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A PEC do Divórcio e a Culpa: Impossibilidade
A PEC 28 de 2009 pretende alterar a redação do art. 226, parágrafo 6º da Constituição e serão profundas as mudanças à matéria.
Vejamos como é o texto atual e como ficará com a aprovação da proposta:
Redação atual: "§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos".
Redação da proposta: "§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio".
De início, frise-se que com a alteração fica definitivamente BANIDA DO SISTEMA A SEPARAÇÃO DE DIREITO, seja ela judicial (arts. 1571 e segs. do CC) ou extrajudicial (lei 11.441/07).
Assim sendo, com o banimento do sistema, de imediato, alguns artigos do Código Civil deverão ser lidos ignorando-se os termos "separação judicial" ou "separado judicialmente", mas, continuarão a produzir efeitos quanto a seus demais aspectos. São eles: arts. 10, 25, 792, 793, 980, 1562, 1571, parágrafo segundo, 1580, 1583, 1584, 1597, 1632, 1683, 1775 e 1831.
Já outros dispositivos estão definitivamente condenados e devem ser considerados excluídos do sistema. São eles: art. 27, I, 1571, III, 1572, 1573, 1574, 1575, 1576, 1577 e 1578.
Com a mudança constitucional e o desaparecimento do instituto da separação de direito, o divórcio será, ao lado da morte e da invalidade, a forma de se chegar ao fim do casamento (o que inclui o vínculo e a sociedade conjugal) e ele se dará de duas possíveis formas: divórcio consensual ou litigioso.
Na realidade, deve-se esclarecer que quando da extinção do casamento por divórcio será inadmissível o debate de culpa. Sim, inadmissível o debate de culpa por ser algo que apenas gera uma injustificada demora processual em se colocar fim ao vínculo.
O debate em torno da culpa impede a extinção célere do vínculo e sujeita, desnecessariamente, os cônjuges a uma dilação probatória das mais lentas e sofridas.
Ao leitor que não fique a impressão que a culpa desapareceu do sistema, ou que simplesmente se fará de conta (no melhor estilo dos contos de fada) que o cônjuge não praticou atos desonrosos contra o outro, que não quebrou com seus deveres de mútua assistência e fidelidade.
A culpa será debatida no locus adequado em que surtirá efeitos: a ação autônoma de alimentos ou eventual ação de indenização promovida pelo cônjuge que sofreu danos morais ou estéticos.
O leitor pode estar se perguntando qual é a vantagem da mudança introduzida quando da aprovação da PEC. A mudança é evidente e espetacular: o divórcio se dará de maneira célere e com um único ato (seja uma decisão judicial ou escritura pública nos casos admitidos pela Lei 11.441/07) o casamento estará desfeito e os antigos cônjuges poderão, agora, divorciados, buscar, em nova união ou casamento, a felicidade que buscaram outrora na relação que se dissolve.
Assim, se necessário, que passem anos discutindo a CULPA em uma morosa ação de alimentos ou de indenização por danos morais, mas já então livres para buscarem sua realização pessoal e felicidade.
Sim, discuta-se a culpa, mas não mais entre cônjuges (presos por um vínculo indesejado) e sim em ações autônomas, entre ex-cônjuges.
Uma questão pode ainda gerar dúvidas na doutrina: a questão da perda do sobrenome pelo cônjuge culpado. Isso porque determina o art. 1.578 do Código Civil que:
"O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III - dano grave reconhecido na decisão judicial".
Então surge a pergunta: se a culpa deixar de ser discutida na ação de separação judicial, como se dará a perda do sobrenome? Algumas ponderações, ainda que iniciais e sujeitas a críticas, devem ser feitas.
A perda do sobrenome em decorrência da culpa é algo que, em princípio, fere direito de personalidade. O direito ao nome, que conta com a proteção direta do Código Civil, e indireta na Constituição Federal (artigo 5º), não pode ser afetado em razão de seu status e de suas qualidades (irrenunciabilidade, intransmissibilidade, indisponibilidade, dentre outras) pela conduta culposa do cônjuge.
Na realidade, a perda de uso do sobrenome comporta exceções amplíssimas, exatamente para a proteção do direito de personalidade. Assim vejamos.
