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Os sentimentos em busca de um sentido
O estresse é um conceito na fronteira entre mente e corpo e a proposta é pensá-lo no exercício do Direito de Família a partir de uma visão interdisciplinar, com aportes da Psicanálise, utilizando o percurso de Freud para ilustrar a entrada da subjetividade no campo do conhecimento.
O estresse é produto de uma carga de afeto, de sentimentos, que não encontraram seu lugar, alojando-se na fronteira entre corpo e mente. É um sintoma e uma de suas manifestações é a angústia. Da mesma forma que a angústia, o estresse pode ser positivo, se utilizado como um sinal e se for compreendido. Ou pode ser negativo, impedindo um relacionamento profícuo entre o indivíduo e o ambiente e, do indivíduo, consigo mesmo.
Em geral, as recomendações para lidar com o estresse trazem alívio transitório, enfocando somente o sintoma, como se os sentimentos, a ansiedade e os conflitos, que o determinam, pudessem ser controlados “por decreto”. Tais recomendações acabam por “culpabilizar” o indivíduo, colocando ainda mais carga sobre ele.
O estresse no exercício profissional necessita ser pensado de modo abrangente, levando-se em conta o sistema no qual o indivíduo está inserido. Não é só o corpo do sujeito que sofre com o estresse, mas o próprio “corpo” do Judiciário encontra-se em estresse. Da mesma forma que no caso dos indivíduos, algumas soluções como mais leis, um Novo Código, e as ditas formas alternativas de resolução de conflitos, trazem somente alívio momentâneo, cabendo examinar o sintoma de estresse do “corpo” Judiciário de forma ampla, redimensionando seu papel e a sua finalidade.
O desafio em pensar o estresse é o da defesa do direito à subjetividade do operador do Direito. Assim, a proposta é a de enfocar a questão a partir dos profissionais, a partir do sujeito do conhecimento. Da mesma forma, o desafio que sofre o Judiciário é o de pensar a si mesmo, o que necessita ser feito, não só através das queixas de que é alvo, mas utilizando de forma positiva o estresse de seu “corpo” e de seus operadores. Ao lado dos Sujeitos do Direito, os operadores também são Sujeitos do Desejo.
Os tempos são de complexidade e mudança e, para uma visão mais realista das questões que se apresentam atualmente, faz-se necessária uma reavaliação da divisão que anteriormente se fazia entre profissional/pessoal, trabalho/prazer, mente/corpo, pensamento/sentimento, subjetividade/objetividade.
No sintoma do estresse as categorias acima mencionadas estão dissociadas e o sentimento, ao ser reprimido e não encontrar seu verdadeiro sentido, faz seu retorno sob a forma de estresse: a entrada da subjetividade pela porta dos fundos.
Foi Sigmund Freud, um neurologista, quem deu um lugar científico à subjetividade, nos revelando o Sujeito do Desejo. Começou a tratar pacientes que apresentavam um sintoma físico sem que houvesse explicação objetiva; o problema estava na fronteira entre a mente e o corpo. Despiu-se das teorias de que dispunha na época e escutou suas pacientes e a si mesmo, deu um lugar à subjetividade, aliando-se a estas para pensar no significado que tinham seus sintomas. Buscando sentido, razão para o que não tinha explicação racional, descobriu sentimentos que não ousavam expressar-se abertamente.
Atento aos sentimentos e expectativas que as pacientes lhe dirigiam, e que iam além da relação médico-paciente, descobriu o fenômeno da transferência, que não se restringe à Psicanálise. Em situações de crise, e sobretudo no Direito de Família, os profissionais são alvo, sem o saber, de expectativas muito além das que podem atender.
Freud permitiu-se ser objeto da própria investigação, e os psicanalistas descobriram em si sentimentos em relação a seus pacientes que precisavam ser compreendidos para que fossem utilizados de forma a melhorar o exercício profissional. Possibilidade que falta, muitas vezes, aos operadores do Direito, pressionados pelos prazos e cobrados em eficiência.
Freud desvendou a sexualidade, ampliando sua concepção - surgiu o Sujeito do Desejo. Utilizou o mito grego de Édipo como um paradigma para compreender o ser humano e os impasses da subjetividade.
Da mesma forma que Édipo, perante o desafio da Esfinge, os operadores do Direito sentem o desafio diante da letra fria da lei e a complexidade das relações. Cabe lembrar que, ao lado dos operadores da bolsa de valores, os operadores do Direito têm profissão mais estressante, aparentemente lidam com valores de outros...
Freud permitiu-se sonhar e descobrir o significado para os próprios sonhos, nos brindou com uma nova ciência, a Psicanálise, integrando a subjetividade ao conhecimento.
O IBDFAM é produto de um sonho, de profissionais que se permitem sonhar um Direito diferente, sonho da inclusão dos excluídos no laço relacional, da inclusão dos afetos excluídos no conhecimento do Direito, da busca de sentido, de razão, para os sentimentos.
*Psicanalista pelo Instituto da Sociedade de Psicanálise de São Paulo; Mediadora; Membro International Society of Family Law; Coordenadora de Relações Interdisciplinares do IBDFAM.
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