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A Síndrome da Alienação Parental, escudada pelo Poder Judiciário
Nos últimos cinco anos, tenho observado uma crescente demanda de ações de destituição do poder familiar, ou suspensão dos direitos de visitas, onde a autora, na maioria das vezes, é a genitora da criança/adolescente. O protagonista dessas ações (quase todas) é o pai da criança/adolescente, ao qual são imputados "atos contrários à moral e aos bons costumes".
Quando essas ações chegam ao Juízo da Vara de Família, já vêm acompanhadas de várias provas pré-constituídas. Denúncia (unilateral) ao Conselho Tutelar, boletim de ocorrência, na Delegacia do Menor, e para finalizar, toda documentação é enviada ao Ministério Público, pela própria autora das denúncias, ou em algumas das vezes, pela Delegacia do Menor.
Não raro, ocorre o oferecimento de denúncia pela Promotoria de Justiça, e o recebimento da mesma pelo Juízo Criminal.
O Juízo da Vara de Família, recebendo toda documentação, que acompanha a inicial, prontamente, suspende as visitas do genitor ao menor. Está consolidado o que a alienadora (mãe) busca: o calvário do genitor que, sem qualquer prova contundente, é penalizado ao início da demanda.
Pois bem, a Carta Magna reza: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória" (artigo 5º, inciso LVII). Mas, no Juízo da Vara de Família, a ação inicia-se penalizando o genitor e também o menor.
A tão falada síndrome de alienação parental, hoje conhecida por todos que militam na área de família, parece esquecida em situações dessa natureza. Não se indaga, não se questiona, não se produzem provas, no Juízo da Família, no primeiro momento. Penaliza-se, depois se produzem as provas. Audiências, inspeção judicial, laudos de peritos da área são realizados após genitor e criança/adolescente serem separados, pelo Juízo da causa.
E o ônus da prova? E o que dispõe o artigo 368 do Código de Processo Civil: "As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário. Parágrafo único. Quando, todavia contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato".
Nada disso tem sido observado. O que se encontra descrito e escrito pela genitora alienadora, nas provas pré-constituídas, vale por si só.
Não bastasse isso, a ação penal caminha a passos largos. O pai "autor da conduta criminosa" torna-se acusado em um processo criminal, apenado com a pena de reclusão.
O princípio maior da dignidade da pessoa humana passa a ser desrespeitado de forma abrupta. Pois bem: uma providência rápida, diligente, tem de ser feita pelo Juízo da Vara de Família, até que tudo seja dissipado.
Os julgadores não podem esquecer que um boletim de ocorrência elaborado a partir de informações unilaterais narradas pelo interessado não gera presunção iuris tantum da veracidade dos fatos narrados, mas apenas consigna as declarações unilaterais.
O Superior Tribunal de Justiça, de forma uníssona, assim decidiu: "O boletim de ocorrência não constitui prova dos fatos nele relatados, mas somente declaração unilateral".Portanto, boletim de ocorrência, denúncia ao conselho tutelar e ao Ministério Público devem ser apreciadas com reservas, pelo Juízo da Família.
Impedir o pai de estar com a criança é uma pena por demais severa, máxime sem um juízo de valor convincente, probatório.
E, embora tenham que adotar uma conduta jurisdicional ética, dentro do livre convencimento motivado, a dúvida se apresenta e traz uma tormentosa situação para o julgador da Vara de Família. Partindo da premissa que as declarações unilaterais possam ser verdadeiras, a situação exige cuidado.
A cautela é importante. E, sob esta ótica, até que o calvário do pai, dito como autor de condutas abusivas, tenha chegado ao termo, com a realização de perícias, inspeção judicial e laudos circunstanciados de psicólogos e assistentes sociais, o julgador deve adotar medidas preventivas. As visitas supervisionadas por membro da família (avó paterna, tio, etc.) ou do conselho tutelar e a imediata nomeação de peritos para acompanharem os pais e o menor, elaborando laudo circunstanciado, é importante. O contato do julgador com o menor e seus pais também é relevante.
No então exercício da Magistratura, sempre pautei pela realização de inspeções judiciais no início do processo, acompanhada do Ministério Público e de psicólogos; obtendo um juízo de valor sobre o convívio do menor com seu pai. A rápida instrução do feito, com prioridade na pauta de audiência, é medida salutar. Situações dessa natureza pedem julgamento imediato, no sentido de evitar maiores desgastes para as partes.
Doutra feita, também não podemos esquecer que "dar causa à investigação policial, de processo judicial, contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente" é denunciação caluniosa, conforme preceitua o artigo 339 do Código Penal, sendo crime de ação pública incondicionada.
O artigo acima citado é extremamente importante, juízes e promotores não podem desprezá-lo em situações dessa natureza. Quanto melhor os fatos estiverem representados nos autos, maior a possibilidade de um provimento justo.
"O que não se pode mais aceitar é a suposta vinculação do juiz civil à denominada verdade formal, prevalecendo a verdade real apenas no âmbito penal. Tais expressões incluem-se entre aquelas que devem ser banidas da ciência processual. Verdade formal é sinônimo de mentira formal, pois constituem as duas faces do mesmo fenômeno: o julgamento feito à luz de elementos insuficientes para verificação da realidade jurídico material. Aquele que não vê reconhecido o seu direito, em decorrência de um provimento injusto, passa a não crer mais na função jurisdicional" (José Roberto dos Santos Bedaque, Poderes Instrutórios do Juiz, 4ª edição, 2009, São Paulo, Editora RT).
MARIA LUIZA PÓVOA CRUZ é magistrada aposentada, presidente do Instituto Brasileiro de Família (IBDFAM-GO), professora da Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás (Esmeg)
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