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O Afeto como Valor Jurídico
Restou cristalina na síntese dos votos dos ministros, que as relações homoafetivas são marcadas pelo amor, afeto e solidariedade. O afeto foi erigido ao seu mais alto conceito, ou seja, tornou-se balizador principal a caracterizar as relações públicas, contínuas e duradouras, com o intuito de constituir família, a partir de agora, também entre pessoas do mesmo sexo.
Importa registrar que o STF não extravasou a sua competência, invadindo a órbita do congresso Nacional, ao decidir sobre tal questão, aliás, é bom que se diga, que este sim, é que não desincumbiu-se das suas funções, ao omitir-se por muitos anos, em legislar sobre tal assunto, pois desde 1995, quando a então deputada Marta Suplicy apresentou o projeto sobre a parceria civil, que o Congresso vem se esgueirando e não foi diferente, recentemente, quando da votação do PL nº 674/07, idealizado pelo IBDFAM, denominado Estatuto das Famílias, quando, para bem de passar o projeto, teve de ser retirado os artigos que regulavam as uniões homoafetivas, pois as bancadas conservadoras e religiosas, confundem direito com valores morais particulares e religiosos, o que não deve ocorrer, tendo em vista que o Brasil é um país laico e não deve legislar, apenas, para um segmento moral e religioso, mas sim para todos os seus cidadãos, independente da sua crençae convicções religiosas.
Como ousa acontecer, na mais alta Corte do país, os princípios constitucionais foram exaustivamente analisados e traçados, com maestria, pelo ministro Carlos Ayres Britto, relator dos processos, que com clareza solar fez um cotejo entre liberdade, direito a não discriminação, solidariedade, igualdade e dignidade da pessoa.
Vale registrar a colocação do Presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso que, ao concluir a votação pediu ao Congresso que regulamente as conseqüências da decisão por meio de uma lei: "o Poder Legislativo, a partir de hoje tem que se expor e regulamentar as situações em que a aplicação da decisão da Corte seja justificada". Já o ministro relator Carlos Ayres Brittto afirmou ao final do julgamento: "A equiparação entre casais homossexuais e heterossexuais é para todos os fins e efeitos, mas o legislativo está livre para fazer o que quiser. Foi um abrir de portas para a comunidade homoafetiva, mas não um fechar de portas para o Poder Legislativo".
O ministro Luiz Fux foi categórico ao cunhar a pergunta e, ao mesmo tempo, respondê-la: "por que homossexual não pode constituir uma família? Por força de duas questões que são abominadas pela Constituição: a intolerância e o preconceito".
Esta decisão do Supremo põe fim a uma celeuma de discussões que travava-se quando a questão era as uniões homoafetivas, pois a partir de agora elas são equiparadas às uniões estáveis previstas legalmente, entre casais heterossexuais, garantindo-lhes, direito à herança, à partilha igualitária de bens, à pensão alimentícia, à dependência previdenciária, à inclusão em planos de saúde, à licença médica, dentre outros.
Este julgamento histórico vem fomentar, ainda mais, as relações multidisciplinares da família contemporânea, os quais estarão sendo discutidos no III Congresso de Família do Mercosul, nos dias 02 a 04 de junho do corrente, no auditório do Ministério Público do RS, em Porto Alegre, promovido pelo IBDFAM/RS, cujas informações podem ser obtidas através do site: www..gweventos.com.br/congressoibdfam.
Certamente este julgamento vai mudar a vida de, no mínimo, 60 mil casais homoafetivos brasileiros, segundo dados do mais recente Censo do IBGE, cidadãos que, a partir de então, deixam de fazer parte das minorias excluídas e passam a gozar de todos os direitos constitucionalmente conferidos aos casais heterossexuais.
Delma Silveira Ibias é advogada e presidente do IBDFAM/RS
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