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União homoafetiva será lei
Se é por medo ou por insegurança, não se pode saber. Mas o fato é que é difícil aceitar o diferente. Sobretudo quando o que foge do normal ou convencional é da ordem da sexualidade e diz com as relações interpessoais, o índice de rejeição e repulsa se eleva de tal forma e com força tão expressiva, que passa a ser um preconceito, um tabu.
Evidencia esse fato, por exemplo, a identificação das pessoas pela circunstância de haverem sido concebidas dentro ou fora do casamento dos genitores. Verdadeira classificação dos filhos por uma terminologia encharcada de discriminação. Daí, filhos naturais, ilegítimos, adulterinos, incestuosos, etc. Diferenciação essa que, em boa hora, foi eliminada pela Constituição Federal de 1988. Também foi essa Constituição que introduziu no Direito de Família a união estável, que a jurisprudência, com o nome de concubinato, contemplava apenas com direitos no âmbito do Direito das Obrigações, identificando como sociedade de fato o que nada mais era do que uma sociedade de afeto.
A omissão do legislador de regulamentar situações que não gozam de plena aceitação social muitas vezes se deve ao receio de desagradar seus eleitores. Mas tal constitui um verdadeiro abuso do poder de legislar. Configura uma técnica cruel a de tentar eliminar situações que uma minoria, levada pela indiferença ou pelo fanatismo, não quer ver ou insiste em rejeitar. O resultado não pode ser mais nefasto: a inexistência de legislação desencoraja os julgadores a reconhecer relações sociais que reclamam proteção jurídica. Desse modo, quer o silêncio da lei, quer o medo do Judiciário, fazem uma legião de marginalizados, oprimidos e desvalidos, pelo simples fato de viverem relações não aceitas por alguns como "certas" e "legítimas" e, por isso, carecerem de referendo legal.
Assim, apesar de hoje serem conhecidas e reconhecidas como fato social pela maioria da sociedade, as relações que merecem ser chamadas de homoafetivas, salvo raras decisões judiciais mais atentas à realidade dos fatos, acabam deixadas na invisibilidade ou na marginalidade pelo Direito brasileiro, o que não raro permite insuportável enriquecimento injusto. Sim, pois a negativa de identificar esses relacionamentos como entidade familiar faz, no caso de morte de um dos parceiros, migrar o patrimônio, amealhado na vida em comum, para as mãos de quem, muitas vezes, repudiou a orientação sexual de seu parente. Mas não é só. A mesma omissão não permite, por exemplo, assegurar sequer o direito a moradia, a pensão alimentícia ou a benefício previdenciário.
Finalmente, e felizmente, o Projeto de Lei nº 6.960, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, recentemente encaminhado à Câmara dos Deputados para retocar o novo Código Civil em alguns pontos, possibilita que os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo sejam reconhecidos como união estável, sugerindo que seja acrescentado ao Código que entrará em vigor em 10 de janeiro de 2003 o art. 1.727-A, com a seguinte redação: “As disposições contidas nos artigos anteriores (1723-1727 - que regulamentam a união estável) aplicam-se, no que couber, às uniões fáticas de pessoas capazes, que vivam em economia comum, de forma pública e notória, desde que não contrariem as normas de ordem pública e os bons costumes.”
De fato, se duas pessoas mantêm uma convivência pública, contínua e duradoura, que tenha sido estabelecida com o objetivo de constituição de família, não pode haver quem, nos dias de hoje, a não ser por puro preconceito, tenha a coragem de dizer que essa união fática contraria as normas de ordem pública e os bons costumes. Pelo que, em boa hora, foi dado um grande passo: a proposta de enlaçar com a proteção da cidadania e envolver com o manto da juridicidade quem só quer ter o direito de ser feliz, pois a ninguém é outorgado o direito de indicar um único caminho de busca da felicidade.
(*) Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.
Evidencia esse fato, por exemplo, a identificação das pessoas pela circunstância de haverem sido concebidas dentro ou fora do casamento dos genitores. Verdadeira classificação dos filhos por uma terminologia encharcada de discriminação. Daí, filhos naturais, ilegítimos, adulterinos, incestuosos, etc. Diferenciação essa que, em boa hora, foi eliminada pela Constituição Federal de 1988. Também foi essa Constituição que introduziu no Direito de Família a união estável, que a jurisprudência, com o nome de concubinato, contemplava apenas com direitos no âmbito do Direito das Obrigações, identificando como sociedade de fato o que nada mais era do que uma sociedade de afeto.
A omissão do legislador de regulamentar situações que não gozam de plena aceitação social muitas vezes se deve ao receio de desagradar seus eleitores. Mas tal constitui um verdadeiro abuso do poder de legislar. Configura uma técnica cruel a de tentar eliminar situações que uma minoria, levada pela indiferença ou pelo fanatismo, não quer ver ou insiste em rejeitar. O resultado não pode ser mais nefasto: a inexistência de legislação desencoraja os julgadores a reconhecer relações sociais que reclamam proteção jurídica. Desse modo, quer o silêncio da lei, quer o medo do Judiciário, fazem uma legião de marginalizados, oprimidos e desvalidos, pelo simples fato de viverem relações não aceitas por alguns como "certas" e "legítimas" e, por isso, carecerem de referendo legal.
Assim, apesar de hoje serem conhecidas e reconhecidas como fato social pela maioria da sociedade, as relações que merecem ser chamadas de homoafetivas, salvo raras decisões judiciais mais atentas à realidade dos fatos, acabam deixadas na invisibilidade ou na marginalidade pelo Direito brasileiro, o que não raro permite insuportável enriquecimento injusto. Sim, pois a negativa de identificar esses relacionamentos como entidade familiar faz, no caso de morte de um dos parceiros, migrar o patrimônio, amealhado na vida em comum, para as mãos de quem, muitas vezes, repudiou a orientação sexual de seu parente. Mas não é só. A mesma omissão não permite, por exemplo, assegurar sequer o direito a moradia, a pensão alimentícia ou a benefício previdenciário.
Finalmente, e felizmente, o Projeto de Lei nº 6.960, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, recentemente encaminhado à Câmara dos Deputados para retocar o novo Código Civil em alguns pontos, possibilita que os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo sejam reconhecidos como união estável, sugerindo que seja acrescentado ao Código que entrará em vigor em 10 de janeiro de 2003 o art. 1.727-A, com a seguinte redação: “As disposições contidas nos artigos anteriores (1723-1727 - que regulamentam a união estável) aplicam-se, no que couber, às uniões fáticas de pessoas capazes, que vivam em economia comum, de forma pública e notória, desde que não contrariem as normas de ordem pública e os bons costumes.”
De fato, se duas pessoas mantêm uma convivência pública, contínua e duradoura, que tenha sido estabelecida com o objetivo de constituição de família, não pode haver quem, nos dias de hoje, a não ser por puro preconceito, tenha a coragem de dizer que essa união fática contraria as normas de ordem pública e os bons costumes. Pelo que, em boa hora, foi dado um grande passo: a proposta de enlaçar com a proteção da cidadania e envolver com o manto da juridicidade quem só quer ter o direito de ser feliz, pois a ninguém é outorgado o direito de indicar um único caminho de busca da felicidade.
(*) Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.
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