Artigos
A nova Emenda Constitucional do divórcio-é o fim da família?
A chamada "Emenda do Divórcio" foi promulgada pelo Congresso Nacional no dia 13 de julho e é resultante da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 413/05, do suplente de deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ). Com a mudança, será possível se divorciar sem a obrigatoriedade de passar por duas etapas, bastando apenas requerer a dissolução do vínculo matrimonial pelo divórcio.
Antes da aprovação da Emenda Constitucional nº 66, os casais que pretendiam se divorciar tinham duas opções: após comprovação de um ano de casados, poderiam requerer a separação judicial, sendo necessário aguardar o período de mais um ano para a conversão em divórcio. A outra alternativa era simplesmente aguardar dois anos de separação de fato para ingressar com o pedido de divórcio direto.
O divórcio foi instituído no Brasil em 1977, com a promulgação da Emenda Constitucional 09/77. Passados trinta e três anos do surgimento da lei nº 6.515/77- Lei do Divórcio, ficou claro que a dissolução do casamento não apresentava razões concretas para continuar com um sistema que mantinha o casal vinculado, ainda que contra a sua vontade.
Acreditava-se que o período de um ano de espera após a separação judicial para romper definitivamente o vínculo serviria como um tempo razoável para eventuais reconciliações, ou uma espécie de "estágio probatório" dos recém-separados. Porém, o efeito era contrário, com conseqüências nocivas àqueles que não mais desejavam manter qualquer ligação entre si. Não há justificativa plausível para que a lei mantenha juntas, ainda que no papel, pessoas que já não possuem comunhão de vida.
Muitos já advertem: será o fim da família! Mas a instituição-família não acaba, pois nasce, transforma-se e se renova. O legislador foi sensível a essa realidade assim como às grandes dificuldades envolvidas na maior parte das separações. Mais uma vez percebemos que a sensatez prevaleceu para eliminar o formalismo burocrático que marca nosso sistema judiciário, a exemplo da Lei nº 11.441/07, que instituiu a possibilidade de realizar separações, divórcios, inventários e partilhas por escritura pública.
A realidade social é a maior prova de que o afeto conquistou o lugar de protagonista nas relações familiares, sendo os sentimentos uma característica indissociável de seus membros. Estes, por sua vez, são os reais destinatários da lei, cujo escopo é garantir a dignidade de todos os integrantes da família.
Não podemos negar, por mais doloroso que seja, que o fim do casamento pode, sim, ocorrer, embora o sonho inicial seja o de viver felizes para sempre. A PEC do divórcio veio para amenizar o sofrimento e o desgaste daqueles cônjuges que desejam colocar fim ao casamento, exercendo deste modo plenamente a autonomia de sua vontade, por vezes limitada por prazos, processos desnecessários e imposição de culpas inócuas sem maior relevância para a dissolução do vínculo matrimonial.
Outros temem que o casamento sofra uma banalização. A Emenda Constitucional se concretizou para atender aos anseios e às reais necessidades dos casais que enfrentam uma separação. Devemos lembrar que, de acordo com o artigo 226 caput da Constituição Federal, a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Não importa se a família é formada pelo casamento, constituída pela união estável ou monoparental. O fato é que todas as entidades familiares gozam de proteção, inclusive a que está se desfazendo.
A propósito, vale frisar que o Estado brasileiro é laico desde o advento da República, após a edição do Decreto119-A, de 17 de janeiro de 1890, que determinou a separação entre a Igreja e o Estado. O Decreto 181, de autoria de Ruy Barbosa e promulgado no dia 24.01.1890, instituiu o casamento civil no Brasil como o único ato válido para a celebração de casamentos.
Percebe-se, portanto, que a finalidade do interstício de um ano para conversão da separação judicial em divórcio ou o transcurso de dois anos de separação de fato para o requerimento do divórcio direto perdeu sua finalidade. A incorporação desses requisitos ao texto da Lei do Divórcio foi fruto de intensas negociações entre divorcistas e anti-divorcistas, estes em sua maioria representantes de movimentos religiosos.
No estágio atual da sociedade, a família já não se reveste das mesmas características do século passado, sendo imperioso que a lei acompanhe o fato social para dar efetividade à proteção devida pelo Estado, conforme previsto no artigo 226 da Constituição Federal.
Pior é manter vínculos pelo desamor, sujeitar os filhos a disputas infindáveis e assim comprometer o desenvolvimento dos laços afetivos paterno e materno-filiais, os quais devem permanecer, a despeito da separação. Devemos lembrar que, para a maioria das pessoas, a separação judicial representa uma verdadeira via crucis e a lei apenas incentivava a perpetuação das tensões familiares que decorrem de uma ruptura. Assim, é dever do Estado assegurar as condições necessárias para o pleno exercício da autonomia de vontade das pessoas, que, escolhendo pôr fim ao casamento, devem ter a liberdade de fazê-lo sem imposições externas, preservando deste modo a sua privacidade e o direito de ser feliz.
Finalmente, o artigo 1.513 do Código Civil é claro: "É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família." Neste sentido, a intervenção somente se justifica em casos extremos, devendo a escolha pelo caminho do divórcio ser plenamente respeitada, trajetória esta que foi encurtada pela Emenda Constitucional nº 66, deixando passagem para nova busca da felicidade.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM