, por acomodação à situação de dependente, não pode mais ser considerado como necessidade. Os tribunais não mais cedem facilmente às argumentações sentimentais das mulheres ociosos.
Muitas vezes os alimentos pleiteados são convenientes para a mulher, mas não necessários. É o que ocorre quando ela trabalha, seus ganhos são mais do que suficientes para o seu sustento, e ainda assim ela pretende que o ex-marido lhe alcance uma prestação periódica de alimentos.
11. Os perfis da atualidade
Compõem hoje a sociedade tanto mulheres emancipadas como mulheres submissas e dependentes de seus maridos ou companheiros. Existem mulheres que, embora reunam todos os pré-requisitos objetivos, não querem trabalhar, porque é mais cômodo ficar recebendo "pensão" do ex-marido ou ex-companheiro, e dele depender economicamente. E há as que não querem depender dos ex-maridos, mas não têm condições de exercer uma atividade remunerada.
Distinguem-se, na atualidade, três grupos do gênero feminino com características preponderantes, e perfil comum :
1ª) A mulher remanescente da fase da submissão: Tem mais idade. Seu comportamento e pensamento correspondem às gerações de até meados do século XX , antes do Estatuto da Mulher Casada (1962) e da Lei do Divórcio (1977). É submissa e não faz qualquer questionamento a respeito de sua submissão, aceitando-a como parte de sua própria essência feminina. Não exerce atividade fora do lar, dependeu sempre economicamente do homem: primeiro do pai, depois do marido, e na velhice, do filho. Sua educação foi moldada dessa forma, assumiu o comportamento de sua mãe. Cultiva as artes domésticas; se pertencente a uma classe economicamente privilegiada, toca instrumento musical, preferencialmente piano. Manifesta submissão inquestionável ao gênero masculino, embora não se iguale em comportamento às mulheres afegãs.
2ª) A mulher da fase da conscientização : Não é nem muito jovem nem idosa. É a mulher que vivenciou a transição dos costumes, as modificações do Estatuto da Mulher Casada, a Constituição de 1988. Adquiriu consciência de seus valores, de sua potencialidade e seus direitos, passou a lutar por eles, pela liberdade sexual, pela queda dos tabus; disputa lugar nas Universidades, nas empresas, ocupa postos de chefia e posições de destaque; concorre a cargos eletivos. No entanto, ainda está ligada à época cronológica na qual teve sua origem; ainda tem tabus a serem enfrentados. A ambivalência se faz presente em sua vida. Tem plenas condições de se firmar profissionalmente por seus próprios méritos, e sua capacidade já foi desenvolvida em muitos cursos e treinamentos. No entanto, acumulou títulos e diplomas, mas nem sempre chegou a exercer a profissão, ou a exerceu somente até casar. Ao se separar, precisará de um certo tempo para se inserir no mercado de trabalho. Necessita de auxílio provisório do marido ou companheiro para tomar seu próprio rumo na vida, para conseguir "andar com suas próprias pernas". Poderá ou não consegui-lo. Se o auxílio do marido for perene, ela não se sentirá sequer motivada para buscar sua auto-suficiência econômica. No entanto, se os alimentos que receber forem provisórios e progressivo-decrescentes, ela, aos poucos, será induzida positivamente a se manter por si própria.
3ª) A mulher da fase da igualdade: Jovem. Mulher pós-constituição, atualizada, consciente, instruída, que pertence a uma camada da população culturalmente esclarecida, e está inserida numa sociedade competitiva na qual disputa o mercado de trabalho em situação de igualdade com o homem. Em muitos casos, supera o homem em capacidade e desempenho. Tem a seu alcance os meios necessários para sua própria sobrevivência, sem necessitar ser mantida por marido ou companheiro. Não necessita de provedor. Ela tem condições de se auto-sustentar, e se necessário ainda garantir a manutenção do marido ou companheiro. Não precisa depender do homem. No entanto, pode ocorrer que mesmo tendo aptidão, não tenha disponibilidade para disputar o mercado de trabalho, e nesse caso sua tendência será se acomodar a uma situação de dependência parasitária. Por isso deve ser estimulada a buscar sua emancipação econômica.
12. Conclusão
Em nenhum momento as diversas situações postas devem ser tratadas de forma idêntica, pois os contextos são totalmente diversos. Cada uma das mulheres é diferente da outra, suas realidades e suas circunstâncias são diversas; elas sintetizam os litígios que hoje são levados ao Judiciário. Torna-se necessária uma interpretação sistemática do direito de cada uma delas, preponderantemente hierarquizando, fundamentando, manejando o metacritério da hierarquização axiológica, diagnosticando, para concretizar a máxima justiça possível.
Cada situação tem uma visão própria do mundo e da sociedade. Constituem-se efetivamente em classificações distintas uma das outras, mas não correspondem em absoluto a uma divisão estanque ou cronológica As peculiaridades e o contexto social, econômico e cultural em que cada mulher está inserida levam a um tratamento jurídico diferenciado. Assim, pode ocorrer que uma jovem, que por sua idade estaria inserida no terceiro grupo, apresente mentalidade, comportamento e perfil que estejam mais de acordo com as características do primeiro grupo. Ou de uma mulher na faixa dos trinta anos ter convicção de que deve ficar em casa, prestando pessoalmente os cuidados necessários aos filhos e se incumbindo das tarefas domésticas, enquanto o marido, “provedor e chefe”, vai buscar o sustento da família. Sobrevindo uma separação, por certo ela enfrentará grandes dificuldades para se inserir no mercado de trabalho. Uma mulher na faixa dos cinqüenta anos, que a princípio pertenceria à primeira fase, pode evidenciar um perfil que mais se identifique com a terceira fase, da igualdade, porque são as características da terceira que preponderam em seu comportamento. Ela teria sido pioneira há décadas passadas, quando então, diferentemente de suas contemporâneas, já trabalhava, estudava e provia seu próprio sustento. Findo o casamento, não encontrará dificuldades em se manter sozinha, apesar da idade, pois tem profissão definida, sempre trabalhou - ao contrário da outra, que apesar de seus trinta anos, se vê sozinha, sem patrimônio, sem profissão e sem emprego. Entre as duas, por certo será a mais jovem que recorrerá ao Judiciário para buscar alimentos do ex-marido.
As mulheres de faixa etária mais avançada, ao se separar ou divorciar, pelas circunstâncias, são as que, em tese, necessitarão do auxílio econômico do ex-maridos, que deverão prover seu sustento, talvez pelo resto da vida, pois na faixa dos cinqüenta anos, sem nenhuma formação profissional, sem nunca ter trabalhado, torna-se muito mais difícil - senão impossível - iniciar uma nova vida, mesmo tendo boa vontade e disponibilidade para o trabalho.
A mulher relativamente jovem, com formação profissional apenas teórica, que não trabalhava durante o casamento, deverá receber ajuda do ex-marido pelo menos nos primeiros tempos após a separação, para reunir condições de se inserir no mercado de trabalho, pois sua formação profissional já está defasada. Quando tinha condições de aplicar de imediato seus conhecimentos profissionais, o casamento e os filhos foram mais importantes naquele momento da vida familiar, e a decisão de não trabalhar por certo foi tomada em conjunto com o marido. Separada, necessita antes se atualizar, para depois enfrentar a competição do mercado de trabalho, difícil mesmo para quem está preparado.