Não haverá perda se houver evidente prejuízo para a identificação do cônjuge culpado. É o caso de pessoas de renome que são conhecidas no meio em que trabalham ou convivem. Assim, poucas pessoas conhecem Marta Teresa Smith de Vasconcelos, mas certamente muitos conhecem Marta Suplicy, que recebeu o sobrenome a partir de seu casamento com o Senador Eduardo Suplicy em 1964. Ainda que a ex-prefeita e ministra tenha tido culpa quando do fim do casamento, poderia ela perder o direito de uso do sobrenome? O sobrenome Suplicy é dela ou apenas de seu ex-marido Eduardo? Podemos lembrar outras pessoas; Lucinha Lins (nascida Lúcia Maria Werner Vianna cujo Lins veio com o casamento compositor e cantor Ivan Lins); Lygia Fagundes Telles (que nasceu Lygia de Azevedo Fagundes e tornou-se Telles quando do casamento com o Eminente Professor e Jurista Gofredo da Silva Telles Jr no ano de 1950).
Ainda, não haverá a perda do uso do sobrenome do inocente, se houver manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida. Há casos em que o filho tem apenas o sobrenome paterno, e não o materno. Se a esposa culpada perder o direito de uso do sobrenome do marido, haveria nítida distinção o que poderia gerar eventualmente prejuízos aos filhos.
Por fim, não há perda se houver dano grave reconhecido na decisão judicial. A locução é amplíssima e a ofensa a um direito de personalidade, em meu sentir, é um dano grave.
Em resumo, o cônjuge culpado não perde o direito de usar o "sobrenome do outro", porque, na realidade, o sobrenome é seu mesmo, já que passou a integrar seu nome quando do casamento. Trata-se de nome próprio e não de terceiros. A perda do sobrenome, que revela afronta ao direito de personalidade, em decorrência da culpa é anacronismo que chegará ao fim em boa hora.
Assim, a questão do sobrenome não será obstáculo ao fim do debate da culpa em ação de extinção de vínculo conjugal.
Para concluir, entendo que o momento é de júbilo. A PEC significa a maior mudança que o Direito de Família sofre neste de Século XXI. Depois da primeira revolução que foi a aprovação da Emenda Constitucional 9 de 1977, estamos diante de uma segunda e estarrecedora revolução!
Que a culpa descanse em paz! E no lugar em que ela "merece" estar.
Vejamos como é o texto atual e como ficará com a aprovação da proposta:
Redação atual: "§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos".
Redação da proposta: "§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio".
De início, frise-se que com a alteração fica definitivamente BANIDA DO SISTEMA A SEPARAÇÃO DE DIREITO, seja ela judicial (arts. 1571 e segs. do CC) ou extrajudicial (lei 11.441/07).
Assim sendo, com o banimento do sistema, de imediato, alguns artigos do Código Civil deverão ser lidos ignorando-se os termos "separação judicial" ou "separado judicialmente", mas, continuarão a produzir efeitos quanto a seus demais aspectos. São eles: arts. 10, 25, 792, 793, 980, 1562, 1571, parágrafo segundo, 1580, 1583, 1584, 1597, 1632, 1683, 1775 e 1831.
Já outros dispositivos estão definitivamente condenados e devem ser considerados excluídos do sistema. São eles: art. 27, I, 1571, III, 1572, 1573, 1574, 1575, 1576, 1577 e 1578.
Com a mudança constitucional e o desaparecimento do instituto da separação de direito, o divórcio será, ao lado da morte e da invalidade, a forma de se chegar ao fim do casamento (o que inclui o vínculo e a sociedade conjugal) e ele se dará de duas possíveis formas: divórcio consensual ou litigioso.
Na realidade, deve-se esclarecer que quando da extinção do casamento por divórcio será inadmissível o debate de culpa. Sim, inadmissível o debate de culpa por ser algo que apenas gera uma injustificada demora processual em se colocar fim ao vínculo.
O debate em torno da culpa impede a extinção célere do vínculo e sujeita, desnecessariamente, os cônjuges a uma dilação probatória das mais lentas e sofridas.
Ao leitor que não fique a impressão que a culpa desapareceu do sistema, ou que simplesmente se fará de conta (no melhor estilo dos contos de fada) que o cônjuge não praticou atos desonrosos contra o outro, que não quebrou com seus deveres de mútua assistência e fidelidade.
