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Restrições ao direito de amar
Entrou em vigor a lei nº. 12.344, sancionada pelo Presidente da República no último dia 9/12, que aumenta para setenta anos a limitação da idade para a escolha do regime de bens do casamento. Com o Código Civil Brasileiro de janeiro de 2003, este limite, que era de cinqüenta anos para mulheres e sessenta para homens, passou a ser de sessenta anos para ambos os sexos. Isto significa que homens e mulheres, acima de sessenta, e a partir desta nova lei, setenta anos, não têm a liberdade de escolher as regras econômicas de seu casamento e por analogia de sua união estável, pois só podem se unir pelo regime de separação de bens.
O fundamento e "espírito" desta proibição é evitar os chamados popularmente de "golpes-do-baú". Parte-se do pressuposto que alguém com mais de sessenta anos, e agora setenta, não tem mais a capacidade de discernir o certo ou errado e está mais vulnerável de ser enganado pelo seu pretenso cônjuge ou companheiro. "Golpes-do-baú" sempre existiram e continuarão, independentemente do regime de bens do casamento. Para essas exceções a receita é a de sempre, ou seja, em se constatando a enganação ou o engodo, o contrato de casamento pode ser desfeito ou anulado através dos instrumentos jurídicos próprios.
Esta nova lei tem o mérito de trazer à reflexão e proporcionar a importante discussão sobre os limites de intervenção do Estado na vida privada dos cidadãos, sobre a contradição da restrição à liberdade de escolha do regime de bens do casamento, sobre expectativas de herança, enfim, sobre os perigos das paixões. A partir desta nova lei, a Presidente eleita, Dilma Rousseff, se vier a se casar novamente não está mais obrigada a se casar pelo regime de separação de bens. Por outro lado, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Jose Sarney, por terem mais de 70 anos de idade continuam semi-interditados, ou seja, se vierem a se casar novamente têm restrição em sua liberdade na escolha das regras econômicas de suas novas relações amorosas.
O superior Tribunal de Justiça - STJ e alguns tribunais estaduais já haviam se posicionado pela inconstitucionalidade desta regra (art. 1641, II código civil) restritiva de liberdade individual (Recurso Especial 471.958). A contradição, e, portanto a ainda inadequação da nova lei, ao continuar impondo limite de idade para escolha do regime de bens do casamento, é flagrante se pensarmos que grande parte dos julgadores dos tribunais superiores, ocupantes de cargos no legislativo e executivo, têm mais de sessenta, e boa parte até mais de setenta anos, tomam decisões importantes para a vida econômica do país e não podem decidir sobre a economia de sua própria vida?
Paira sobre esta restrição não apenas uma inconstitucionalidade e um atentado às liberdades individuais daqueles que chegam aos setenta anos de idade e são automaticamente semi-interditados, mas principalmente o preconceito. Para o senso comum, alguém com mais de sessenta ou setenta anos de idade que estabelece uma relação amorosa com outra pessoa bem mais nova está sendo ludibriada e deve ser protegida. O preconceito está principalmente em acreditar que pessoas mais velhas não são capazes de despertar o amor e o desejo em alguém bem mais jovem. E é assim que se vai construindo historias de exclusão e expropriação da cidadania. Ainda bem que a maturidade, a segurança emocional e o próprio dinheiro podem ser outros novos elementos de atração e sedução para quem está na chamada terceira idade, já que o corpo certamente não é mais o encanto principal. Não há mal nenhum alguém ter dinheiro e isto ter se tornado um "valor agregado", para usar uma expressão do mercado econômico, que tange e conduz também o mercado erótico e amoroso.
Embora a lei seja bem intencionada, ela é tímida e perdeu uma boa oportunidade para acabar de vez com um dos resquícios de atraso do ordenamento jurídico brasileiro. Tal restrição atenta contra a liberdade individual e fere a autonomia e dignidade dos sujeitos.
Rodrigo da Cunha Pereira é Advogado, 52, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, Doutor (UFPR) e Mestre (UFMG) em Direito Civil e autor de vários artigos e livros em Direito de Família e Psicanálise
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