A jovem, recém-formada, com profissão em alta e boas ofertas de trabalho, pode desde logo dispensar o auxílio do ex-marido.
Inseridas nas diversas categorias, existem as mulheres “parasitas”, que se valem do argumento de que têm necessidade de alimentos, e evocam a seu favor o texto da lei que dispõe que os alimentos devem ser concedidos na proporção da necessidade de quem pede e da possibilidade de quem alcança.
Se não é justo conceder alimentos a uma mulher cuja “necessidade” decorre da falta de vontade - disponibilidade– para trabalhar, por outro lado também não é justo negar alimentos a uma mulher que mesmo tendo profissão própria, e sendo independente, se encontra impossibilitada momentaneamente de exercer suas atividades por motivos psíquicos ou físicos.
Ocorre que justamente pela consciência da situação de parasitismo de algumas mulheres, e se dando conta de que são utilizados meios inadequados para buscar pretensos direitos, há decisões que excedem o cuidado natural e tendem ao outro extremo. Para evitar protecionismos de gênero, indistintamente algumas Cortes negam direitos alimentares a mulheres que efetivamente deles necessitam. Assim, não é reconhecido o direito a alimentos para uma profissional liberal que circunstancialmente não pode exercer suas atividades por problemas pessoais havidos. A justificativa para negar os alimentos é a igualdade entre os gêneros: a mulher tem profissão, exerce atividade remunerada (principalmente atividade liberal autônoma), é emancipada, e deve prover o seu sustento. No entanto, nessa negativa enfática, não é levado em conta que a situação é circunstancial. Existem a emancipação e a capacidade para o trabalho para aquela mulher, mas em situação de normalidade, e a situação posta no caso sub judice é eventual, fora da realidade de seu quotidiano, constituindo-se em uma exceção na vida daquela mulher. Dessa forma, em nome do princípio da igualdade, a mulher está sendo tratada, não raro, de forma equivocada.
Cada situação requer um tratamento diferenciado. Cabe ao intérprete jurídico priorizar os valores determinantes do contexto de cada uma dessas mulheres, observar os fatos que devem ser levados em consideração, e efetuar um diagnóstico seguro, de modo a concretizar a máxima justiça possível.
A efetiva necessidade de cada uma dessas mulheres deve ser posta com clareza, à luz de um conceito atualizado. Há que se distinguir necessidade decorrente da impossibilidade para o trabalho, da comodidade que vai objetivamente gerar a necessidade de ser sustentada.
Se a necessidade é decorrência de desinteresse, da inércia, da comodidade, ela se descaracteriza completamente, e não mais pode ser recepcionada como tal.
A hermenêutica jurídica, pela interpretação sistemática do direito, viabiliza os meios adequados para uma interpretação justa do conceito de necessidade, que ultrapassa os limites do objetivo, e penetra na subjetividade de cada situação, individualmente.
O tratamento a ser conferido pela Direito à mulher deve levar em conta o contexto em que ela se insere, atendendo às peculiaridades de cada situação, independentemente da fase cronológica apontada.
A aplicação do princípio da igualdade não impede que se reconheçam as desigualdades existentes. A igualdade legal não se identifica com a igualdade real.
As situações postas se abstraem do tempo: os novos princípios e as novas regras convivem com os princípios mais conservadores, de acordo com o contexto sócio-cultural em que estejam inseridas as mulheres protagonistas do litígio judicial.
A justiça é possível.
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* Juíza de Direito aposentada. Advogada. Mestre em Direito pela PUCRS. Professora de Direito Civil - Família e Sucessões - na Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul, na Faculdade de Direito da PUCRS, na Faculdade de Direito Ritter dos Reis - RS (pós-graduação). Vice-Diretora da Faculdade de Direito da PUCRS. Membro do IARGS, IBDFAM e da ABMCJ. BRASIL
1. Introdução
Historicamente, no mundo, a mulher foi tratada como ser inferior ao homem, menos dotada e olhada com compaixão. Com relação a direitos, os que lhe foram sendo concedidos vieram quase como esmola. Também historicamente, a mulher manifestou tendência a se submeter a essa situação, acomodando-se à posição de inferioridade.
Age dessa forma mais provavelmente por comodismo; possivelmente por receio; o que não se aceita como justificativa de sua subserviência é a ignorância. A mulher se acostumou a uma situação de dependência com relação ao homem, a não ter iniciativa própria, a ser subordinada. Por muito tempo foi considerada como uma "coisa", propriedade do homem, do marido, do companheiro. A conscientização de seu efetivo valor faz parte de um processo lento, e por certo levará décadas .
Acomodadas a essa situação, ainda hoje mulheres hesitam em sair de casa, enfrentar o mercado de trabalho. Entre permanecer nos limites de seu lar, sem maiores compromissos com o mundo, ou enfrentar um dia de trabalho fora de casa, significativa parcela feminina opta pela primeira alternativa.
Muitas já obtiveram êxito na busca da igualdade entre os sexos. Outras ainda estão subjugadas aos homens por razões culturais, familiares, econômicas ou sociais. O Brasil é um país heterogêneo, com múltipla formação étnica, e profundos contrastes culturais, sociais e econômicos, e também de enorme dimensão continental, o que resulta em costumes e comportamentos diversificados.
Em nome da igualdade, e em busca de um lugar na sociedade, mulheres reivindicam postos e cargos que podem conquistar com seu próprio esforço, mas que no final lhe são concedidos como um pagamento por dívidas do passado, uma compensação. Em nome de uma alegada igualdade, vagas lhe são asseguradas nas empresas, estabelecendo-se uma verdadeira reserva de mercado a seu favor, não porque sejam mais capazes, mas simplesmente porque são mulheres.
A efetiva e real igualdade de gênero, não raro, é interpretada de forma equivocada na doutrina e até mesmo por alguns Tribunais: ou tudo é negado para a mulher - sob o argumento de que afinal, ela é igual ao homem em direitos -, ou tudo lhe é concedido - porque ela já foi muito sacrificada e este é o momento histórico de serem reparadas as injustiças do passado.
Ao se submeter à humilhante situação de dependência, de coisificação, a mulher está, ela mesmo, abrindo mão de sua própria dignidade, situação que se agrava quando ela é abandonada pelo marido, "trocada por outra", desprezada. Então, já esquecida da dignidade perdida no passado, não hesita em lançar mão de todos os meios a seu alcance para atingir o homem causador de sua desgraça. E sua vingança é materializada com o pedido de alimentos contra o homem que a abandonou. Se tem filho com esse homem, a situação se torna mais fácil para ela. Vale-se do nome do filho. Utiliza o filho. Elenca necessidades, nem todas reais. Exagera no rol para encobrir e suprir as suas próprias necessidades. Vale-se da representatividade legal decorrente da guarda do filho, usa de má-fé, e abusa do direito que a lei lhe concede, litigando sob o nome do filho para buscar sustento para si própria.
Felizmente, a situação não é generalizada. No entanto, existe, mas não costuma ser objeto de análise, talvez porque politicamente incorreta, provocando uma situação constrangedora, principalmente para quem a expõe! Mas, se está posta na sociedade, deve ser enfrentada, analisada, criticada, com o auxílio de áreas afins, como a Psicologia, a Psiquiatria e a Sociologia, num verdadeiro trabalho interdisciplinar.
As infelizes exceções existentes não devem levar à estereotipação da figura feminina. Paralelamente às mulheres que preferem ser sustentadas toda uma vida por ex-maridos, existem as trabalhadoras, lutadoras, guerreiras, que honram e dignificam o gênero feminino.