A culpa será debatida no locus adequado em que surtirá efeitos: a ação autônoma de alimentos ou eventual ação de indenização promovida pelo cônjuge que sofreu danos morais ou estéticos.
O leitor pode estar se perguntando qual é a vantagem da mudança introduzida quando da aprovação da PEC. A mudança é evidente e espetacular: o divórcio se dará de maneira célere e com um único ato (seja uma decisão judicial ou escritura pública nos casos admitidos pela Lei 11.441/07) o casamento estará desfeito e os antigos cônjuges poderão, agora, divorciados, buscar, em nova união ou casamento, a felicidade que buscaram outrora na relação que se dissolve.
Assim, se necessário, que passem anos discutindo a CULPA em uma morosa ação de alimentos ou de indenização por danos morais, mas já então livres para buscarem sua realização pessoal e felicidade.
Sim, discuta-se a culpa, mas não mais entre cônjuges (presos por um vínculo indesejado) e sim em ações autônomas, entre ex-cônjuges.
Uma questão pode ainda gerar dúvidas na doutrina: a questão da perda do sobrenome pelo cônjuge culpado. Isso porque determina o art. 1.578 do Código Civil que:
"O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III - dano grave reconhecido na decisão judicial".
Então surge a pergunta: se a culpa deixar de ser discutida na ação de separação judicial, como se dará a perda do sobrenome? Algumas ponderações, ainda que iniciais e sujeitas a críticas, devem ser feitas.
A perda do sobrenome em decorrência da culpa é algo que, em princípio, fere direito de personalidade. O direito ao nome, que conta com a proteção direta do Código Civil, e indireta na Constituição Federal (artigo 5º), não pode ser afetado em razão de seu status e de suas qualidades (irrenunciabilidade, intransmissibilidade, indisponibilidade, dentre outras) pela conduta culposa do cônjuge.
Na realidade, a perda de uso do sobrenome comporta exceções amplíssimas, exatamente para a proteção do direito de personalidade. Assim vejamos.
Não haverá perda se houver evidente prejuízo para a identificação do cônjuge culpado. É o caso de pessoas de renome que são conhecidas no meio em que trabalham ou convivem. Assim, poucas pessoas conhecem Marta Teresa Smith de Vasconcelos, mas certamente muitos conhecem Marta Suplicy, que recebeu o sobrenome a partir de seu casamento com o Senador Eduardo Suplicy em 1964. Ainda que a ex-prefeita e ministra tenha tido culpa quando do fim do casamento, poderia ela perder o direito de uso do sobrenome? O sobrenome Suplicy é dela ou apenas de seu ex-marido Eduardo? Podemos lembrar outras pessoas; Lucinha Lins (nascida Lúcia Maria Werner Vianna cujo Lins veio com o casamento compositor e cantor Ivan Lins); Lygia Fagundes Telles (que nasceu Lygia de Azevedo Fagundes e tornou-se Telles quando do casamento com o Eminente Professor e Jurista Gofredo da Silva Telles Jr no ano de 1950).
Ainda, não haverá a perda do uso do sobrenome do inocente, se houver manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida. Há casos em que o filho tem apenas o sobrenome paterno, e não o materno. Se a esposa culpada perder o direito de uso do sobrenome do marido, haveria nítida distinção o que poderia gerar eventualmente prejuízos aos filhos.
Por fim, não há perda se houver dano grave reconhecido na decisão judicial. A locução é amplíssima e a ofensa a um direito de personalidade, em meu sentir, é um dano grave.
Em resumo, o cônjuge culpado não perde o direito de usar o "sobrenome do outro", porque, na realidade, o sobrenome é seu mesmo, já que passou a integrar seu nome quando do casamento. Trata-se de nome próprio e não de terceiros. A perda do sobrenome, que revela afronta ao direito de personalidade, em decorrência da culpa é anacronismo que chegará ao fim em boa hora.
Assim, a questão do sobrenome não será obstáculo ao fim do debate da culpa em ação de extinção de vínculo conjugal.
Para concluir, entendo que o momento é de júbilo. A PEC significa a maior mudança que o Direito de Família sofre neste de Século XXI. Depois da primeira revolução que foi a aprovação da Emenda Constitucional 9 de 1977, estamos diante de uma segunda e estarrecedora revolução!
Que a culpa descanse em paz! E no lugar em que ela "merece" estar.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM