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Divórcio Express: Uma mudança de vanguarda
A história
Durante o IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, realizado em Belo Horizonte no ano de 2003, foi deliberado pelos participantes que o Instituto formalizaria perante o Congresso Nacional um conjunto de proposições, projetos de lei e de emendas constitucionais, visando adequar a legislação familista às novas condições sociais. Entendeu o plenário do evento, que não mais se sustenta submeter uma sociedade inteira a regras que não contemplam seus costumes e suas necessidades atuais. Nessa quadra, o direito de família carece de regras dinâmicas para conservar sua autoridade moral.
Dentre as propostas sugeridas pelo IBDFAM, entidade de âmbito nacional que congrega advogados, juízes e desembargadores, promotores de justiça, psicólogos e psicanalistas, assistentes sociais e mediadores, e outros profissionais que atuam na área do direito de família, pontuou a de emenda à Constituição Federal, com o objetivo de unificar no divórcio todas as hipóteses de cessação de vida conjugal. A medida visa eliminar o tempo à ruptura definitiva do casamento, minimizando os naturais prejuízos psicológicos e emocionais experimentados pelas partes na obrigatória duplicidade de procedimentos judiciais, o de separação e seu revival no divórcio, para extinguir uma relação há muito desgastada.
A proposição do IBDFAM encontra exemplos no direito de outros povos.
Na Espanha, a Lei 15/2005, de 8 de julho, modificou o Código Civil em matéria de casamento e sua dissolução, permitindo que os casais possam se divorciar diretamente sem ter de passar pelo período de separação, tornando mais ágil, rápido e menos traumático o processo de divórcio, um serviço express. Pela legislação precedente, o divórcio era concebido como o último recurso a que podiam acorrer os cônjuges e só quando era evidente que, depois de um dilatado tempo de separação, a reconciliação já não mais era possível. Em caso algum, porém, o casamento podia ser dissolvido por mútuo acordo dos cônjuges. A nova lei, além de eliminar a exigência obrigatória de se apontar uma causa legal e a conseqüente declaração de culpa pelo fim da união, também diminuiu de um ano para três meses o período mínimo que se deve respeitar, desde a celebração do casamento, para pedir o divórcio, evitando a perpetuação do conflito entre partes que não mais desejam seguir vinculadas. Com isso, a lei evitou um duplo procedimento à dissolução do casamento sem a necessidade de prévia separação de fato ou judicial.
Nada obstante, subsiste a separação judicial como instituto autônomo para aqueles casais que não pretendem, de imediato, o fim do casamento. Vale dizer, coexistem a separação e o divórcio como duas opções às partes para solucionar as vicissitudes de sua vida em comum.
Em Colômbia, a Lei nº 962/2005, que contém disposições diversas sobre a racionalização de procedimentos em geral (ley antitrámite), dispõe em seu artigo 34, que "Podra convenirse ante notário, por mutuo acuerdo de los conyuges, por intermedio de abogado, mediante escritura publica, la cessación de los efectos civiles de todo matrimonio religioso y del matrimonio civil, sin perjuicio de la competencia asignada a los juices por la ley.". O regulamento da lei (Decreto 4436/2005) estabelece os requisitos e documentos necessários à petição de divórcio a ser apresentada ao notário público, a quem incumbe verificar os elementos essenciais e formas exigidos por lei e autorizar a escritura pública de divórcio do casamento civil e da cessação dos efeitos civis do casamento religioso. Tudo muito rápido e econômico. Esse sistema é similar ao previsto no Código Civil do Japão. Para divorciar-se, estando os cônjuges de acordo, basta acorrerem ao mesmo registro da celebração de seu casamento e ali solicitar a inscrição de seu divórcio, sem condicionar-se a qualquer tempo mínimo de casamento ou qualquer outra condição especial. Chama-se a esse divórcio "divórcio de Narita", nome do aeroporto de Tokio por onde saem os recém casados para a viagem de lua de mel e, ao regressarem, decepcionados, podem ali separar-se imediatamente.
Em Portugal, o divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges. No primeiro caso, "O divórcio por mútuo consentimento pode ser instaurado a todo tempo na conservatória do registo civil, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores,...". No segundo caso, se o casal não tiver conseguido um acordo, o divórcio será instaurado perante o tribunal, conforme as disposições dos artigos 1773º e 1775º do Código Civil, com a nova redação que lhes deu a Lei nº 61/2008, de 31 de outubro.
O Código Civil alemão (BGB) prevê o divórcio para os que vivem juntos há um ano e a continuação do casamento representa para o cônjuge demandante um grave prejuízo (§ 1565-2). Se os cônjuges vivem separados há um ano, ambos podem solicitar o divórcio ou o demandado concorda com o pedido (§ 1566-1). Presume-se de maneira incontestável o fracasso do casamento se os cônjuges vivem separados há três anos (§ 1566-2).
A proposta do IBDFAM recolhe nessa matéria um fenômeno mundial: a dissolução do casamento liberta de obstáculos, impedimentos, prazos e atividades burocráticas (audiências, interrogatórios, pareceres, perícias, testemunhas, sentenças e recursos), de tudo o que invade a intimidade do casal, que deve se submeter apenas à sua vontade, como valor assegurado pelo ordenamento jurídico, evitando uma excessiva intervenção do Estado na vida privada das pessoas.
O modelo atual para a dissolução do casamento, exigindo a prova de uma separação judicial por mais de um ano ou de uma separação de fato por mais de dois anos, não mais se sustenta, além de não preservar a intimidade e a vida privada dos envolvidos, prolongar sofrimentos desnecessários e onerar as partes com despesas relativas a dois processos.
O IBDFAM, por fim, não comunga com o surrado argumento de que o fim da separação implicará no enfraquecimento da família; ao contrário, sua eliminação vem facilitar a reconstituição de novas famílias, quando definitivamente demonstrada a inviabilidade de reconciliação.
A Emenda Constitucional
A Emenda Constitucional nº 28/2009, aprovada em 08 de julho de 2010. pelas Mesas das duas Casas do Congresso Nacional, como resultado das PECs 413/05 e 33/07, subscritas pelos deputados associados ao IBDFAM Antônio Carlos Biscaia e Sérgio Barradas Carneiro, respectivamente, e consolidadas no substitutivo do Deputado Joseph Bandeira, alinha e identifica o sistema brasileiro com o de outros países, tornando-o consentâneo com a realidade de seu tempo. Dando nova redação ao § 6º do artigo 226 da Constituição Federal, eliminando a necessidade da prévia separação e acabando com os prazos para a concessão do divórcio, concretiza o princípio da liberdade individual previsto na Lei Maior.
Eis o novo texto constitucional:
"Art. 226.........................................
......................................................
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo
Divórcio.
......................................................
§ 8º.......................................(NR)."
No Senado da República, a Comissão Especial destinada a dar Parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 22-A, de 1999, do Deputado Enio Bacci, que autorizava o "divórcio após 1 (um) ano de separação de fato ou de direito", manifestou-se por sua rejeição e pela aprovação da PEC nº 413-A, de 2205, e da PEC nº 33-A, de 2007 (apensadas), na forma do substitutivo apresentado pelo Deputado Joseph Bandeira, com a redação acima. O substitutivo, na esteira das propostas do IBDFAM, elimina o tempo de 1 (um) ano de separação para obtenção do divórcio.
A Comissão acolheu a justificativa do IBDFAM, que não mais reconhece efetividade ao instituto da separação, para unificar no divórcio todas as hipóteses de separação dos cônjuges, sejam litigiosas ou consensuais. Em audiências públicas realizadas, todos os especialistas que compareceram perante a Comissão, foram unânimes em apontar a desnecessidade de dois processos distintos, sucessivos, para um só fim, como ainda é exigido pela legislação da Argentina e da França, por exemplo.
No caso brasileiro, o instituto da separação judicial muito perdeu de sua relevância, pois deixou de ser o interregno necessário para sua conversão em divórcio. O critério objetivo e temporal do recém revogado § 6º do artigo 226 da Constituição Federal, fez a opção pelo divórcio direto revelar-se cômoda para os cônjuges desavindos. A manutenção do pressuposto da separação, de fato ou judicial, para o divórcio apenas protrai a dissolução de um casamento fracassado. Como enfatizou Rodrigo da Cunha Pereira perante a Comissão do Senado, a eliminação do tempo da separação à obtenção do divórcio, reduz a um mínimo a intervenção do Estado na vida privada das pessoas.
Resultando em um texto sintético, com poucas disposições a respeito, cabe agora uma disciplinação infraconstitucional, que trate das questões do divórcio consensual e litigioso, judicial e extrajudicial, guarda de filhos e visitação, pensão alimentícia e nome, partilha de bens, etc.
Efeitos práticos
Na prática, não existindo mais a figura da separação prévia (de fato ou judicial), o casal que não pretender continuar casado pode imediatamente optar pelo divórcio, independentemente, pois, do transcurso dos dois anos de separação de fato ou um ano de separação judicial. O divórcio poderá ser pleiteado a partir do momento que o casal assim desejar.
Outra conseqüência positiva da aprovação dessa Emenda Constitucional, é que o Judiciário, já aliviado dessas questões por força da Lei nº 11.441/07, será menos acionado para decidir esse tipo de demanda. Ao lado da celeridade processual a alteração resulta em economia às partes pela promoção de um só procedimento, privilegia o princípio da liberdade e o da autonomia da vontade e diminui o sofrimento dos cônjuges e filhos pelo fim do casamento. As questões patrimoniais podem, mas não precisam ser definidas nesse momento, já que é possível a obtenção do divórcio sem o prévio acertamento econômico entre partes.
Uma vez obtido o divórcio direto por meio de uma única sentença, pela eliminação da dualidade de procedimentos, e pretendendo os ex-cônjuges a reconciliação, é necessário novo casamento. Nesse caso, cabe ao advogado o dever de bem informar a respeito, esclarecendo as partes sobre os efeitos irreversíveis da decisão. O novo texto do § 6º do artigo 226 da Constituição da República tem aplicação imediata.
A regra daqui por diante é o divórcio direto, como exige a modernidade.
Waldyr Grisard Filho é vice presidente do IBDFAM-PR, advogado, professor, membro do Instituto dos Advogados do Paraná e do Instituto Brasileiro de Estudos Interdisciplinares de Direito de Família e mestre em Direito pela UFPR.
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