A monoparentalidade leva as mulheres que não têm a seu lado um marido ou companheiro a se lançar no mercado de trabalho para sustentar os filhos. Porém, quando a mulher não quer ou não pode trabalhar, pede para o pai dos filhos. O problema de ordem econômica que decorre dessa situação é grave. Quando são abandonadas pelos pais de seus filhos, são tomadas de surpresa pela nova realidade. Até então, ficavam no lar, sem qualquer qualificação para o trabalho, cuidando das lides domésticas, lavando as roupas, limpando a casa, e guardando pela situação moral e administrativa da família, como auxiliar do chefe da sociedade conjugal.
Há que distinguir a mulher que realmente necessita dos alimentos, da que está somente a reivindicá-los como instrumento de vingança ou por mera comodidade. O § 1º do art. 1694 do novo Código Civil determina que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Impõe-se dimensionar, hoje, o conceito de necessidade, fazer uma releitura do conceito, valendo-se da interpretação sistemática do direito para uma adequada hermenêutica, distinguindo aptidão para o trabalho de disponibilidade para o trabalho.
2. A igualdade
Em busca da verdadeira igualdade, por vezes são praticadas injustiças.
A igualdade absoluta é aritmética, mecânica, implica nivelamento, e contraria a natureza das coisas e do ser humano, pois os indivíduos se apresentam de forma diversa, tanto no plano físico como no intelectual. Inteligência, caráter, e aptidões não são iguais. A legislação distingue entre homem e mulher, brasileiros e estrangeiros, governantes e governados; trata diversamente magistrados e jurisdicionados, funcionários públicos civis e militares; difere o credor e o devedor, o proprietário e terceiros, pais e filhos, capazes e incapazes - e muitos outros.
A igualdade relativa pode ser considerada a verdadeira igualdade. Também denominada proporcional, geométrica ou orgânica, é o contrário da absoluta, pois leva em conta a diversidade do ser humano, suas diferentes capacidades, aptidões, habilidades. É a igualdade pregada por Aristóteles e Rui Barbosa, quando ensinam que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
A aplicação da igualdade exterior pelo ordenamento jurídico, tratando igualmente os desiguais, resulta na verdadeira desigualdade.
A igualdade adotada na Constituição Federal foi a relativa, proporcional , pois o texto contém inúmeras distinções e discriminações entre os mais variados indivíduos.
3. Os alimentos
Luiz Edson Fachin entende os alimentos como prestações para a satisfação das necessidades de quem não pode provê-las por si. Yussef Cahali e Orlando Gomes limitam as necessidades em vitais. Lourenço Mário Prunes conceitua alimentos como “a prestação fornecida por uma pessoa a outra, para que atenda às necessidades da vida, podendo compreender comida, bebida, teto para morar, cama para dormir, medicamentos, cuidados médicos, roupas, enxoval, educação, e instrução, etc., sendo proporcionada no geral em dinheiro, cujo "quantum" corresponde às utilidades mas podendo igualmente ser fornecido em espécie."
Enquanto os alimentos naturais ou necessários se referem ao que é absolutamente indispensável à vida de uma pessoa - a alimentação propriamente dita, cura, vestuário e habitação -, os alimentos civis ou côngruos abrangem necessidades não vitais, como as intelectuais e morais, esporte e lazer, podendo variar conforme a posição social da pessoa necessitada. Luiz Edson Fachin afirma que na exegese estrita da expressão "necessidades vitais" há uma idéia inexata do juízo de necessidade. Pondera que não é possível viver dignamente sem a educação, mesmo que ela não seja essencial à subsistência. Há necessidades que são vitais para a sobrevivência, mesmo não o sendo do ponto de vista biológico, e por isso devem estar contidas tanto quanto possível na prestação alimentícia.
A doutrina tradicional apresenta a obrigação alimentar decorrente de leis relativas ao jus sanguinis - parentesco - e do jus matrimonii - casamento -, sem fazer qualquer menção à união estável, pois recente sua inclusão nos benefícios alimentários. Com a recepção constitucional da união estável, estendeu-se, por analogia, os alimentos decorrentes do jus matrimonii também aos resultantes da união estável.
Em 1994, a Lei nº nº 8.971 veio regulamentar os direitos dos companheiros a alimentos e à sucessão. Atualmente, os alimentos decorrem do parentesco, do casamento ou da união estável. O novo Código Civil expressamente contempla o direito a alimentos dos companheiros no artigo 1.694, ao dispor: "Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver (...)"
O dever de auxílio recíproco entre cônjuges, jus matrimonii, decorre de expressa determinação do Art. 1.566 do novo Código Civil . A separação desfaz a sociedade conjugal, mas o vínculo permanece apesar da separação, somente se extinguindo com o término do casamento. De acordo com o dispõe expressamente o Artigo 1.576 do novo Código Civil, a separação judicial põe termo aos deveres de coabitação, e fidelidade recíproca e ao regime de bens . Silencia a respeito da mútua assistência, dever recíproco elencado no novo Art. 1.566 , o que leva a concluir que ela permanece mesmo após a separação judicial, e só cessa com o divórcio, conforme o § 1º do Artigo 1.571 do Código Civil de 2002, que determina que o casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.
O casamento implica auxílio recíproco entre o casal, e não entre a mulher e a família de seu marido. Não há previsão legal de alimentos entre afins. A disposição do Artigo 1.696 do Código Civil, que possibilita o pedido de alimentos na linha reta ascendente entre parentes, não é extensivo a afins.
4. O dever de alimentos e o dever de assistência e socorro
Enquanto vige a sociedade conjugal, não se cogita na prestação de alimentos, eis que o casal tem a obrigação recíproca de prover o sustento da família. Com o término da convivência conjugal, o dever de sustento assume outra feição, materializando-se na prestação de alimentos. Com a separação, prevalecem os deveres de sustento, assistência e socorro originários do casamento, exceto em situações excepcionais.
Para os esposos, o dever de ajuda consiste na obrigação que tem cada um de proporcionar ao cônjuge tudo que seja necessário para ele viver, sendo equivalente aos alimentos: trata-se de obrigação de dar. A assistência consiste nos cuidados pessoais que devem ser dados ao cônjuge enfermo, constituindo-se em obrigação de fazer. Ajuda não se confunde com assistência.
Por ocasião do divórcio consensual, o acordo entre as partes assume as características contratuais do direito das obrigações, despindo-se do caráter alimentar propriamente dito. No entanto, o Direito de Família apresenta aspectos peculiares que o distinguem dos outros ramos do Direito, destacando-se a importância fundamental do elemento social, ético, e moral. Conforme assinala Arnold Wald , não se pode negar que os direitos de família são exercidos menos nos interesses individual e egoístico de cada um dos membros do que em favor do interesse comum da família, superior à soma dos desejos individuais dos seus membros.
O casal separado judicialmente, mas não divorciado, mantém o vínculo entre eles existente, motivo pelo qual prevalece a assistência recíproca, nos exatos termos do Artigo 1.576 .
A obrigação alimentar decorrente do “jus matrimonii”, que gera o dever de manutenção de um dos cônjuges ou conviventes para com o outro, após a dissolução do casamento ou da união estável se constitui em manutenção de um direito protetivo, no qual prepondera a figura masculina sobre a feminina. São raros os casos de que se tem notícia de maridos são pensionados por ex-mulheres: em geral, as mulheres é que são pensionadas pelos ex-maridos. Há pessoas, historicamente mulheres, que embora estejam em perfeitas condições de exercer alguma atividade laborativa para prover o seu próprio sustento, optam por permanecer dependentes de ex-maridos ou ex-companheiros, na convicção de que o ex-marido ainda é o chefe da família, o provedor perene, com o dever de sustentá-la ad infinitum. Fazem questão de se manter totalmente dependentes, como se "casamento fosse emprego, e marido órgão assistencial" . A arraigada acomodação feminina está sendo combatida pelos tribunais contemporâneos.
Os alimentos se constituem em dever de família. Não se admite que, com a dissolução do vínculo, seja mantida a mesma obrigação marital. Dissolvida a estrutura familiar, não resta mais qualquer obrigação alimentar entre os ex-esposos. O princípio da solidariedade familiar, que norteia a obrigação de prestar alimentos entre os cônjuges, rigorosamente cai por terra quando não existe mais a família formada pelo casal, quando o casamento é dissolvido pelo divórcio. Prevalece, apenas, a obrigação alimentar com relação aos filhos , expressamente determinado no Art. 1.566 inc. IV do novo Código Civil.
5. Rendimentos da mulher
Se a mulher que se separa tem rendimentos próprios suficientes para sua mantença, não há necessidade de pedir alimentos ao ex-marido.
Com o início de atividade remunerada pela mulher que recebe pensão de alimentos do ex-marido, se apresentam duas possibilidades ao alimentante: exonerar-se do encargo, na hipótese de ela ter o necessário para sua mantença, ou reduzir o valor dos alimentos alcançados, se a atividade feminina apenas lhe proporciona rendimentos que melhoram a qualidade de vida, sem serem suficientes para que ela se mantenha sozinha.
Os alimentos podem sofrer alteração em seu quantum se após sua fixação sobrevier alteração na fortuna de qualquer uma das partes, tanto de quem alcança como de quem recebe, conforme expressamente determina o Artigo 1.699 do Novo Código Civil, verbis: Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.
No entanto, existem outros elementos modificadores da fortuna de quem recebe. Os mais freqüentes são o novo casamento ou a união estável, o que não significa que com a nova união a pessoa alimentada tenha se tornado rica, mas sim que, com o casamento ou união estável, outra pessoa assumiu a responsabilidade pela mantença de seu parceiro.. Essa conclusão advém da expressa disposição do Artigo 1.708 do novo Código Civil, no sentido de cessar a obrigação alimentar em caso de novo casamento, união estável ou concubinato do credor No quotidiano, isso acontece com relação à mulher, sendo raras as situações em que o homem é o credor de alimentos.
6. A necessidade
Conforme dispõe o parágrafo 1º do Artigo 1.694 do Código Civil, os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Dessa forma, se estabelece uma das principais características da obrigação alimentar: a condicionalidade, já presente no Código Civil de 1916 no art. 400.
A variabilidade, outra das características da obrigação alimentar, tem seu fundamento legal no Artigo 1.699 do Código Civil de 2002, ao determinar que, havendo posterior mudança na fortuna de quem supre, ou na de quem recebe os alimentos, poderá o interessado requerer ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou agravação do encargo. Assim, quem fornece alimentos poderá se exonerar ou reduzir o encargo; e quem recebe poderá pleitear o aumento da pensão.
Na maioria das vezes, o conceito de necessidade tem sido auferido tão somente sob a ótica objetiva, ou seja, com caráter extrínseco. Sob esse enfoque, é suficiente comprovar que a pessoa que pede alimentos não os tem. A simples e objetiva constatação da falta dos alimentos leva à lógica conclusão de que quem não os tem, deles necessita. A situação é de falta de dinheiro ou bens necessários à mantença. Dessa forma, não se questiona o motivo pelo qual a pessoa que pede não tem: se não tem porque efetivamente não pode ter, ou se não tem porque não quer buscá-los por si própria. A pessoa alimentada prefere receber os alimentos de terceiros do que provê-los por si. Assim, a necessidade, considerada tão somente em seu sentido denotativo, pode gerar situações de injustiça, encobertando posturas subjetivas de comodidade ou vingança.
A jurisprudência tem se mantido fiel aos princípios da condicionalidade e da variabilidade dos alimentos, no sentido tradicional, ou seja, fazendo um exame extrínseco (objetivo ou denotativo) da situação das partes. A clássica "modificação da fortuna" é o elemento fundamental para a alteração dos alimentos, principalmente quando quem alcança pretende se exonerar ou reduzir. Afirma-se que se não houve um aumento das despesas do alimentante, ou uma expressa diminuição de sua fortuna - assim entendida sua situação econômica e patrimonial -, nem aumento na fortuna de quem está recebendo os alimentos, ou diminuição de seus gastos, não estão presentes os pressupostos para a ação revisional, sendo indeferida a pretensão de modificação de cláusula.
Habitualmente, não se fazem indagações a respeito da causa da alegada necessidade alimentar. No entanto, se faz necessária uma abordagem do conceito de necessidade sob a ótica do direito contemporâneo, considerando-se o aspecto conotativo - extrínseco - do conceito, principalmente após as diretrizes de igualdade da Constituição de 1988.
O conceito de "necessidade", embora vago, é determinável, e será composto de acordo com a situação da época, conforme o contexto social e econômico em que se insere a pretensão.
Cabe indagar os motivos pelos quais a situação da pessoa alimentada continua sem alterações. Considerando que via de regra quem recebe é a mulher, será que ela toma a iniciativa de procurar exercer alguma atividade que lhe proporcione seu próprio sustento? Ou terá ela adoecido e ficado sem condições físicas de exercer qualquer atividade remunerada, impossibilitada de ao menos executar trabalhos manuais ou culinários para vender? Ou será mais cômodo para ela não se fatigar com o trabalho, deixando que o ex-marido a sustente?
E então vem a pergunta que não quer se calar: quando a mulher representa o filho em uma ação de alimentos, ela realmente atende aos interesses do filho? Ela está demandando em nome do filho e efetivamente expondo as necessidades dele? Ou está se valendo da pessoa do filho como instrumento para deduzir em Juízo as suas próprias necessidades - ou quem sabe nem o filho e nem ela tem necessidades, e mesmo assim ela afirma que têm?...
7. A transpessoalidade na pretensão alimentária
Em questões de Direito da Família, não há como deixar de considerar um tratamento inderdisciplinar das questões. Emoções, afetos, e inconsciente ditam comportamentos que se refletem nas questões de família. "Ficam os restos da paixão. E não há nenhuma boa razão para desprezar o poder que estes restos têm. Até porque as novas relações que eventualmente aconteçam o farão sobre os restos desta. Assim como esta também ocorre sobre os restos conservados/transformados das que a precederam. Não há ausência de história. Será um desafio à sanidade mental do ex-apaixonado conseguir encontrar um destino para estes restos que não seja usá-los exclusivamente como seu instrumento de tortura."
As questões jurídicas como alimentos, guarda e direito de visitas somente podem ser tratadas adequadamente se considerados os fatores emocionais nelas envolvidos. Freqüentemente, os filhos são utilizados como justificativa para a tomada de certas medidas legais, por meio das quais supostamente serão defendidos seus interesses.
7.1 Motivações afetivas
As uniões são movidas pelo amor. Conforme Eduardo de Oliveira Leite, “quando a discussão jurídico gira em torno das figuras marido e mulher, pais e filhos, ou simplesmente filhos, são as imagens do amor, do afeto e do sentimento que se sobrepõem em detrimento de todas as demais considerações." Ressalta ele que no Direito de Família, além dos aspectos jurídicos propriamente ditos, estão sempre presentes as dimensões axiológicas, sociológicas, fisiológicas e éticas. A realidade humana é dimensionada principalmente a partir de uma dose profunda de sensibilidade humana.
Em pactos e negócios realizados na área de Família, o subjetivo dita o comportamento, diferentemente dos outros "contratos" em que as expectativas estão mais claras e melhor expressas. As questões patrimoniais na separação são de difícil composição; os filhos muitas vezes são usados para o casal se atacar mutuamente .
Cada um dos separados quer ser indenizado pelo prejuízo sofrido em nome do amor que acabou, e assim o dinheiro assume significações simbólicas, sendo ao mesmo tempo prêmio e castigo. O patrimônio deixa de ter seu sentido econômico, para representar perdas emocionais, e o luto pelo afeto que se foi.
Com o término da relação do casal, a guarda dos filhos geralmente fica com a mãe. Não se trata de regra absoluta, principalmente nos dias de hoje, mas pela própria formação mais tradicional das famílias, os homens, até pouco tempo atrás, não costumavam lutar pela guarda dos filhos, concordando desde logo que ficassem com a mulher. Hoje, a situação está modificando seus contornos. Mas, mesmo assim, ainda prepondera, significativamente, a guarda materna sobre a paterna.
Quando o pai reivindica a guarda do filho, muitas vezes busca tirá-lo da casa materna ou porque a ex-mulher voltou a casar, ou porque ele quer se livrar do encargo da pensão de alimentos para o filho. Na primeira hipótese, vê-se agredido em sua condição de "posseiro" da mulher e também do filho: não suporta a idéia de outro homem conviver com a sua mulher e com o seu filho! No segundo caso, não se trata de nenhuma manifestação de afeto pelo filho, mas apenas interesse econômico em se livrar do pagamento da pensão de alimentos.
Por outro lado, há situações diametralmente opostas, que ocorrem quando a mulher pretende vingança por causa do comportamento do marido. Nesse caso, se a separação foi proposta pelo homem, a mulher perde o marido, mas fica com um trunfo nas mãos: o filho, um pedaço do marido, um prolongamento dele, objeto de seu amor e seu ódio; "(...) uma parte predominante do outro, depreciado e temido" E esse filho será o seu instrumento, ao mesmo tempo sua arma e seu escudo, o meio utilizado para que ela possa falar, lutar, agredir - através dele .
Usando a pessoa, o nome e a representatividade do filho, a mulher transcende a sua própria individualidade, e ultrapassa a individualidade do filho para chegar até o objeto de seu desejo e ódio: o homem que a abandonou, que a trocou por outra; o pai do seu filho. A criança, sem Ter a mínima noção do que está acontecendo entre os pais, e muito menos sem o consentir, emprestará compulsoriamente seu nome para que a mãe litigue em ação de alimentos. A criança pouco ou nada quer do pai, e não necessita de todo o elenco de bens materiais que a mãe descreveu como sendo as suas necessidades. Necessita, sim, mais do que tudo, do amor do pai.
Em situações dessa espécie, seguidamente a mãe coloca o filho contra o pai, sob a falsa afirmação de que o pai não o ama e não se interessa por ele. Em seu ódio, ela incita o filho contra o pai. Quer que ele acredite que apenas ela, a mãe, sente verdadeiro amor por ele, apesar de ter sido abandonada e desprezada pelo homem que trocou sua família por outra. O filho se torna mero instrumento de vingança da mãe para atingir o ex-marido, o ex-companheiro, ou o ex-amante porque aquele homem negou a ela o amor, a companhia, e talvez também o sustento. E tem início uma luta mascarada, e desigual, na qual a criança é arma e escudo. A mulher quer purgar suas mágoas. O filho, que deveria ser preservado, mantido fora da questão pessoal dos pais, se torna a maior vítima da guerra deflagrada.
Cega com o fim da paixão, a mulher se aproveita de uma possibilidade jurídica em decorrência de sua maternidade, de sua representatividade legal, e se utiliza de uma situação que enseja o exercício da sua vingança pessoal, ultrapassando os limites dos seus próprios direitos, e ferindo direitos do filho e do pai.
Existe estreita relação entre o Direito e a Psicanálise . A parte somente recorre ao Judiciário quando o vínculo afetivo se desfaz. A disputa pela guarda dos filhos muitas vezes é usada como objeto de vingança. Cada qual busca provar a sua verdade, negando sua própria culpa, e atribuindo ao outro a responsabilidade pelo fim da relação, pelo sonho desfeito, pela perda do objeto amoroso. Cada um busca sua absolvição, ansiando pela proclamação judicial de sua inocência. Cada qual quer o reconhecimento da responsabilidade do outro pelo fim da relação, e que lhe seja imposta uma sanção. Os fatos concretos não são levados ao Judiciário, mas sim a versão de cada um, impregnada de emotividade, o que dificulta a percepção da realidade. "... são os restos do amor que são levados ao Judiciário."
7.2 Motivações econômicas
Por vezes, utilizando-se da demanda de alimentos, valendo-se do filho como autor, cujo nome usa indevidamente, a mulher visa a melhorar sua própria situação econômica. Se o filho necessita de dois salários mínimos para sua mantença, ela reivindica quatro. Se a criança tem necessidade de cinco, ela insiste em dez. Não pensa no filho, nem defende os interesses dele. Seu objetivo maior é preservar a sua própria situação financeira e econômica. Procura para si, naquele momento, a segurança do futuro.
Eduardo de Oliveira Leite ensina que a inclusão de itens que não fazem realmente parte do quotidiano do credor, como TV a cabo, despesas com computação, escola de dança, de natação, ginástica, equitação, quase sempre é feita com vistas a acrescer o valor da dívida alimentar, numa manobra simulatória negada pela realidade do quotidiano da parte. Comprovado que o filho não gasta o valor pedido, a determinação de pensão em valor exacerbado mais se aproxima de uma sanção de ordem civil do que do deferimento de alimentos pelo caráter de necessidade contemplado no novo Artigo 1.694 do Código Civil. Conclui o Professor Eduardo de Oliveira Leite que atribuições de tais valores só podem conduzir ao parasitismo e à ergofobia.
Quando é o filho que está no pólo ativo de uma ação de alimentos, considerando que os interesses da criança se sobrepõem de forma absoluta aos interesses dos demais, o sistema jurídico de uma forma geral, e o Judiciário de forma especial, se põem em alerta para a proteção dos direitos da criança, de forma prioritária. Não é outro o ensinamento do Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina em seu Artigo 4º que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público, assegurar a efetivação dos direitos da criança e do adolescente. E com vistas à proteção do menor, que processualmente é o Autor, pode ocorrer que o sistema jurídico, como um todo, seja induzido a erro, ludibriado pela pessoa que exerce a representatividade do filho, mas não o faz de forma adequada.
A mulher se vale de sua histórica posição de inferioridade, traz à tona o jugo que se perpetuou durante séculos, e como que para se libertar, como que para vindicar os direitos que anteriormente a história e o Direito lhe negaram, ultrapassa os limites do justo, do moral e do legal. Excede o exercício de sua legítima defesa, assumindo posição de ataque.
Questiona-se até onde estão postas as verdadeiras necessidades da mulher que pretende alimentos; em que consiste a necessidade alegada; como este termo vago pode ser determinado; e onde estão os limites do direito da representante do filho.
A interpretação sistemática do direito pode auxiliar numa adequada e contemporânea conceituação de necessidade, conforme se verá a seguir.
8. Os alimentos e a dignidade da pessoa humana
De acordo com Ingo Sarlet “(...) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
A dignidade da pessoa humana deve ser preservada tanto por ela mesma, como também por terceiros. O ser humano, dotado de um valor próprio, intrínseco não pode ser transformado em objeto ou instrumento, nem por ele próprio. Na concepção de Kant, acolhida por Ingo Sarlet, a pessoa é vista como um fim, e não como um meio, e portanto não pode ser coisificada ou instrumentalizada.
É difícil conceituar a dignidade da pessoa humana, mas se torna fácil constatar quando essa dignidade é atacada, agredida, tornando-se possível identificar melhor sua ausência do que a sua presença. A dignidade se identifica com o valor próprio que identifica o ser humano como tal.
A dignidade como qualidade intrínseca da pessoa humana é irrenunciável e inalienável. Assim, quando a mulher que busca alimentos tem condições de prover o seu próprio sustento, e prefere ficar sendo mantida economicamente por ex-marido, como se fosse inferior a ele em condições de prover a sua mantença, ela está renunciando à sua própria dignidade, trocando-a por dinheiro. Prefere suplicar em juízo, atestando uma fictícia inferioridade. Insiste nessa inferioridade, cria situações para sustentar essa idéia. Submete-se à humilhação de esmolar. Sem necessitar. A pessoa humana deve se portar de forma digna, inclusive consigo mesma, embora nem todos o façam. O comportamento contrário a essa dignidade não exclui seu agente de seu reconhecimento como pessoa e da igualdade em dignidade humana.
No entanto, a dignidade da pessoa humana é atingida sempre que ela é tratado como objeto, seja pelos outros ou por ela mesma.
Quando a dignidade é violada, cumpre ao Estado, com seu poder de polícia, intervir e preservar a dignidade atingida. Mesmo que essa dignidade tenha sido ferida pelo próprio sujeito de direito. O Estado, com seu poder de polícia, através de um de seus Poderes, no caso o Judiciário, deve se manifestar expressamente face à coisificação da mulher na situação de pedido de alimentos. Utilizar o filho como instrumento de vingança ou comodidade, submeter-se a uma vexatória e inexistente situação de inferioridade, são manifestações explícitas de auto-agressão à dignidade pessoal. A forma mais eficaz de participação do Estado consiste em estimular a mulher a desenvolver a sua própria dignidade através do trabalho, que é dignificante. O exercício de atividade laborativa impede o ócio e a comodidade.
Também sob o prisma objetivo, face à dignidade de terceiro atingida, ou seja, do demandado na desnecessária e fraudulenta ação de alimentos, deve o Estado intervir. O homem, após o fim do casamento ou da união estável, não pode carregar sobre seus ombros a ex-mulher, desnecessariamente, como um peso, pelo resto de seus dias, de forma a prejudicar seu próprio crescimento, vida e lazer, impedindo o desenvolvimento de sua própria vida.
Ao mesmo tempo que o princípio da dignidade da pessoa impõe limites à atuação estatal, objetivando impedir que o poder público venha a violar a dignidade pessoal, também implica que o Estado deverá ter como meta permanente proteção, promoção e realização concreta de uma vida com dignidade para todos. A dignidade da pessoa humana constitui não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas ou humilhações, mas também a garantia positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo.
O que pode ser apontado como o ápice do fundamento doutrinário relativamente à proteção da mulher contra ela mesma, está expresso na obra de Ingo Sarlet, verbis: “Assim, percebe-se (...) que o dever de proteção imposto – e aqui estamos a nos referir especialmente ao poder público – inclui até mesmo a proteção da pessoa contra si mesma, de tal sorte que o Estado encontra-se autorizado e obrigado a intervir em face de atos de pessoas que, mesmo voluntariamente, atentem contra sua própria dignidade”.
Poderá ocorrer conflito direto entre dignidades de pessoas diversas, como o conflito entre as dignidades de quem pede os alimentos e a de quem os alcança. Torna-se, então, imperioso hierarquizar axiologicamente. A interpretação sistemática do direito, conforme ensina Juarez Freitas, vem em auxílio de uma adequada e atualizada conceituação de necessidade, conforme se verá a seguir.
9. A interpretação sistemática do direito
O juiz não é neutro: o juiz que não tem valores e diz que o seu julgamento é neutro, na verdade está assumindo valores de conservação. O juiz sempre tem valores. Toda sentença é marcada por valores. A tradição do pensamento jurídico ocidental está edificada sobre princípios da lógica formal, onde as normas são abstrações da vida social, e a aplicação da norma consiste em estabelecer a relação lógico-substantiva entre os conceitos contidos na norma e os fatos. O Direito é também e principalmente decisão axiológica ou escolha.
A lógica formal, silogística e aparentemente sistêmica parte de uma verdade sem questionar sua veracidade, sua origem e suas conseqüências, e não dá conta do fenômeno jurídico em toda sua complexidade e extensão. Quando uma mulher requer alimentos alegando "necessidade", pode ocorrer que realmente ela não tenha o dinheiro para pagar o aluguel, nem para abastecer seu carro. Nem para ir ao supermercado. No entanto, ela poderia estar trabalhando. Mas não quer trabalhar. Prefere pedir ao ex-marido. A constatação, aqui, é que a mulher, realmente tem a "falta" de alimentos, e portanto, objetivamente, extrinsecamente (sem questionar o aspecto intrínseco) se constata a sua "necessidade". No momento em que for analisada a situação sob o enfoque intrínseco, se chegará à "causa" da falta dos alimentos, o que houve para que ocorresse o resultado “falta de alimentos”: essa mulher que nada tem para viver, não tem porque não se dispôs a trabalhar para seu sustento, embora com aptidão para o trabalho.
O intérprete jurídico deve fazer as vezes de catalisador dos melhores princípios e valores de uma sociedade num dado momento histórico. Torna-se imperativa uma postura diferenciada para a solução dos novos conflitos de uma sociedade em constante mutação.
Juarez Freitas concluiu sua obra A interpretação sistemática do Direito com dez regras básicas de hermenêutica jurídica, passíveis de aplicação em todos os ramos do sistema objetivo. Interpretar é: sistematizar; hierarquizar; unificar; fundamentar; manejar o metacritério da hierarquização axiológica; sintetizar; relacionar; bem diagnosticar; concretizar a máxima justiça possível; aperfeiçoar.
10. A hermenêutica do Art. 1.694 do Código Civil: a necessidade, a aptidão para o trabalho e a disponibilidade para o trabalho
Tanto o Poder Judiciário como os doutrinadores mantiveram, por muitos anos, uma posição paternalista com relação às mulheres. De forma generalizada, eram tidas como vítimas, exploradas moral e materialmente pelos ex-maridos ou ex-companheiros. Considerada por muitas décadas a "colaboradora" do marido, com funções domésticas subalternas, e realmente discriminada e tratada como ser inferior, ainda hoje uma parcela representativa do gênero feminino se vale do estigma que acompanhou a mulher por séculos para dele auferir vantagens. Tornou-se cômodo aceitar o rótulo, e tirar partido da histórica situação de inferioridade.
Entre as diversas situações protagonizadas pelas mulheres, há a situação da mulher que não trabalhava durante o casamento ou união estável, e na separação pede alimentos. E continua a não trabalhar. Alega sempre a necessidade, o que objetivamente se constitui em uma verdade. No entanto, não exerce atividade remunerada porque não está disposta a despender nem forças nem energias: afinal, "o marido lhe deve isso" - afirmativa muito freqüente de mulheres magoadas e rancorosas, quando proposta conciliação em litígio de alimentos, e ela não demonstra a mínima intenção de transigir.
No entanto, a "dívida" alegada não é econômica, mas moral. A mulher busca compensação pecuniária pelo tempo que ficou ao lado do marido, "perdendo sua juventude". No entanto, esquece que sua permanência no estado civil de casada foi por opção própria. Era-lhe conveniente permanecer casada, sem trabalhar. Manteve a situação dessa forma porque para ela era cômodo, mesmo que posteriormente afirme que sua vida anterior se constituía em verdadeiro suplício.
Existem, também, as mulheres que permaneceram casadas ou em união estável por um curto período de tempo, e durante a união usufruíram de um elevado padrão de vida que não tinham antes. Terminada a relação, insistem em continuar na "posse do estado de casada". Não querem abrir mão do padrão de vida que o casamento lhes possibilitou. Pretendem ser mantidas nesse padrão, não por modo próprio, mas sim sendo sustentadas pelos ex-maridos ou ex-companheiros. Sua vida, antes do casamento, não comportava o elevado padrão que agora reivindicam.
Mesmo que objetivamente nada tenha se alterado, sob a ótica da hermenêutica processual houve efetiva alteração do binômio necessidade-possibilidade. Isso porque, atualmente, existem condições de uma mulher sã buscar mercado de trabalho, e se não o faz é porque não lhe convém, pois é mais cômodo continuar com a garantida fonte de renda, tendo seu ex-marido como provedor “ad infinitum”. Uma mulher jovem, sã e qualificada profissionalmente, tem aptidão para o trabalho, mas pode não ter disponibilidade para o trabalho.
O Código Civil alemão tem previsão legal minuciosa relativamente ao direito à manutenção dos alimentos após o divórcio, reafirmando os pressupostos fundamentais da pensão alimentícia. Do art. 1.569 ao 1.586, o BGB ressalta a efetiva necessidade do credor e a impossibilidade de prover sua subsistência por meio da capacidade de seu trabalho. Na Alemanha, a idade, a formação, a saúde e as aptidões do credor, a reinserção do cônjuge no mercado de trabalho, as condições de vida do casal, são critérios que cuidadosamente devem ser considerados na análise de cada caso levado ao judiciário. "O exemplo alemão (...) visualiza (...) a autonomia de ambos os cônjuges. Credor e devedor, embora, inicialmente, vinculados à obrigação alimentar, tendem, a curto ou médio prazo, a soluções definitivas, geradoras da independência e autonomia fundamentais à dignidade humana."
No direito brasileiro, são comuns as obrigações infindáveis de alimentos, que tendem a fomentar a ociosidade e injustificável parasitismo. No entanto, os tribunais estão se conscientizando da situação de dependência que certas mulheres pretendem com relação a seus ex-maridos ,alterando a tradicional interpretação do conceito de necessidade. Enquanto a mulher se mantiver inerte, sem buscar meio próprio de sustento, estará, em tese, sempre "necessitando" que outra pessoa lhe alcance o sustento. Essa necessidade, no entanto, quando decorre da inércia da mulher, de sua própria opção por não trabalhar, ou seja, quando é conseqüência de um comportamento omissivo, por acomodação à situação de dependente, não pode mais ser considerado como necessidade. Os tribunais não mais cedem facilmente às argumentações sentimentais das mulheres ociosos.
Muitas vezes os alimentos pleiteados são convenientes para a mulher, mas não necessários. É o que ocorre quando ela trabalha, seus ganhos são mais do que suficientes para o seu sustento, e ainda assim ela pretende que o ex-marido lhe alcance uma prestação periódica de alimentos.
11. Os perfis da atualidade
Compõem hoje a sociedade tanto mulheres emancipadas como mulheres submissas e dependentes de seus maridos ou companheiros. Existem mulheres que, embora reunam todos os pré-requisitos objetivos, não querem trabalhar, porque é mais cômodo ficar recebendo "pensão" do ex-marido ou ex-companheiro, e dele depender economicamente. E há as que não querem depender dos ex-maridos, mas não têm condições de exercer uma atividade remunerada.
Distinguem-se, na atualidade, três grupos do gênero feminino com características preponderantes, e perfil comum :
1ª) A mulher remanescente da fase da submissão: Tem mais idade. Seu comportamento e pensamento correspondem às gerações de até meados do século XX , antes do Estatuto da Mulher Casada (1962) e da Lei do Divórcio (1977). É submissa e não faz qualquer questionamento a respeito de sua submissão, aceitando-a como parte de sua própria essência feminina. Não exerce atividade fora do lar, dependeu sempre economicamente do homem: primeiro do pai, depois do marido, e na velhice, do filho. Sua educação foi moldada dessa forma, assumiu o comportamento de sua mãe. Cultiva as artes domésticas; se pertencente a uma classe economicamente privilegiada, toca instrumento musical, preferencialmente piano. Manifesta submissão inquestionável ao gênero masculino, embora não se iguale em comportamento às mulheres afegãs.
2ª) A mulher da fase da conscientização : Não é nem muito jovem nem idosa. É a mulher que vivenciou a transição dos costumes, as modificações do Estatuto da Mulher Casada, a Constituição de 1988. Adquiriu consciência de seus valores, de sua potencialidade e seus direitos, passou a lutar por eles, pela liberdade sexual, pela queda dos tabus; disputa lugar nas Universidades, nas empresas, ocupa postos de chefia e posições de destaque; concorre a cargos eletivos. No entanto, ainda está ligada à época cronológica na qual teve sua origem; ainda tem tabus a serem enfrentados. A ambivalência se faz presente em sua vida. Tem plenas condições de se firmar profissionalmente por seus próprios méritos, e sua capacidade já foi desenvolvida em muitos cursos e treinamentos. No entanto, acumulou títulos e diplomas, mas nem sempre chegou a exercer a profissão, ou a exerceu somente até casar. Ao se separar, precisará de um certo tempo para se inserir no mercado de trabalho. Necessita de auxílio provisório do marido ou companheiro para tomar seu próprio rumo na vida, para conseguir "andar com suas próprias pernas". Poderá ou não consegui-lo. Se o auxílio do marido for perene, ela não se sentirá sequer motivada para buscar sua auto-suficiência econômica. No entanto, se os alimentos que receber forem provisórios e progressivo-decrescentes, ela, aos poucos, será induzida positivamente a se manter por si própria.
3ª) A mulher da fase da igualdade: Jovem. Mulher pós-constituição, atualizada, consciente, instruída, que pertence a uma camada da população culturalmente esclarecida, e está inserida numa sociedade competitiva na qual disputa o mercado de trabalho em situação de igualdade com o homem. Em muitos casos, supera o homem em capacidade e desempenho. Tem a seu alcance os meios necessários para sua própria sobrevivência, sem necessitar ser mantida por marido ou companheiro. Não necessita de provedor. Ela tem condições de se auto-sustentar, e se necessário ainda garantir a manutenção do marido ou companheiro. Não precisa depender do homem. No entanto, pode ocorrer que mesmo tendo aptidão, não tenha disponibilidade para disputar o mercado de trabalho, e nesse caso sua tendência será se acomodar a uma situação de dependência parasitária. Por isso deve ser estimulada a buscar sua emancipação econômica.
