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Tributação familiar e adoção educativa
A Receita Federal conferiu, recentemente, aos casais do mesmo sexo o direito de inclusão de companheiros como dependentes na declaração do IRPF, não com base em lei, mas em princípios constitucionais. Esse gesto dá mostras de efetividade do Estado democrático de Direito ao se estabelecerem políticas públicas segundo princípios. Nenhuma discordância temos com a decisão.
A tributação da família brasileira, porém, está a merecer reformas urgentes, diante das tantas mudanças sociais. Há também a relação entre solteiros e famílias, com graduação segundo a quantidade dos seus membros ("Splitting tax"). O "Roteiro para a Igualdade entre Homens e Mulheres", da União Europeia (2006), confirma, ademais, as desigualdades entre gêneros, o que pode ser mitigado por uma tributação neutra sobre as decisões íntimas e familiares.
Há, porém, casos cuja injustiça não pode esperar. Consta em lei tributária e na jurisprudência administrativa que "menor pobre, que o sujeito passivo crie e eduque, pode ser considerado dependente na Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física, desde que o declarante detenha a guarda judicial".
Tantos foram os recursos ao Carf que este sumulou a matéria, o que não fez cessar o inconformismo social com esse formalismo desmedido.
A exigência de "guarda judicial" para autorizar deduções, pela morosidade do Poder Judiciário que temos, equivale ao mesmo que negar o direito ou suprimi-lo, pelos anos de espera. Tolhe-se a ajuda solidária na formação de crianças. Desestimula-se o patrocínio de quem queira contribuir pelo afeto na formação de menores, ainda que sem "guarda judicial" e mantidos com suas famílias.
Evidentemente, menores, e ainda por cima pobres, não votam e não formam "grupos de pressão".
Sem educação, continuarão pobres e dominados. E o tecnicismo, que tolhe a visão da burocracia estatal ao supor que as declarações poderão ser fraudadas, justifica que seja mantida a ilusão da "guarda judicial" como um requisito e faz-nos pensar em quantos "casais" de mesmo gênero poderão ser declarados em 2011.
Os ilícitos e as práticas de desvios, porém, não podem servir de restrição a tentativas sérias e altruístas, como são ambos os casos, de realizar a redução de discriminações em nosso país.
Neste caso dos menores, várias medidas poderiam ser adotadas, como exigir dados escolares, CPF dos menores e outros. Esse é o tipo de estímulo à educação e desenvolvimento social a baixo custo, mas de um impacto social inigualável.
Espera-se, pois, que o Ministério da Fazenda possa também olhar para esse assunto pelas lentes de uma sociedade mais justa e solidária, em atenção aos objetivos constitucionais de erradicação da pobreza, mas também para assegurar a educação, respeitar a dignidade humana e proteger a criança, o adolescente e o jovem.
HELENO TAVEIRA TORRES é advogado e professor de direito tributário da Faculdade de Direito da USP.
Fonte: Artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo, Tendências e Debates, em 03/09/2010
A tributação da família brasileira, porém, está a merecer reformas urgentes, diante das tantas mudanças sociais. Há também a relação entre solteiros e famílias, com graduação segundo a quantidade dos seus membros ("Splitting tax"). O "Roteiro para a Igualdade entre Homens e Mulheres", da União Europeia (2006), confirma, ademais, as desigualdades entre gêneros, o que pode ser mitigado por uma tributação neutra sobre as decisões íntimas e familiares.
Há, porém, casos cuja injustiça não pode esperar. Consta em lei tributária e na jurisprudência administrativa que "menor pobre, que o sujeito passivo crie e eduque, pode ser considerado dependente na Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física, desde que o declarante detenha a guarda judicial".
Tantos foram os recursos ao Carf que este sumulou a matéria, o que não fez cessar o inconformismo social com esse formalismo desmedido.
A exigência de "guarda judicial" para autorizar deduções, pela morosidade do Poder Judiciário que temos, equivale ao mesmo que negar o direito ou suprimi-lo, pelos anos de espera. Tolhe-se a ajuda solidária na formação de crianças. Desestimula-se o patrocínio de quem queira contribuir pelo afeto na formação de menores, ainda que sem "guarda judicial" e mantidos com suas famílias.
Evidentemente, menores, e ainda por cima pobres, não votam e não formam "grupos de pressão".
Sem educação, continuarão pobres e dominados. E o tecnicismo, que tolhe a visão da burocracia estatal ao supor que as declarações poderão ser fraudadas, justifica que seja mantida a ilusão da "guarda judicial" como um requisito e faz-nos pensar em quantos "casais" de mesmo gênero poderão ser declarados em 2011.
Os ilícitos e as práticas de desvios, porém, não podem servir de restrição a tentativas sérias e altruístas, como são ambos os casos, de realizar a redução de discriminações em nosso país.
Neste caso dos menores, várias medidas poderiam ser adotadas, como exigir dados escolares, CPF dos menores e outros. Esse é o tipo de estímulo à educação e desenvolvimento social a baixo custo, mas de um impacto social inigualável.
Espera-se, pois, que o Ministério da Fazenda possa também olhar para esse assunto pelas lentes de uma sociedade mais justa e solidária, em atenção aos objetivos constitucionais de erradicação da pobreza, mas também para assegurar a educação, respeitar a dignidade humana e proteger a criança, o adolescente e o jovem.
HELENO TAVEIRA TORRES é advogado e professor de direito tributário da Faculdade de Direito da USP.
Fonte: Artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo, Tendências e Debates, em 03/09/2010
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