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Autodeterminação e proteção da legítima - Repensando o instituto da colação nas novas famílias
O Direito de Família e o das Sucessões são consectários, com estrutura articulada na rede de parentesco para perpetuar a família na sociedade sob forma de transmissão simbólica de um patrimônio relativo ao pertencimento a um determinado grupo familiar e real de um patrimônio destinado à sobrevivência e continuidade deste núcleo doméstico.
As dimensões do suceder a uma pessoa carregando-lhe traços e patrimônio conferem a ambivalência da natureza sagrada e jurídica ao Direito das Sucessões, com seus institutos multisseculares que vêm a perpassar inúmeras sociedades até a contemporaneidade. Institutos estes, em grande parte, que visam à proteção do núcleo duro da família, os parentes consangüíneos em linha reta e o cônjuge/companheiro(a) com regras rígidas e imperativas de proteção da parte legítima e de igualdade dos quinhões hereditários. Consoante a isso, a disciplina jurídica que limita as doações e impõe à colação bens que integram a parte indisponível do patrimônio.
Esse entrelaçamento entre a família e o direito de suceder gera, na atualidade, novas questões que advêm de uma pluralidade de vínculos afetivos no campo familiar e de como a novel legislação e hermenêutica sobre a família vêm concebendo essas formas de organização da vida privada.
Esse estudo tem por objetivo trazer à discussão problemas da seguinte ordem: como a liberdade de dispor e as restrições a negócios de liberalidade sobre parte legítima[1] ajustam-se às formas de autoderminação da afetividade e do espaço familiar? A codificação civil é flexível e tutela esses novos arranjos familiares no que se refere à proteção da legítima? Que repercussões sociais a auto-regulação dos afetos geram?
Tendo em vista as dimensões sociais que a proteção da legítima assume numa época em que a organização da vida privada tende a caracterizar-se pela desinstitucionalização e contratualização[2]; a análise, sem pretender esgotar o tema, procura apresentar algumas pistas a estas inflexões ao verificar as transformações do espaço privado, as fronteiras legislativas e as tendências hermenêuticas de tribunais brasileiros.
I. O direito civil e a família na contemporaneidade
A autodisciplina em organizar os afetos e as relações da vida privada é uma das características da família no mundo contemporâneo e essa é a base que se abre para uma análise crítica da família atual, delimitada nesse estudo entre a autodeterminação no espaço doméstico e a garantia jurídica de perpetuação e transmissão da parte legítima do patrimônio aos membros que compõem os novos arranjos familiares.
1. Transformações da família e espaço privado
A permissividade de certa diversidade no campo jurídico da família (casamento; pós-casamento, com o divórcio e a recomposição familiar; nascimentos fora do casamento; monoparentalidade; não-casamento; união estável; no viver só e no direito a não procriar) dá indícios de que o pluralismo dentro do direito não seja uma concepção nova[3], denunciando que pessoas estão a libertar-se do padrão tradicional marcado pelo casamento, coabitação sexual e espacial e filhos.
No plano legislativo, a novidade do critério da relevância jurídica da subjetivação das relações entre os indivíduos e a instituição familiar, constitui-se num momento fundamental da história[4] como tutela a novos direitos no âmbito da família que permitem reequilibrá-la com o escopo de atender aos anseios de uma ordem mais democrática e justa[5], integrando os direitos fundamentais no plano da vida privada dos cidadãos. Este é um dos principais deslocamentos pelo qual a lei familiar tem passado.
Concomitante a essas alterações, a liberdade de contratar no direito de família torna-se a aplicação prática desses preâmbulos, com a autodeterminação[6] para pactuar e repactuar acordos conjugais conforme os interesses subjetivos entre as partes (partilha de bens, doações, testamentos) e na filiação (adoção, formas de estabelecimento de guarda e visitas dos filhos, bem como o uso das biotecnologias reprodutivas).
Tais declarações de vontade tornam-se eficazes e válidas na medida em que não afrontem os ditames constitucionais, sendo que o conteúdo destes contratos de âmbito familiar, sobre o qual as partes não podem dispor por força do interesse público nas relações privadas, em respeito à igualdade e à dignidade das pessoas envolvidas[7]. Uma ingerência estatal que incide na esfera pessoal, com a monogamia, a proibição do incesto, a paternidade responsável, a vedação à seleção de embriões humanos nas técnicas de reprodução assistida, e na patrimonial, com os regimes de bens, o pacto antenupcial e as restrições aos atos de liberalidade nos contratos de doação entre ascendentes, descendentes e cônjuges, na proteção da parte econômica indisponível da família.
Como parte integrante a esse movimento de subjetivação das relações jurídico-familiares tem-se a fragmentação da centralidade da codificação civil nos ordenamentos ocidentais[8]. Reflexo da pulverização legislativa efetuada através de microssistemas[9], com direitos autônomos articulados ao texto maior, hierarquicamente, tendo os princípios constitucionais e os direitos humanos por norteadores hermenêuticos a garantir a unidade histórica e jurídica de todo o sistema[10]. Um deslocamento da centralidade do Código Civil, como organizador da sociedade, para o eixo jurídico e interpretativo constitucional.
A penetração de valores no direito de família consectários dos direitos fundamentais à dignidade humana e ao convívio familiar[11] interliga o ordenamento interno ao universalismo dos direitos humanos fundamentais[12] ao admitirem o cruzamento de preceitos normativos da intimidade familiar ligados interna e externamente a uma contemporaneidade mundializada, na qual o comércio de juízes[13] implica em transmissão do conhecimento, especialmente por meio das influências dos tribunais internacionais no âmbito dos tribunais locais que acaba por transcender as fronteiras tradicionais do direito.
Essa exterioridade das relações familiares que ultrapassam a codificação civil dá mostras das características que compõem a normatividade interna de cada país, gerando uma complexidade ao jurídico na contemporaneidade[14], com base na função social e ética enquanto um dever ser do mundo privado e do ambiente familiar que passam pelo delineamento de um sistema jurídico familiar aberto a novas fontes normativas.
Permite-se espaço às mudanças comportamentais e transformações da intimidade entremeadas pela democratização e mundialização do direito[16], decisões de tribunais internacionais, tratados, convenções de direitos humanos[17], características que tendem a reconfigurar os pressupostos tradicionais do direito de família.
O direito civil ao ultrapassar suas fronteiras oxigena-se na tendente adoção - diga-se, não sem resistências da cultura jurídica dominante - do pluralismo[18], em contraposição à visão positivista da dogmática jurídica (clássica) que preconiza o direito como um sistema fechado, auto-referente, que se sustenta em fontes restritas previstas em apenas na lei[19]. Ao direito impõem-se realidades familiares que produzem, por outras forças (sociais, culturais, econômicas, científicas, antropológicas) suas próprias formas de relações familiares e que não podem ser ignoradas na medida em que existem de fato.
Não sem razão, a defesa de que a família apresenta-se como uma institucionalidade intrínseca, auto-referente em si, ao possuir uma ordenação jurídica íntima e própria, preexistente ao direito, coadunando-a a realidade social[20].
2. Novos arranjos e perfis jurídicos
Na perspectiva dessa problemática, dá-se o confronto entre o modelo unitário da família heterossexual matrimonial, que ainda prevalece hierarquicamente colocado no ordenamento jurídico brasileiro. Essa era a orientação do Código Civil brasileiro de 1916, família legítima e ilegítima, filhos legítimos e ilegítimos.
Com a Constituição de 1988, pela primeira vez surge um pluralismo no círculo familiar, admitindo-se as entidades familiares em como família (diga-se: com certa prevalência hierárquica do casamento), gerando celeuma interpretativa sobre o princípio de isonomia estendível ao círculo familiar[21].
Até a promulgação do Código Civil de 2002 o direito de família foi redesenhado pelo texto constitucional e pela jurisprudência que tendeu a igualar direitos no casamento e na união estável (Lei n. 8.971/94 e Lei n. 9.278/96).
Após 2002, embora haja uma maior proximidade entre a família constituída dentro e fora do casamento civil, no direito das sucessões faz-se uma total diferenciação quanto à forma de transmissão do patrimônio, representando uma permanência do modelo unitário, hierárquico, na atualidade jurídica.
Há no Brasil muitas lacunas no direito de família. Não há previsão legal para a união entre homossexuais. A parentalidade de fato ou socioafetiva não encontra amparo legal. E as novas formas de vínculo de afetividade nas famílias recompostas, que abrem caminho à diversidade no parentesco e na pluriparentalidade[22], deixam as estruturas tradicionais da família inaplicáveis[23]. O direito civil silencia sobre a diversidade familiar e coloca à mostra sua inadequação ao real[24].
Esse ponto é importante porque mesmo que casamento civil corresponda à grande maioria das relações de conjugalidade, é de se assinar uma tendência de diversificação deste modelo. Estatísticas do Registro Civil de 2007[25] demonstram essa asserção. Em 2007, embora tenham sido realizados 916.006 de casamentos no Brasil, 2,9% a mais do que em 2006 (889.828), o número de dissoluções (divórcios diretos e separações) chegou a 231.329, ou seja, para cada quatro casamentos foi registrada uma dissolução. Há preponderância de casamentos entre solteiros (83,9%), com tendência de constante declínio desse tipo de arranjo há 10 anos (90,1%, em 1997). Também, é crescente a proporção de casamentos entre divorciados e solteiros, especialmente entre homens divorciados e mulheres solteiras (7,1%) e entre cônjuges divorciados (2,5%).
A recomposição familiar é uma das características das relações conjugais atuais, ampliando as situações afetivas da parentalidade e o tipo de estrutura familiar. E os Indicadores Sociais de 2007[26] trazem o crescimento de famílias unipessoais (10,7%) e das famílias monoparentais femininas (18,1%), sendo que a grande maioria encontra-se sob a responsabilidade financeira da mulher (89,2%) fato este representativo das mudanças do espaço doméstico no que se refere às relações de gênero e também da dificuldades de reprodução econômica dessas famílias em que pelo menos a metade (42,6%) há filhos menores de 16 anos e vivem (47%) com ¾ do salário mínimo per capita.
II. A proteção econômica da família: a parte indisponível do patrimônio
A questão da tensão entre a autodeterminação do espaço privado e a ingerência estatal na questão da proteção legal da parte legítima do patrimônio familiar insere-se nesse contexto da contemporaneidade do direito civil, associado à mundialização de saberes que dialogam[27] e ao pluralismo normativo das fontes no que se refere à compreensão do agrupamento familiar.
Mas, a democratização da vida pessoal e autodeterminação dos indivíduos têm um contrapeso econômico[28], a divisão do patrimônio conjugal após o divórcio, a formação de famílias recombinadas e a maior fragilização das famílias monoparentais femininas, que têm sob o encargo a guarda unilateral dos filhos menores, em 90,64% nos casos de divórcios e separações[29].
A patrimonialização das relações de direito privado ainda presentes na codificação civil brasileira de 2002, conjuga-se com a mais antiga tradição civilística, ainda centrada na família constituída pelo casamento e à filiação legítima. Mas essa proteção, que já foi palco de profundas exclusões sociais, assume, paradoxalmente, pela imperatividade da norma que impõe limites econômicos à autoderminação da vida pessoal e patrimonial das famílias, um importante mecanismo de reprodução familiar após a ruptura conjugal, especialmente diante da insuficiência da efetividade de políticas públicas em apoio à família e da fragilidade das famílias monoparentais femininas.
A liberdade de contratar na esfera privada integra-se a esses pressupostos de auto-regramento da família, especialmente os contratos de compra e venda e de doação entre ascendentes e descendentes ou entre os cônjuges. No primeiro caso, por ser uma transmissão a título oneroso entre as partes, não há restrições legais para o negócio jurídico. Apenas exige a lei o dever, sob pena de anulabilidade, de haver consentimento expresso dos demais descendentes e do cônjuge (CC, art. 496).
Na hipótese de doação, a disciplina deste contrato dá-se com maior rigor, por ser negócio de liberalidade entre as partes. Só é válido se preservar a parte legítima dos herdeiros necessários (CC, art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.), incidindo somente na parte disponível do patrimônio que compreende a metade dos bens da herança (CC, art. 1.846), depois de abatidas as dívidas do falecido e despesas do funeral (CC, art. 1.847), ou seja, calcula-se a legítima apurando-se antes o montante dos bens transmissíveis e, posteriormente à verificação de eventual meação, deduzem-se despesas gastas em favor do de cujus, consideradas dispêndios da herança[30].
Somente a partir daí, tem-se o patrimônio líquido do falecido, que se divide: na parte disponível e na parte legítima, que pode ser aumentada pelos valores sujeitos à colação[31], que na disciplina atual é feita sob estimativa dos valores dos bens doados[32]. Mas este cálculo também resguarda a possibilidade de verificar se o testador avançou sobre o monte reservado[33], consistindo, por conseguinte, em medidas de proteção da parte indisponível em favor dos herdeiros necessários.
Igualmente, vetada é a denominada doação inoficiosa[34], entendendo-se, por tal, aquela que excede a parte legítima dos herdeiros, sendo que a ineficácia absoluta atinge o que excede à esfera de proteção legal (CC, art. 548).
Em temperamento a essas restrições legais[35], admite-se que o doador dispense expressamente da colação se doar a herdeiro necessário sua parte disponível (CC, art. 2.005), feita no próprio instrumento ou em testamento (CC, art. 2006).
É de se mencionar que outros atos ainda podem ser considerados adiantamento da legítima, como as denominadas despesas extraordinárias com a criação e educação dos filhos, bem como com pagamento de dívidas e indenizações decorrentes de atos ilícitos praticados por filhos menores sob a responsabilidade civil dos pais (CC, art. 2002).
Essas limitações sobre a liberdade de doar da pessoa casada ou que tenha herdeiros necessários no momento do negócio jurídico enfrentam a questão da autodeterminação da esfera privada, diante das novas configurações da família. Especificamente esse é o assunto a ser tratado a seguir.
1. A tradição civilística brasileira
A proteção da parte legítima estende-se à família constituída pelo casamento e à filiação, sendo esta consangüínea ou por adoção. Família que tradicionalmente encontra-se na legislação brasileira como nuclear e heterossexual, com filiação biológica e que acaba por contrastar com as variações dos modelos familiares atuais.
Esse desajustamento do modelo legal que mantém um figurino da família presente na sistematização dos institutos legais da doação, sucessão legítima e da colação frente aos herdeiros necessários traz ao direito brasileiro situações de confrontação que revelam em suas estruturas as permanências de exclusões e descriminações (famílias ilegítimas) e se tornam freqüentemente objeto de litígios a serem enfrentado pela Justiça.
Relações familiares recompostas e de parentalidade socioafetiva não se coadunam exatamente com o modelo codificado de proteção patrimonial da família, especialmente estes últimos (filhos socioafetivos) por não estarem juridicamente inseridos numa família, não têm proteção garantida pela lei. Por lei, atribuem-se os direitos sucessórios, na linha reta descendente, aos filhos biológicos e filhos adotivos (CC, art. 1.829, I).
A legislação privada brasileira, dentro de uma tradição centenária existente desde o Código Civil de 1916, prevê a proteção do patrimônio familiar no instituto jurídico da doação e no testamento quando presentes herdeiros necessários, que, antes do atual Código Civil, restringia-se aos descendentes e ascendentes, ampliada, agora, aos cônjuges.
A importância deste instituto reside no fato de garantir aos descendentes e ao cônjuge a igualdade da transmissão do patrimônio familiar da parte legítima[36], consistindo essa porção, como já dito, na metade do patrimônio do doador e/ou testador aferida no momento do ato de disposição, inter vivos (doação) (CC, art. 544) ou causa mortis (testamento) (CC, arts. 1.846, 2002 a 2004).
A autodeterminação do titular do patrimônio em livremente dispor, gozar e transmitir seus bens restringe-se, quanto aos atos de liberalidade, à outra metade, ou seja, à parte denominada disponível (CC, art. 2.005). Somente é cabível a transmissão sem restrições desta espécie, quanto aos atos a título oneroso, por não implicar numa diminuição do patrimônio ou ainda se, na doação da porção disponível, houver dispensa expressa da colação.
O princípio da igualdade é fundamental no sistema sucessório do direito moderno, presumindo-se que as doações feitas entre ascendentes e descendentes ou entre cônjuges são antecipações das respectivas quotas hereditárias. O ato dos herdeiros que restituem ao acervo as vantagens que receberam em vida para igualdade nas partilhas é o que se denomina por colação[37]. A colação impõe o dever aos herdeiros beneficiados em igualar a parte da herança adiantada com os demais herdeiros necessários, após a morte do doador[38].
Por conseguinte, três são os requisitos legais para que ocorra a colação. A ocorrência de doação de ascendente a descendente ou de um cônjuge a outro; a participação do donatário na sucessão do doador e o concurso na sucessão legítima entre o donatário e os demais herdeiros necessários[39]. Preserva-se com isso o princípio da igualdade como um dos fundamentos do sistema sucessório[40], resguardando-se idênticos quinhões aos filhos sobre a parte legítima.
As doações feitas aos descendentes e ao cônjuge importam, por conseguinte, em adiantamento em vida da parte cabível na herança (CC, art. 544) com a morte do doador, tendo por efeito a necessária apresentação do equivalente desses bens anteriormente transmitidos no momento de inventariar o patrimônio do doador falecido, pela colação (CC, art. 2003).
2. As soluções dos conflitos apresentados pela Justiça
Será verificado a seguir como a Justiça brasileira tem tratado esses conflitos entre a lei posta e a diversidade da composição familiar, conforme análise de decisões de um tribunal superior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e dois tribunais estaduais, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
a. Famílias recombinadas, união estável, famílias homossexuais e concubinato
Primeiramente, a recomposição familiar traz consigo a problemática inserida nas dimensões da autodeterminação da vida privada, que permite a existência de casamento pós-divórcio e cria situações novas ao direito, com famílias alargadas e famílias recombinadas como dos traços característicos da contemporaneidade.
Certo é que a família tem passado por profundas mutações ao longo dos últimos trinta anos gerando um descompasso entre o direito posto (law in book) e a realização do direito (law in action). Isso se deve, principalmente, a fatores como a democratização do espaço doméstico e o uso das biotecnologias contraceptivas e conceptivas[41] que permitiram segmentar sexo, família e reprodução. Um espaço recontextualizado pelo amor líquido[42] e um direito crítico já não pode, como retrata Paolo Grossi, ser uma nuvem que flutua sobre uma paisagem histórica[43].
O Código Civil de 2002 pretende redesenhar o Direito Privado nas linhas gerais de novas bases da eticidade e da função social de seus institutos[44], sob forma de cláusulas gerais abertas que orientam a interpretação das disposições civis e que representa uma ruptura com a ordem moderna da codificação; mas que, forçoso constatar, nas normas relativas à família há ainda, na estrutura e conteúdo dos dispositivos legais, muito do moderno dentro do contemporâneo[45].
Partindo dessas premissas, a recente codificação brasileira ao disciplinar a posição privilegiada do cônjuge como herdeiro necessário cria um campo de impasse, pois, no momento de aferição do patrimônio do doador ou do testador, poderá haver disparidade de cônjuges (ex-cônjuge e cônjuge sobrevivente) refletindo momentos diferentes da vida afetiva e conjugal do doador.
É verdade que nem todos os herdeiros necessários são obrigados a colacionar a parte da legítima adiantada em vida, como é o caso dos ascendentes, por falta de expressa menção legal. Mas, em relação ao cônjuge supérstite não há dúvida quanto ao dever de conferir o patrimônio (CC, art. 544), pois a doação havida entre cônjuges importa em adiantamento da legítima[46]. Uma vez concorrendo com os descendentes há de colacionar, mas se estiver recebendo integralmente a herança do cônjuge falecido tal mister não se impõe, pois estará fazendo adição na terceira ordem de vocação como herdeiro universal. Quanto aos ascendentes não existe dever legal para colacionarem (CC, art. 544), mas se porventura receberem doações e vierem a concorrer com o cônjuge sobrevivente, o princípio da igualdade na partilha poderia estar comprometido, diante da vantagem que os donatários teriam frente à legítima do falecido[47].
Especificamente sobre a doação entre cônjuges, por ser mais comum, se houver doação na constância do casamento recaindo sobre a porção legítima do doador ou ainda havendo doação na partilha de bens no âmbito do acordo realizado em divórcio consensual, com a morte do doador o cônjuge sobrevivente deverá colacioná-la no momento da abertura da sucessão do falecido para que as quotas hereditárias sejam partilhadas de forma igualitária entre todos os demais herdeiros necessários com os quais irá concorrer (descendente, ascendente, ou ainda, novo cônjuge).
Aqui, a vexata quaestio: pode ser que este beneficiário, que recebeu o adiantamento da legítima, não detenha a qualidade de herdeiro, por exemplo, não ser o cônjuge sobrevivente ao falecido, em decorrência de divórcio. Como ajustar quinhões hereditários entre os herdeiros necessários se o beneficiário não é herdeiro? A relação de doação é negócio jurídico perfeito e acabado, sendo que o cônjuge beneficiado não poderá ser compelido a apresentar o bem por não ser herdeiro do falecido e não ter direitos sucessórios a receber. A lei como está posta impossibilita a igualdade entre os quinhões hereditários, criando uma situação de disparidade entre os cônjuges no decorrer do tempo, que já não portam esse estado civil.
Nas famílias recombinadas, a existência de ex-cônjuge beneficiado com herança e o cônjuge sobrevivente não tem ainda solução jurisprudencial, entretanto, qualquer doação realizada durante o casamento, a separação ou o divórcio não pode violar a parte legítima protegida aos demais herdeiros necessários (CC, art. 544)[48]. A posição da Justiça entende que o bem somente poderá ser apresentado para efeito de conferir se o valor da doação não ultrapassou a parte disponível, tornando-a inoficiosa e resultando em necessária redução da parte que ultrapassou a legítima (CC, arts. 549 e 2.007). Mas, esse fato não tem mais o efeito propriamente de igualar quinhões hereditários entre os herdeiros necessários.
Diante dessas situações, pode ocorrer que ex-cônjuge beneficiado, muitas vezes em sede de acordos em separação judicial ou divórcio, mantenha uma posição de privilégio em relação ao cônjuge sobrevivente que casou com o doador divorciado falecido, na medida em que, na qualidade de herdeiro necessário, não poderá reclamar a colação daqueles bens anteriormente doados ao ex-cônjuge para igualar as porções da parte legítima, uma vez que este não se caracteriza como herdeiro necessário falecido pela anterior ruptura da sociedade conjugal. Tão somente poderia reclamar que fossem declaradas nulas as liberalidades que excederem a legítima, por serem inoficiosas (CC, art. 549).
Contrariamente, caso haja doações ou testamento ao atual cônjuge, esses devem ser computados para verificar se não violam à legítima de filhos havidos na anterior união, podendo, neste caso haver redução dessas disposições[49].
Isso implica na conclusão de que há duas disciplinas diferenciadas nas famílias recombinadas: as doações ao ex-cônjuge não podem ser colacionadas no sentido de igualar a legítima em relação cônjuge do falecido, por não haver mais vínculos jurídicos entre eles (rompimento do casamento), mas, quanto às doações ao atual cônjuge, estas sempre poderão ser colacionadas em relação aos filhos havidos em casamento anterior, em decorrência do vínculo perene de parentesco na filiação.
Em segundo lugar, a união estável presente no ordenamento brasileiro desde a Constituição Federal de 1988, mantém, na ordem sucessória, um desnível em comparação ao casamento. Se a legislação procurou, no âmbito das relações de direito de família aproximar as instituições, no campo dos direitos sucessórios dá-se um completo desalinhamento, pois o companheiro sobrevivente não tem igualdade de direitos em relação ao cônjuge sobrevivente (CC, art. 1.790). Entre o casal, as relações afetivas, produzem efeitos diferenciados na sucessão, fazendo que haja certa primazia da instituição matrimonial conforme o modelo que utilizem: formal (casamento) ou informal (união estável)
Uma das profundas desigualdades reside no fato de o companheiro sobrevivente não ser herdeiro necessário (CC, art. 1.845) e, por conseqüência, não ter direito a exigir a colação de bens doados a outros herdeiros necessários, pois embora seja um herdeiro que poderá concorrer com os demais, não pode exigir a colação.
Tais normas limitadoras não se observam em outras áreas em que se discutem questões patrimoniais entre os companheiros. São pacificados pela jurisprudência os direitos previdenciários do companheiro sobrevivente em receber pensão por morte[50] ou ainda em receber indenização decorrente de seguro de vida[51]. Coisa que não se repete no direito de família e das sucessões, os quais estabelecem profundas linhas de distinção entre esses tipos familiares e gera variáveis nos julgamentos sobre esses direitos.
Entretanto, há decisões que reconhecem a igualdade entre o casamento e a união estável e, por conseguinte, impõem o dever de colacionar seja por parte dos demais herdeiros necessários seja do companheiro/a sobrevivente os bens doados pelo autor da herança[52].
E, num grau de maior exclusão, os companheiros do mesmo sexo não detêm direitos de família na disciplina do novo Código Civil, há lacuna legal para essas relações sendo que somente os casais heterossexuais são protegidos legalmente. Mas, muitas vezes os direitos dos casais homossexuais são tutelados judicialmente, um manifesto contraste entre ausência de texto legal e a aplicação do direito. Esse desamparo legislativo no campo familiar leva à grande maioria das decisões a dar pela desses pedidos nos tribunais brasileiros[53]. Reflexo dessa disparidade, a Arguição de Descrumprimento de Preceito Fundamental 178, de 02.07.2009, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, as ações propostas contra o estado, em andamento no Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de ser declarada a obrigatoriedade do reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar equiparável à união estável.
Também, o concubinato não é reconhecido como união que gera direitos no âmbito da família (CC, art. 1.727). Os atos de liberalidade sofrem restrições legais, a pessoa casada não pode doar (CC, art. 550) ou testar (CC, art. 1.801, III) ao concubino, sob pena de nulidade do ato. Dessa relação ilícita ao direito de família, tão-somente decorrem efeitos patrimoniais de divisão patrimonial, se provada a efetiva contribuição econômica para a aquisição do patrimônio (Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal).
b. Filiação matrimonial, extramatrimonial e socioafetiva
A equiparação constitucional de todos os filhos leva à igualdade no campo da família. Os descendentes, mesmo havidos fora do casamento ou reconhecidos após a morte do doador, têm isonomia e deverão colacionar a parte da legítima, caso seja adiantada[54]. O mesmo para o caso dos descendentes excluídos da sucessão por atos ilegais cometidos contra o ascendente falecido (CC, arts. 1.816 e 1.961), pois seus representantes assumem tal encargo.
Certo é que, quanto o parentesco consangüíneo, conforme entendimento jurisprudencial já consagrado, mesmo que reconhecidos ou havidos após os atos de liberalidade do genitor, terão o direito de, uma vez morto o ascendente, buscar a igualação da legítima em sede de inventário[55]. O referencial aqui é a morte. Não importa se as doações foram feitas a filhos havidos em diferentes tempos, há o direito de aferirem a igualdade dos quinhões hereditários de todos os herdeiros necessários no momento da morte do doador.
Assim, embora possa haver em vida disparidade na transmissão do patrimônio do ascendente a descendente sob forma de doação, tecnicamente, após a morte do doador, todos os herdeiros (descendentes) terão idêntico direito em partilhar do patrimônio do falecido, em razão da isonomia de todos os filhos, dispensando da colação outros descendentes (netos, bisnetos etc.) que porventura receberam liberalidades inter vivos quando o parente de grau mais próximo ainda estava vivo (CC, art. 2.005).
Porém, permanece a questão do valor que deve ser colacionado. O Código de 1916, em seu art. 1.792, continha regra pela qual a colação se fazia pelo valor dos bens ao tempo da doação, redação que foi mantida pela atual codificação. Havendo adiantamento da legítima a alguns filhos, ao levar se computar na colação o valor do bem existente no ato da liberalidade (que pode ter ocorrido há décadas!), a equiparação na conferência das legítimas não se faz plenamente. Na avaliação retrospectiva é provável a perpetuação de desigualdade entre descendentes. Ainda mais se levar em consideração o fato de que o descendente beneficiado em vida pela herança adiantada, não terá de prestar contar de frutos e rendimentos que auferiu sobre o bem (CC, art. 2.004, § 2º).
Essa disparidade ocorre em casos de reconfiguração de parentesco no espaço doméstico, como a adoção e os filhos havidos fora do casamento[56], que comumente pleiteiam esse direito à igualação das legítimas. Estes últimos, se não forem reconhecidos pelo progenitor, deverão propor post mortem ação de investigação de paternidade ou maternidade, além de petição de herança ou abertura de inventário com pedido de colação, para os casos de doação parcial ou total dos bens, a fim de ter direito ao patrimônio do ascendente. Sendo a herança um direito patrimonial, o prazo prescricional para litigar contra o espólio é de 10 anos (CC, art. 205), matéria que restou há muito sumariada (Súmula 149, STF). Após esse tempo, apenas poderá buscar a averiguação da parentalidade, por ser este um direito fundamental de identidade e ser, por conseguinte, imprescritível.
Pior quadro dá-se com a parentalidade socioafetiva, na qual problemática se amplia. Legalmente, não existe esse tipo de filiação no Brasil. Mas, a Justiça tem reconhecido, sem unanimidade, vínculos de parentalidade afetiva em que não existe o vínculo consangüíneo entre ascendente e descendente. É o caso das denominada adoção à brasileira que consiste em prestar falsa informação no registro público de nascimento do filho como se fosse biológico e dos filhos de criação ou posse de estado filial. Realidades ainda não sistematizadas pelo direito brasileiro, mas muito comuns em estudos etnográficos que relatam a circulação de crianças dentro das redes informais de solidariedade da comunidade[57].
Sobre a matéria é enorme o dissenso jurisprudencial. A lógica da ordem jurídica está orientada para os casos típicos. Compreende-se ser a relação socioafetiva espontânea, gerando efeitos jurídicos se voluntariamente assumida pelos pais, por meio da adoção judicial ou adoção à brasileira. Esta tem criado efeitos jurídicos no campo da família, mas ainda restam muitas controvérsias judiciais.
Mas, a pessoa criada em situação de posse de estado não pode forçar o reconhecimento judicial da situação. Fica ao encargo dos pais regularizarem o vínculo afetivo para que este produza efeitos jurídicos. Nessa linha de interpretação, entende-se que tomar a posse do estado de filho como apta a constituir o vínculo jurídico é dar um passo não autorizado pelo nosso ordenamento[58].
Em razão disso, pode-se concluir que o direito cria assimetrias entre pessoas, dependendo do tipo de vínculo que estabelecem entre si. Privilegia situações familiares tradicionais e deixa à linha interpretativa de cada tribunal reconhecer ou não a diversidade das situações concretamente vivenciadas pelas famílias.
Considerações Finais
Repensar a disciplina da colação nos novos arranjos familiares significa uma forma de buscar critérios jurídicos de inclusão e responsabilidade dentro da esfera familiar, afastando o que parece ser uma tendência em criar desigualdades jurídicas entre pessoas quando se trata do mundo de relações privadas, um monismo jurídico[59] que se entremescla na família e nas sucessões.
Na atualidade, passado mais de um século, o Código Civil de 2002 ainda mantém em sua estrutura formas justapostas de família que entram em conflito: a imobilidade da família-tipo, com todas as garantias, e a mobilidade das práticas e vivências de conjugalidade e parentalidade, com garantias graduadas.
A Justiça pátria espelha esse conflito, variando as formas de julgar representativas de concepções normativas da civilística familiar, ora utilizando-se de métodos interpretativos e teorias desconectadas, pressupostamente neutros e fora da realidade em que se insere[60], ora reposicionando-se como parte integrante que não pode ser dissociada do social, que resulta num direito que da interpretação/aplicação submerge da positividade da sociedade e torna substancialmente e não só formalmente positivo[61].
A liberdade de dispor patrimônio, para terceiros ou dentre a família, apresenta relevância jurídica ao permitir mobilidade econômica nas novas configurações conjugais e parentais, especialmente nos casos de acordos de dissoluções de casamento e futuras recomposições. Mobilidade de afetos que representa uma complexificação da relação público-privado por envolver movimentação/parcelamento do patrimônio familiar com repercussões que ultrapassam a vida familiar e adentra na estrutura da sociedade.
As restrições à liberdade de dispor são os pilares para garantia da perpetuação e sobrevivência digna sob forma de normas cogentes a disciplinar a economia da família, que permanecem num impasse: o direito brasileiro não contempla a pluralidade dos arranjos familiares da contemporaneidade, desacerto que se estende ao plano político e estatal, ou seja, a fluidez da esfera privada exige do Estado novas políticas públicas para a inserção e reconhecimento nas dimensões sociais e privadas das famílias.
A democratização da família, a igualdade das relações entre homem e mulher, a aproximação das esferas doméstica e política que colocam em evidência a crise de um modelo jurídico e político que já não pode mais ser excludente e unitário, ampliando clivagens estruturais historicamente presentes na sociedade brasileira[62]. Contrastes entre a realidade e as normas, desigualdades juridicamente postas entre as famílias que desafiam ao repensamento do jurídico no reconhecimento e proteção estrutural do pluralismo na vida privada e a integração dessa diversidade de vivências ao complexo de normas de proteção do Estado, dando-se efetividade normativa aos princípios constitucionais e à incidência - direta ou indireta - dos próprios princípios sobre as relações intersubjetivas[63].
Cláudia Elisabeth Pozzi é membro do IBDFAM, bacharel em Direito, bacharel em Sociologia, mestre em Direito Civil, doutora em Sociologia e doutoranda do programa de Pós-Graduação "Direito, Justiça e Cidadania no século XIX". Contato: claudiaelisabethpozzi@gmail.com
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[1] Monteiro (2009, p. 12) defende que o direito hereditário se apóia em dois elementos: a propriedade (elemento individual) e a família (elemento social).
[2] Para o sociólogo francês J. Commaille (1991e 1998), essas são as principais transformações e tendências atuais pelas quais a esfera privada tem se redefinido, uma complexidade que repercute nas relações público-privado e, em especial, em o Estado promover políticas públicas que contemplem essas novas famílias.
[3] Sobre esse assunto, v. Lemouland, 2007.
[4] Furgiuele, 1987, p. 94.
[5] Nesse sentido, o estudo realizado por Giddens, 1993.
[6] Interessante trazer a incisiva crítica de P. Grossi (2006) quanto à "sonolência" do direito diante da complexidade e riqueza da sociedade, propondo um "repensamento epistemológico" do jurídico, ao ditar: "A rígida visão potestativa do direito, indiscutível para os nossos pais, está visivelmente se desmanchando, particularmente no campo do direito privado, em que as mudanças sociais e econômicas, mas ainda mais as mirabolantes novidades da técnica em contínuo arranque, freqüentemente relegam a um paleolítico jurídico as previsões contidas em tão respeitados quanto inutilizáveis textos legislativos, fazendo-nos assistir ao seu progressivo esvaziamento pela obra de uma diligente auto-regulação dos privados" (pp. 92-93).
[7] Perlingieri, 1986, pp. 936-937.
[8] Sobre a "descodificação", v. Irti, 1979.
[9] Assim retrata Perlingieri (1997) esse aspecto do Direito Civil: "O Código Civil certamente perdeu a centralidade de outrora. O papel unificador do sistema, tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente civilísticos quanto naqueles de relevância publicista, é desempenhado de maneira cada vez mais incisiva pelo Texto Constitucional" (p. 6).
[10] Perlingieri,1986, p. 1017.
[11] Oliveira, 2008, p. 396.
[12] Arnaud, 1998.
[13] A análise desse fenômeno do direito contemporâneo denominado "comércio de juízes" envolve a idéia da mundialização da transmissão do conhecimento, especialmente por meio das influências dos tribunais internacionais no âmbito dos tribunais locais que acaba por transcender as fronteiras tradicionais do direito (Allard & Garapon, 2006).
[14] Pocar & Ronfani, 2007, p. 34.
[15] Fachin (2000) analisa essa travessia do direito privado para um sistema aberto, relacionado ao social, no qual "não se encontram padrões de verificação do comportamento", não existem modelos excludentes e unitários (p. 259).
[16] Santos, 2002, p. 157.
[17] Giacco (2006, p. 1954) defende, numa perspectiva do direito europeu que o estudo da família deve mover-se em diversos planos, global, constitucional e regional. De certo modo, esses diversos planos encontram-se presentes nos estudos jurídicos brasileiros sobre a família, integrados no sistema global de direitos humanos, direitos constitucionais e direitos privados.
[18] Fachin, 2000, p. 260.
[19] Corapi, 1986, p. 437.
[20] Xavier, 2008, pp. 58-59.
[21] Nevares, 2002.
[22] Le Gall, 2003, p. 120.
[23] Théry (1998, p. 210) faz idêntica constatação na França, que analisa as famílias recompostas como produto de uniões sucessivas que se tornaram um componente importante da paisagem familiar, compreendidas não como fatalidade diante da dispersão e da dissolução do casal e um retorno à família nuclear, forma elaborada pelo direito nas décadas de 60 e 70 naquele país. Mas sim, como nos anos 90, na busca de preservar os vínculos da criança com a primeira família e que, na verdade, essas novas formas de recomposição familiar supõem que sejam restabelecidos e discutidos os lugares do parentesco e da coparentalidade.
[24] O Código Civil de 2002 mantém em sua estrutura o modelo do passado, ao que observa Fachin (2002) que "o modelo da unidade monológica sobre a estrutura de 1916 e compila, sob as vestes de um projeto moderno, premissas que iluminam o modelo passado" (p. 42).
[25] Estatísticas do Registro Civil 2007/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
[26] Indicadores Sociais 2007/ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
[27] Fachin, 2000, p. 260.
[28] Commaille, 1998.
[29] Estatísticas do Registro Civil 2007/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
[30] Monteiro, 2009, p. 109.
[31] Almeida & Azevedo, 2003, p. 253-254.
[32] Essa é a posição atual do Código Civil de 2002, pois que na disciplina do Código de 1916 vigorava o princípio da substância, como ressalta Monteiro (2009, p. 314), havendo possibilidade de colação por valor na hipótese de não mais existirem os bens doados no patrimônio do donatário. No mesmo sentido: Beviláqua (2000) e Amorim & Oliveira (2000). Contrário: Pereira (1997). Junto a essa questão, resta um dos problemas que a nova legislação ainda não suplantou quanto à verificação desses valores e a igualdade de quinhões, lembrando Fachin & Pianoviski (2007) dissensos jurisprudenciais e doutrinários sobre a quantificação das doações inoficiosas e a colação no cômputo da legítima na abertura da sucessão ou do ato de liberalidade.
[33] Hironaka, 2003, p. 255.
[34] Gomes, 2001, p. 215.
[35] Lôbo, 2003, pp. 311-312.
[36] Monteiro, 2009, p. 312.
[37] Beviláqua, 2000, p. 439.
[38] Veloso, 2003, p. 418.
[39] Gomes, 2004, p. 288.
[40] Beviláqua, idem, p. 439.
[41] Numa perspectiva jurídica brasileira, Orlando Gomes (1992) noticiou essas transformações da família e do direito de família, na década de 80, em estudo precursor, alerta sobre a inserção da mulher enquanto força produtiva "influindo em sua situação jurídica", defendendo o reconhecimento de direitos da concubina e necessidade de se flexibilizarem todas as formas da investigação de paternidade, a qualquer tempo e livremente, reconhecendo que "em diversos sectores do Direito de Família, brechas cada vez mais largas rasgam-se na empena dos Códigos distantes da vida" (p. 43).
[42] Expressão cunhada por Bauman (2004) que trata dos vínculos afetivos na pós-modernidade, marcados por relações fluidas integradas aos efeitos da globalização no plano social.
[43] Grossi, 2008, pp. 87-89.
[44] Martins-Costa & Branco, 2002.
[45] Sobre as permanências estruturais do Código de 1916 no atual Código de 2002, que mantém em sua estrutura o modelo do passado, observa Fachin (2002, p. 42) ser "o modelo da unidade monológica sobre a estrutura de 1916 e compila, sob as vestes de um projeto moderno, premissas que iluminam o modelo passado".
[46] Nesse sentido: Fachin & Pianovski, 2006, p. 76.
[47] Monteiro, 2009, p. 319. Contrariamente: somente com expressa determinação legal pode haver restrição de direitos, dispensando os ascendentes à conferência dos bens recebidos em doação (Veloso, 2003, p. 409 e Dias, 2008, p. 569).
[48] Essa posição está assentada no Recurso Especial n. 154948, apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, aos 19.02.2001.
[49] TJRS, Agravo de Instrumento n. 70012360478, de 14.09.2005.
[50] TJSP, Embargos Infringentes n. 670174-1/4, de 18.10.2005.
[51] TJSP, Apelação com Revisão n. 187.159.5/9, de 12.07.2005.
[52] Essa é a posição de grande parte dos julgados prolatados pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas que não representam a posição majoritária frente aos demais tribunais brasileiros.
[53] Essa é a posição adotada por muitas das Câmaras do TJSP, como expressa na Apelação Cível n. 266.853-4/8, de 28.11.2002, em não conferir ao parceiro/a sobrevivente de uma união homossexual os direitos sucessórios.
[54] TJSP, Apelação com Revisão n. 534.239-4/4, de 27.06.2008.
[55] STJ, Recurso Especial n. 730483, de 03.05.2005.
[56] Yngvesson, 2007.
[57] Fonseca, 2006.
[58] TJRS, Apelação Cível n. 70019810704, de 27.07.2007.
[59] Grossi, 2008, p. 73.
[60] Canotilho, 2004, p. 21.
[61] Grossi , 2008, p. 100.
[62] Faria, 1988, p. 54.
[63] Perlingieri, 2008, p. 59.
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