12. Conclusão
Em nenhum momento as diversas situações postas devem ser tratadas de forma idêntica, pois os contextos são totalmente diversos. Cada uma das mulheres é diferente da outra, suas realidades e suas circunstâncias são diversas; elas sintetizam os litígios que hoje são levados ao Judiciário. Torna-se necessária uma interpretação sistemática do direito de cada uma delas, preponderantemente hierarquizando, fundamentando, manejando o metacritério da hierarquização axiológica, diagnosticando, para concretizar a máxima justiça possível.
Cada situação tem uma visão própria do mundo e da sociedade. Constituem-se efetivamente em classificações distintas uma das outras, mas não correspondem em absoluto a uma divisão estanque ou cronológica As peculiaridades e o contexto social, econômico e cultural em que cada mulher está inserida levam a um tratamento jurídico diferenciado. Assim, pode ocorrer que uma jovem, que por sua idade estaria inserida no terceiro grupo, apresente mentalidade, comportamento e perfil que estejam mais de acordo com as características do primeiro grupo. Ou de uma mulher na faixa dos trinta anos ter convicção de que deve ficar em casa, prestando pessoalmente os cuidados necessários aos filhos e se incumbindo das tarefas domésticas, enquanto o marido, “provedor e chefe”, vai buscar o sustento da família. Sobrevindo uma separação, por certo ela enfrentará grandes dificuldades para se inserir no mercado de trabalho. Uma mulher na faixa dos cinqüenta anos, que a princípio pertenceria à primeira fase, pode evidenciar um perfil que mais se identifique com a terceira fase, da igualdade, porque são as características da terceira que preponderam em seu comportamento. Ela teria sido pioneira há décadas passadas, quando então, diferentemente de suas contemporâneas, já trabalhava, estudava e provia seu próprio sustento. Findo o casamento, não encontrará dificuldades em se manter sozinha, apesar da idade, pois tem profissão definida, sempre trabalhou - ao contrário da outra, que apesar de seus trinta anos, se vê sozinha, sem patrimônio, sem profissão e sem emprego. Entre as duas, por certo será a mais jovem que recorrerá ao Judiciário para buscar alimentos do ex-marido.
As mulheres de faixa etária mais avançada, ao se separar ou divorciar, pelas circunstâncias, são as que, em tese, necessitarão do auxílio econômico do ex-maridos, que deverão prover seu sustento, talvez pelo resto da vida, pois na faixa dos cinqüenta anos, sem nenhuma formação profissional, sem nunca ter trabalhado, torna-se muito mais difícil - senão impossível - iniciar uma nova vida, mesmo tendo boa vontade e disponibilidade para o trabalho.
A mulher relativamente jovem, com formação profissional apenas teórica, que não trabalhava durante o casamento, deverá receber ajuda do ex-marido pelo menos nos primeiros tempos após a separação, para reunir condições de se inserir no mercado de trabalho, pois sua formação profissional já está defasada. Quando tinha condições de aplicar de imediato seus conhecimentos profissionais, o casamento e os filhos foram mais importantes naquele momento da vida familiar, e a decisão de não trabalhar por certo foi tomada em conjunto com o marido. Separada, necessita antes se atualizar, para depois enfrentar a competição do mercado de trabalho, difícil mesmo para quem está preparado.
A jovem, recém-formada, com profissão em alta e boas ofertas de trabalho, pode desde logo dispensar o auxílio do ex-marido.
Inseridas nas diversas categorias, existem as mulheres “parasitas”, que se valem do argumento de que têm necessidade de alimentos, e evocam a seu favor o texto da lei que dispõe que os alimentos devem ser concedidos na proporção da necessidade de quem pede e da possibilidade de quem alcança.
Se não é justo conceder alimentos a uma mulher cuja “necessidade” decorre da falta de vontade - disponibilidade– para trabalhar, por outro lado também não é justo negar alimentos a uma mulher que mesmo tendo profissão própria, e sendo independente, se encontra impossibilitada momentaneamente de exercer suas atividades por motivos psíquicos ou físicos.
Ocorre que justamente pela consciência da situação de parasitismo de algumas mulheres, e se dando conta de que são utilizados meios inadequados para buscar pretensos direitos, há decisões que excedem o cuidado natural e tendem ao outro extremo. Para evitar protecionismos de gênero, indistintamente algumas Cortes negam direitos alimentares a mulheres que efetivamente deles necessitam. Assim, não é reconhecido o direito a alimentos para uma profissional liberal que circunstancialmente não pode exercer suas atividades por problemas pessoais havidos. A justificativa para negar os alimentos é a igualdade entre os gêneros: a mulher tem profissão, exerce atividade remunerada (principalmente atividade liberal autônoma), é emancipada, e deve prover o seu sustento. No entanto, nessa negativa enfática, não é levado em conta que a situação é circunstancial. Existem a emancipação e a capacidade para o trabalho para aquela mulher, mas em situação de normalidade, e a situação posta no caso sub judice é eventual, fora da realidade de seu quotidiano, constituindo-se em uma exceção na vida daquela mulher. Dessa forma, em nome do princípio da igualdade, a mulher está sendo tratada, não raro, de forma equivocada.
Cada situação requer um tratamento diferenciado. Cabe ao intérprete jurídico priorizar os valores determinantes do contexto de cada uma dessas mulheres, observar os fatos que devem ser levados em consideração, e efetuar um diagnóstico seguro, de modo a concretizar a máxima justiça possível.
A efetiva necessidade de cada uma dessas mulheres deve ser posta com clareza, à luz de um conceito atualizado. Há que se distinguir necessidade decorrente da impossibilidade para o trabalho, da comodidade que vai objetivamente gerar a necessidade de ser sustentada.
Se a necessidade é decorrência de desinteresse, da inércia, da comodidade, ela se descaracteriza completamente, e não mais pode ser recepcionada como tal.
A hermenêutica jurídica, pela interpretação sistemática do direito, viabiliza os meios adequados para uma interpretação justa do conceito de necessidade, que ultrapassa os limites do objetivo, e penetra na subjetividade de cada situação, individualmente.
O tratamento a ser conferido pela Direito à mulher deve levar em conta o contexto em que ela se insere, atendendo às peculiaridades de cada situação, independentemente da fase cronológica apontada.
A aplicação do princípio da igualdade não impede que se reconheçam as desigualdades existentes. A igualdade legal não se identifica com a igualdade real.
As situações postas se abstraem do tempo: os novos princípios e as novas regras convivem com os princípios mais conservadores, de acordo com o contexto sócio-cultural em que estejam inseridas as mulheres protagonistas do litígio judicial.
A justiça é possível.
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* Juíza de Direito aposentada. Advogada. Mestre em Direito pela PUCRS. Professora de Direito Civil - Família e Sucessões - na Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul, na Faculdade de Direito da PUCRS, na Faculdade de Direito Ritter dos Reis - RS (pós-graduação). Vice-Diretora da Faculdade de Direito da PUCRS. Membro do IARGS, IBDFAM e da ABMCJ. BRASIL
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