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Divórcio Responsável
Foi aprovada em 07/07/2010 pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional que altera as regras e princípios para as dissoluções das sociedades conjugais. Em outras palavras, o novo texto Constitucional simplificou o divórcio de casais. A partir de agora aqueles que quiserem se divorciar não precisam mais esperar dois anos de separação de fato ou um ano de separação judicial, conforme estipulava o anacrônico art. 226 § 6° da Constituição da República.
Quando foi introduzido o divórcio no Brasil, em 1977, após longas batalhas travadas com as forças religiosas e a quase "excomunhão" de seus defensores, especialmente o então Senador Nelson Carneiro, a quem devemos aquela vitória, havia várias restrições e dificuldades para que os casais se divorciassem. Era preciso aguardar cinco anos de separação de fato ou três anos para a conversão do desquite em divórcio e só se podia divorciar uma única vez. Essas moralistas restrições foram caindo por terra. Três décadas depois o deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT / BA), acolhendo sugestão do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, pôs um fim às dificuldades técnicas para se divorciar, facilitando e simplificando a vida de milhares de brasileiros.
O Estado já está oficialmente divorciado da Igreja Católica desde a Constituição de 1891. Mesmo assim, a legislação brasileira ainda é contaminada por elementos religiosos e pela interferência do Direito Canônico, que traz consigo todos os ingredientes de uma moral sexual dita civilizatória, como tão bem descreveu Freud. Os debates na Câmara dos Deputados e no Senado sobre a PEC do Divórcio, giraram em torno dos mesmos argumentos da década de setenta, ou seja, que o divórcio, tal como proposto significaria a desestabilização, fragilização e que acabaria com as famílias. Felizmente a expressa votação dos deputados e senadores traduziu um novo olhar sobre as novas famílias.
A nova estrutura do divórcio instalado no Brasil significa a vitória da ética sobre a moral, do Direito sobre a religião, do princípio da liberdade dos sujeitos de dirigirem a própria vida sem a indesejada intervenção do Estado. E, para aqueles que temem que este foi um passo a mais para destruir e desorganizar as famílias, podem se tranqüilizar. A família é indestrutível. Ela foi, é, e continuará sendo o núcleo básico e essencial da formação e estruturação dos sujeitos, e consequentemente do Estado. Divórcio não significa o fim da família, mas tão somente o fim da conjugalidade. A família agora ficara melhor, com maior liberdade dos cônjuges de estarem casados ou não.
Além de facilitar a vida dos casais e de reduzir a intervenção estatal, este novo divórcio traz dois novos paradigmas e princípios que devem nortear as relações jurídicas sobre as famílias. Ele desestimulará os eternos e tenebrosos litígios judiciais, na medida em que não há necessidade de se discutir a culpa pelo fim de casamento, um sinal de atraso do ordenamento jurídico brasileiro. Afinal, não há nenhum interesse ou ganho para as partes, ou mesmo ao Estado, pedir ao Juiz que sentencie se há inocente ou culpado pelo fim da conjugalidade. Aqueles longos e degradantes litígios só traziam malefícios para a educação dos filhos. Para aqueles que alegam que o casal precisa ter o prazo para reflexão, a nova Emenda Constitucional em nada vai alterar isto, pois os casais continuarão a ter prazos para reflexões e deverão daqui pra frente ter mais responsabilidade em suas decisões. Além disto, imprime mais responsabilidade às pessoas por suas escolhas afetivas, na medida em que não há mais o Estado controlando o tempo de duração da intimidade, do desejo e do amor entre um casal. A partir de agora teremos que substituir o discurso da culpa pelo da responsabilidade.
*Rodrigo da Cunha Pereira, é Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, Doutor em Direito Civil (UFPR) e Advogado em Belo Horizonte . IBDFAM: ibdfam@ibdfam.org.br
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