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Anencefalia e projeto parental: uma decisão do casal?
Uma questão atual, polêmica e bastante controvertida em nossos tribunais é a possibilidade ou não da interrupção de gravidez, na qual a anencefalia, doença incompatível com a vida extra-uterina, é confirmada.
A posição dos juízes e dos tribunais brasileiros está longe de ser pacificada. Há decisões contra e pró a antecipação do parto, tendo a questão chegado ao Supremo Tribunal Federal. Os ministros do STF também têm opiniões divergentes, o que deixa o debate ainda mais acirrado. Em breve, a Corte Constitucional decidirá a questão, gerando uma grande expectativa em toda a sociedade.
A discussão tem-se centrado no direito de escolha da mãe em continuar ou interromper a gravidez e no direito à vida do nascituro. A corrente favorável à interrupção da gravidez baseia-se nos princípios da dignidade da pessoa humana, da intimidade, da liberdade de opção, de crença, do direito à saúde e à proteção da maternidade e, por fim, equipara a imposição da manutenção da gravidez de um anencéfalo à tortura, tratamento proibido em nosso ordenamento jurídico.
A corrente contrária, que defende a vida como valor máximo - mesmo que ela cause diversas frustrações para todos os envolvidos -, fundamenta-se no pretexto de que tal interrupção equivale ao crime de aborto e que o feto tem o direito de nascer, ainda que para viver apenas durante alguns minutos.
Enfim, sejam pró ou contra, as correntes se resumem à gestante e ao feto anencéfalo. Mas e o pai? Não terá ele direito de opinar sobre a deficiência do filho e a eventual antecipação terapêutica do parto? Será que seu posicionamento também não é relevante para solucionar a questão?
O que buscamos nesse trabalho é debater a anencefalia não apenas sob a perspectiva da mãe, mas situá-la no contexto de um projeto parental, levando-se em conta também a figura paterna e suas implicações. Todavia, antes de refletirmos sobre a questão principal sobre a qual se insurge, mister abordarmos, de forma mais detida, acerca dos aspectos que a envolvem.
2. A anencefalia e as controvérsias sobre a possibilidade da antecipação terapêutica do parto
A anencefalia é uma doença irreversível, caracterizada pela ausência de estruturas cerebrais (hemisférios e córtex), havendo apenas tronco cerebral. Vulgarmente é conhecida como ausência de cérebro e impede a vida extra-uterina. Há ausência de todas as funções superiores do sistema nervoso central, responsável pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade. Restam apenas funções vegetativas que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e as funções dependentes da medula espinhal.[3]
Geralmente, a criança nasce fora do termo, apresenta-se sem testa, com orelhas de implantação baixa, nariz longo e aquilino, boca relativamente pequena, pescoço curto e com sobras de pele nos ombros, além de ter globos oculares protuberantes e pode apresentar insuficiência das glândulas supra-renais. Sua vida é curta, de poucos minutos, e não há nenhuma forma de tratamento. O diagnóstico da anencefalia pode ser feito através de ultra-sonografia ou dosagem de alfa-fetoproteína, que se encontra aumentada no soro materno e no líquido amniótico, entre a 12ª e a 16ª semanas de gestação.[4]
De posse do diagnóstico, a certeza de impossibilidade de vida é absoluta, uma vez que a morte ocorre em 100% (cem por cento) dos casos. O bebê portador de anencefalia vive pouco tempo fora do útero materno, quando a gestação consegue chegar até seu termo, pois, na maioria dos casos, o feto morre ainda no ventre da mãe.
Apesar de todas essas complicações, a legislação brasileira não autoriza expressamente a interrupção da gestação nessa hipótese. No ordenamento jurídico pátrio, apenas duas exceções existem para a autorização do aborto: quando a gestante corre risco de morte ou quando a gravidez é resultante de estupro.
A primeira excludente da ilicitude é denominada aborto terapêutico ou necessário. Atualmente, o entendimento é de que o aborto pode ser feito não apenas para salvar a vida da gestante, mas quando for detectado algum perigo para sua saúde, seja física ou mental. Neste caso, o legislador, entre a vida do feto e da gestante, optou pela última. Ora, se estamos diante de duas vidas que merecem ser protegidas, qual foi a razão para que o legislador privilegiasse a vida da mãe em detrimento da do filho? Será uma vida mais valiosa que a outra?
Quanto ao segundo permissivo legal, o aborto humanitário ou sentimental nos parece bastante contraditório, se levarmos em conta que o aborto visa a proteção da vida do feto. Qual terá sido a razão para a exclusão da tipicidade nesse caso? De acordo com Dworkin:
Seria contraditório insistir em que o feto tem um direito à vida que seja forte o bastante para justificar a proibição ao aborto mesmo quando o nascimento possa arruinar a vida da mãe ou da família, mas que deixa de existir quando a gravidez é resultante de um crime sexual do qual o feto é, sem dúvida, totalmente inocente. [5]
Ainda quanto a essa forma de aborto, discorre o referido autor:
Exigir que uma mulher dê à luz uma criança concebida em um contexto de tamanha agressão é especialmente destrutivo para sua realização pessoal, uma vez que frustra sua escolha criativa não apenas no sexo, mas também na reprodução. [6]
Assim, muito se tem discutido atualmente sobre a viabilidade ou não da interrupção da gestação nos casos em que a anencefalia é detectada. Em dezembro de 2003, foi proferida uma liminar pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro autorizando a antecipação terapêutica do parto, mas foi cassada pelo Superior Tribunal de Justiça. O caso virou notícia nacional e o polêmico debate se tornou ainda mais acirrado. A gestante, diante da negativa do STJ, recorreu ao Supremo Tribunal Federal, que deixou de apreciar a matéria, uma vez que a demanda tinha perdido seu objeto, pois o bebê já havia nascido e morrido.
Neste caso, ao ficar sabendo que o filho esperado era portador de anencefalia, a gestante ingressou com um pedido de autorização para antecipar o parto. O juiz de primeira instância indeferiu o pedido sob o simples fundamento de impossibilidade jurídica do pedido, em face da ausência de suporte legal:
Indefiro o pedido por falta de amparo legal, eis que a hipótese vertente se encontra inserida no bojo do art. 128 do CP. Julgo, pois, extinto o processo, nos termos da lei processual.[7]
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro prontamente atendeu ao pedido da mãe. O habeas corpus impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça, e que condenou a gestante a esperar até o final da gravidez, foi impetrado pelo presidente da Associação Pró-Vida de Anápolis, Padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, que se apresentou em defesa do nascituro. Outro recurso foi impetrado, dessa vez pela mãe, perante o Supremo Tribunal Federal que, quando foi analisar o caso, o bebê já havia falecido, repita-se.
Tratava-se de uma menina que viveu apenas por sete minutos, como já era esperado e, ironicamente, foi registrada com o nome de Maria Vida. A longa trajetória percorrida pela gestante foi em vão. Em função de uma convicção religiosa de terceiros, ela foi obrigada a esperar até o final da gestação para ver sua filha morrer. Sua vontade, sua dor, sua angústia, enfim, seus sentimentos não foram sequer questionados, sob a argumentação de defender o melhor para a criança. O resultado foi o agravamento da desestrutura do estado emocional da mãe, que contava com apenas dezoito anos.
A Ministra Laurita Vaz indeferiu o pedido da gestante, ao fundamento da prevalência do Princípio da Reserva Legal:
A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam partem. Há de prevalecer, nesse caso, o princípio da reserva legal.[8]
O princípio da reserva legal determina que apenas a lei emanada do Poder Legislativo pode definir as espécies de crime, bem como as sanções penais.[9] No caso em tela, o Código Penal haveria de sofrer uma alteração para que a antecipação terapêutica do parto fosse legalizada, no entender da ilustre Ministra. Assim, se a lei penal não permite a exclusão da tipicidade para a interrupção da gravidez quando o feto for anencéfalo, não haveria que se cogitar tal hipótese.
É de grande relevância diferenciar a antecipação terapêutica do parto de aborto, na qual está ausente a potencialidade de vida extra-uterina. E, ademais, vários são os princípios presentes em nosso ordenamento jurídico que acatam tal pretensão.[10] Como podemos perceber, nem mesmo os integrantes do Poder Judiciário são unânimes quanto à questão, eis que controvertida em nossos tribunais.
Com o intuito de proteger a gestante que opta pela antecipação terapêutica do parto e isentar de qualquer forma de punição os profissionais da saúde que realizam tal conduta,[11] a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde propôs, em junho de 2004, uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental perante o Supremo Tribunal Federal. O Ministro Marco Aurélio, relator do caso, concedeu liminarmente a todas as gestantes o direito de interromper a gravidez, quando devidamente comprovada a anencefalia.
O Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, católico praticante, suscitou questão de ordem, requerendo a submissão do processo ao plenário do Supremo, para definir, preliminarmente, se a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental era a via correta para a declaração da constitucionalidade do direito à antecipação terapêutica do parto.
Assim, no dia 20 de outubro de 2004, o Supremo Tribunal Federal retomou a discussão sobre a anencefalia. O Ministro Carlos Ayres Brito pediu vista dos autos, suspendendo a análise da questão de ordem. Estava prevista para a pauta daquele dia apenas a discussão sobre a controvérsia suscitada pelo Procurador-Geral da República. Entretanto, o Ministro Eros Grau sugeriu que o plenário apreciasse a pertinência da manutenção da liminar concedida em 1º de julho de 2004, pelo Ministro Marco Aurélio.
Através de votação, o Supremo Tribunal cassou, por sete votos a quatro, o direito de a mulher interromper sua gestação, quando comprovado que espera um filho anencéfalo. A questão de ordem foi decidida pela Corte Constitucional no dia 27 de abril de 2005, quando a maioria dos ministros entendeu que a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental poderia ser utilizada como instrumento para questionar a falta de lei, como ocorre nos casos de anencefalia. Entretanto, o mérito da questão ainda não foi decidido. Até que essa decisão seja tomada, a gestante não poderá se submeter à interrupção da gravidez sem autorização judicial. A cassação da liminar, a nosso ver, configurou verdadeiro retrocesso pelo Poder Judiciário:
A idéia, generosamente humana, era conceder às mulheres o direito de fugir do suplício de dar à luz um filho que, já em sua primeira noite, em vez de deitar no berço, deita no caixão.[12]
Em face de toda essa discussão, constatamos que ela centraliza-se nos direitos da gestante e do nascituro, ficando suprimida a opinião do pai do bebê. Será a decisão mais acertada ignorar a opinião paterna? Diante disso, questiona-se: qual o papel do pai nesta decisão? Deveria ele opinar?
Um pouco mais à frente vamos tentar responder a essa questão e, por ora, vamos nos ater se é possível ou não interromper essa gravidez. Os doutrinadores que optam pela interrupção filiam-se à corrente de que não se trata de aborto, já que para sua tipificação é imprescindível a potencialidade de vida fora do útero materno, como afirmava Nelson Hungria:
No caso de gravidez extra-uterina, que representa um estado patológico, a sua interrupção não pode constituir o crime de abôrto. Não está em jôgo a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as consequências dos atos praticados se resolvem ùnicamente contra a mulher. O feto expulso (para que se caracterize o abôrto) deve ser um produto fisiológico, e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há falar-se em abôrto, para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto. [13]
Dessa forma, se não há expectativa de vida, ausente está o elemento essencial para a configuração do aborto, como é entendimento majoritário da doutrina:
Esse feto portador de inviabilidade extraordinária não é sujeito passivo do crime de aborto, pois não apresenta aptidão para atingir o status de pessoa, para ser investido, com o nascimento, dos demais atributos da personalidade. Essa é uma exigência do tipo penal para que haja o crime de aborto.[14]
Todavia, este pensamento não é unânime. João Baptista Villela defende posição contrária, argumentando que o critério viabilidade não deve ser adotado:
... A dignidade da vida não depende de sua higidez. Nem de sua duração. Onde quer que esteja presente o sopro da vida humana, aí está um valor intocável, ante o qual todos nos devemos curvar. Isso é particularmente verdadeiro em relação à fé. Nascido com vida, o anencéfalo acha-se proposto, na invalidez de seu corpo frágil, ao sacramento do batismo. Recebendo-o, incorpora-se definitivamente ao Corpo Místico de Cristo. Pouco importa que, ato contínuo, sobrevenha a morte. Tal como o Código Civil, a comunhão dos santos não exige o requisito da viabilidade.
[...]
Os anencéfalos, sabemos todos, não têm sobrevida longa. Pelo menos não a têm no estágio atual da ciência. Participam fugazmente do banquete da vida. A força vital que carregam até o nascimento está preordenada no mistério da criação, a esse breve momento de luz e comunhão conosco. Por que substituir "o fluxo da vida" pela nossa vã ciência e nossa fé, antes avara que generosa?[15]
Concordamos com a primeira corrente e também acreditamos não ser possível defender, na hipótese ora estudada, a idéia de aborto, razão pela qual utilizaremos o termo antecipação terapêutica do parto, quando nos referirmos à interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. Firmamos nosso posicionamento na ausência de expectativa de vida extra-uterina do anencéfalo e nos direitos de seus pais de anteciparem o futuro do filho, que já tem um destino certo: a morte poucos minutos após o nascimento.
Pautados no princípio da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável, do direito à saúde, que engloba não só a saúde física como também a psíquica, do desejo de gerar e criar um filho, é que defendemos ser dos pais, e tão-somente deles, o direito de definir pela antecipação terapêutica do parto ou pela continuidade da gestação. É uma questão da esfera muito íntima da família, que não deve ter, portanto, interferência de quem quer que seja, inclusive do Estado.
3. Projeto parental
No caso ideal a reprodução é uma decisão conjunta que tem raízes no amor e no desejo de dar continuidade à própria vida em conjugação com a vida de outra pessoa.[16]
A Constituição da República, em seu artigo 227, § 7º,[17] dispõe que o planejamento familiar é livre decisão do casal, desde que pautado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Portanto, o que está implícito neste dispositivo é a liberdade do casal em traçar as diretrizes da família, quanto à sua descendência e quanto aos meios de viabilizá-la. Vige, portanto, o aspecto constitucional da liberdade que é chamado pelos civilistas de autonomia privada, "aqui entendida como a capacidade do sujeito de direito de determinar seu próprio comportamento individual",[18] no caso, a capacidade de determinar o comportamento do casal, na esfera da procriação e do parentesco. Mesmo porque, dignidade e liberdade têm umbilical ligação pois, afinal, só é digno quem é livre e, só é verdadeiramente livre, quem é capaz de responder.[19] Assim, o que pregamos é a subsistência da liberdade acompanhada da responsabilidade, isto é, a decisão dos pais só pode ser livre em sua inteireza se eles forem capazes de arcar com a responsabilidade inerente a esta escolha.
Assim, não deve o Estado ter qualquer ingerência na opção do casal, sob pena de limitar o exercício da liberdade. Segundo Guilherme Calmon, o dispositivo constitucional reconhece o dever do Estado de atuar na matéria relativa ao projeto parental. Entretanto, frisa o autor que tal atuação não pode ser confundida com uma intromissão na vida do casal, possuindo dupla função, que vai em direção à concretude da cláusula de tutela da pessoa humana:
Tal atuação não possui qualquer conotação de intromissão ou ingerência na vida do casal constituído formal ou informalmente em família, mas detém dupla função: a) preventiva, no que se refere à informação, ao ensino, à educação das pessoas a respeito dos métodos, recursos e técnicas para o exercício dos direitos reprodutivos e sexuais; b) promocional, no sentido de empregar recursos e conhecimentos científicos para que as pessoas possam exercer seus direitos reprodutivos e sexuais, uma vez informados e educados a respeito das opções e mecanismos possíveis.[20]
A Lei n. 9.263/96 disciplinou o assunto, entendendo por planejamento familiar o conjunto de ações que visem regular a fecundidade, garantindo à mulher, ao homem e ao casal o direito de constituição, limitação ou aumento da prole. Assim, cabe ao casal decidir se terá filhos, quando, quantos e a diferença de idade entre eles. Para tanto, são permitidos meios contraceptivos que não causem danos à saúde do homem ou da mulher, o que propicia o sexo por prazer e a autonomia do casal quanto ao momento oportuno para decidir pela efetividade da parentalidade.
Com isso, homens e mulheres passam a ser titulares de direitos reprodutivos, não cabendo ao Estado e a ninguém intervir nesse projeto parental do casal, cuja decisão final, como já dita, deve estar pautada tanto na dignidade da pessoa humana como na paternidade responsável. Sobre os direitos reprodutivos, Maria Cláudia Crespo Brauner nos ensina:
A concretização desses direitos asseguraria a oportunidade de que todos os filhos fossem concebidos e gerados a partir do desejo, do projeto parental dos pais e, desse modo, a existência de políticas de saúde efetivas ofereceria as condições para que a paternidade e a maternidade responsáveis fossem exercidas, de forma livre, por todos aqueles que decidem trazer à vida, um novo ser.[21]
O artigo 9º da Lei n. 9.263/96 dispõe que "serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção".
As técnicas de reprodução assistida, são, dessa forma, garantidas àqueles que não podem ter filhos de forma natural. No entanto, o casal não poderia se aproveitar da Medicina para efetuar manipulações genéticas, tais como escolher o sexo do bebê, a cor dos olhos, do cabelo, entre outros atributos, caso contrário, a paternidade responsável estaria sendo gravemente violada e, principalmente, a dignidade da criança que virá ao mundo:
... as técnicas de procriação assistida, para serem compatíveis com a ordem constitucional, devem se desassociar de motivações voluntaristas ou especulativas, prevalecendo sempre, ao contrário, quer como critério interpretativo - na refrega de interesses contrapostos -, quer como premissa de política legislativa, o melhor desenvolvimento da personalidade da criança e sua plena realização como pessoa inserida no núcleo familiar.[22]
O desejo de ter filhos é, dessa forma, fator preponderante de um planejamento familiar, para que eles sejam recebidos com carinho na família que passarão a integrar. Aí está caracterizada a paternidade/parentalidade responsável, que trará inúmeros benefícios para a criança que foi, desde o início, desejada por seus pais:
... há responsabilidade individual e social das pessoas do homem e da mulher que, no exercício das liberdades inerentes à sexualidade e à procriação, vêm a gerar uma nova vida humana, cuja pessoa - a criança - deve ter priorizado o seu bem-estar físico, psíquico e espiritual, com todos os direitos fundamentais reconhecidos a seu favor.[23]
A parentalidade responsável não diz respeito apenas à decisão de se tornar pai ou mãe, uma vez que gera responsabilidade para toda uma vida, que vai muito além dos limites temporais impostos à autoridade parental. Assim, a consciência do exercício da parentalidade abrange muito mais do que o aspecto voluntário de procriar, mas especialmente os aspectos posteriores ao nascimento do filho, inerentes à responsabilidade parental, nas fases mais relevantes da formação e desenvolvimento da personalidade que são a infância e a adolescência.[24]
Daí a necessidade de uma política bem-feita de informação sobre as formas de concepção e contracepção, para evitar transtornos e desequilíbrios futuros em uma família. O projeto parental é exclusivo do casal, sendo ideal que os filhos sejam desejados e amados a partir da concepção, visando, assim, o efetivo cumprimento do princípio da paternidade responsável e da doutrina da proteção integral e, conseqüentemente, garantindo a dignidade dos envolvidos, sejam pais ou filhos.
Essa escolha compete aos pais, pois eles são livres e responsáveis pela opção que fazem. Não há, neste caso, necessidade da coerção, ou da interferência estatal. Esta se faz presente quando a pessoa não é capaz de responder ou de responsabilizar-se por seus atos, como ensina João Baptista Villela:
É, entretanto, urgentemente, necessário reconhecer que uma ordem jurídica baseada na coerção é indigna da transcendental grandeza do homem. Se se quer para o futuro expressões convivenciais inspiradas no amor e na justiça, na dignidade e na confiança, tem-se que restituir ao homem a superior liberdade de responder, ele próprio, aos deveres que decorrem da vida em sociedade.[25]
4. O direito à procriação
Uma vez garantido ao casal o planejamento familiar, será que podemos afirmar a existência de um direito à procriação? A partir do momento que o casal define as diretrizes do projeto parental, seria amplo e absoluto este direito, independente dos meios utilizados para alcançar tal fim? Aqueles que defendem a existência da procriação como um direito, o compreendem na seara do planejamento familiar, considerando que:
reproduzir-se na linhagem ancestral, fabricar a carne de sua carne, imaginar criar uma relação pais/filhos ideal, recriar sua infância distante, dar um presente a seu companheiro ou à sua companheira, cercar-se de filhos para evitar a solidão dos anos futuros, múltiplas são as razões que levam um casal a se submeter a qualquer sacrifício para atingir a máxima ventura da perpetuação.[26]
Os avanços da biogenética têm feito com que o direito à procriação sofra limitação ao seu exercício, o que nos leva a concluir pela sua relatividade. Afinal, embora o projeto parental seja livre decisão do casal, ele está submetido aos princípios constitucionais e aos ditames de ordem pública. Por exemplo, um casal não pode se utilizar da técnica de gestação de substituição remunerada para ter o filho tão desejado, sob pena de conferir caráter patrimonial a um direito de personalidade, que é a cessão de parte do corpo, que deve ser, necessariamente, gratuita, quando for possível e viável.
A doutrina diverge no sentido de ser ou não a procriação um direito, não obstante a disposição constitucional que confere a liberdade do planejamento familiar. A corrente contrária ao direito à procriação afirma inexistir tal direito, sendo ele apenas uma faculdade dos pais pois, caso contrário, os futuros filhos teriam sua dignidade violada, uma vez que se tornariam mero objeto do desejo dos pais. Eduardo de Oliveira Leite é um dos defensores deste pensamento:
Este 'direito' invocado é apenas uma faculdade, ou melhor, uma liberdade. Catherine Labrusse-Rieu e J. L. Baudon já se referiram sobre a matéria em termos bastante claros. Existe uma liberdade de engendrar filhos. Quando a natureza se opõe, o direito médico e social criaram um verdadeiro direito à cura da esterilidade tentando vencer este handicap e permitindo o exercício da liberdade de procriar. Entretanto, procriar não é um direito. Até poderia ser se a liberdade em jogo constituísse um direito pessoal ou um direito real. (...)
Na realidade, 'não há direito a ter filhos, nem direito de fazer um para outrem. O que há é uma liberdade de desejar um e a liberdade de ajudar o semelhante (estéril) a ter um. O direito a ter filhos, quando se quer, como se quer, e em qualquer circunstância é reivindicado como um direito fundamental, (mas é apenas) a expressão de uma vontade exacerbada de liberdade e de plenitude individual em matérias tais como o sexo, a vida e a morte.[27]
Outra corrente defende a existência de um direito à procriação, ao fundamento de que a realização do projeto parental é de suma importância para o pleno desenvolvimento da personalidade. A negativa da realização de tal direito implicaria em violação ao Princípio da Dignidade Humana, esculpido no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988:
Por conseguinte, o direito de procriação existe e, como tal, deve ser assegurado pela ordem jurídica. Se a Constituição Federal protege a família e esta é constituída pelos genitores e seus descendentes, a proteção deve ser estendida à procriação, um dos recursos por meio do qual a família será constituída. Seria ilógico não reconhecer o direito de procriação, pois estaria tutelando a família sem se tutelar sua origem.[28]
A Constituição Federal, em seu art. 226, dispõe que a família é a base da sociedade. A família, por sua vez, é um núcleo de afetividade, sendo sua expressão mais comum a formada pelos pais e seus descendentes. Ora, se a instituição deve ser garantida, também deve ser sua criação, bem como a de seus membros.
Assim, se o direito ao projeto parental é previsto na Constituição Federal, como sendo um direito do casal, sem a interferência do Estado, podemos concluir que, indiretamente, também está previsto o direito à procriação.
Se o casal pode planejar livremente o direito à constituição da família, é de se presumir que ambos têm liberdade de decidir sobre a questão de ter ou não filhos. O direito à procriação tem índole constitucional, como o direito de constituição de família e de planejamento familiar.
Entretanto, não é o direito à procriação um direito absoluto, pois encontra limites no interesse da criança a ser concebida. O novo ser - que é sujeito de direitos fundamentais protegidos pelo Estado - não pode ser gerado apenas como forma de instrumento de felicidade irrestrita dos pais, sob pena de conduzir a discussão para a reificação de uma vida.
O direito à procriação faz parte da natureza humana, sendo vedado por nosso ordenamento jurídico a redução dessa condição. Portanto, fundado no Princípio da Dignidade e da Constituição da Família, concluímos pela existência do direito à procriação, limitado, sempre, aos interesses da criança que será gerada.
5. A importância da participação paterna e materna na definição do projeto parental
Foi analisado que o planejamento familiar é livre decisão do casal e, por essa razão, não deve receber influências definidoras do Estado, cujo papel é no sentido de viabilizar a informação aos pais, de modo que eles possam, no contexto da sua autonomia privada, tomar a melhor decisão para as diretrizes quanto à filiação no âmbito daquele núcleo familiar.
A definição do projeto parental deve ser feita pelo casal, quando se tratar de união estável ou de casamento, pois cada vez tem sido mais valorizada a participação de ambos os genitores na construção da personalidade dos filhos, cada um cumprindo funções diferentes na vida deste. A relevância das funções materna e paterna tem sido cada vez mais reconhecida. A função do pai tem ganhado especial relevo, tendo em vista a nova epistemologia da paternidade na contemporaneidade, conforme afirma Rodrigo da Cunha Pereira:
Interessa-nos trazer para o Direito o que a Psicanálise já desenvolveu em sua teoria, principalmente após Lacan. O pai pode exercer todas essas funções, mas elas constituem, na verdade, uma conseqüência, ou um derivado, da função básica de um pai e que está na essência de toda cultura e de todos os tempos: o pai, ou melhor, 'um' pai que exerça a função de representante da lei básica e primeira, essencial a que todo ser possa humanizar-se por meio da linguagem e tornar-se sujeito. Esse pai, como já se disse, não é necessariamente o pai-genitor, mas aquele que empresta o seu nome para interferir e interditar a simbiótica relação mãe-filho. Ele é o outro que possibilita ao filho o acesso à cultura.[29]
Atualmente, com as modernas técnicas de reprodução assistida, coloca-se uma questão ainda mais nova, que é a possibilidade da escolha pela monoparentalidade, mediante a utilização dessas novas técnicas. Poderia o pai ou a mãe impor ao filho que nasça sem a presença de um dos genitores? Poderia haver a opção pela monoparentalidade?
Maria de Fátima Freire de Sá admite a hipótese antes ventilada. Afinal, "o princípio do melhor interesse da criança não estará assegurado simplesmente pelo fato de ela nascer em família biparental, mas pela circunstância de ser amada, desejada e respeitada".[30] Concordamos com a autora, principalmente no que se refere ao suporte fático que origina a verdadeira filiação, e que deve ser assimilado pelo Direito. Mesmo porque não são os laços biológicos que garantem a efetividade da filiação, mas a construção afetiva feita no decorrer da vida, da convivência, da interação mútua. Afinal, tomando emprestados os ensinamentos de Leonardo Boff, é o cuidado que realmente define a essência do ser humano.[31] Este só pode acontecer se pautado em noções de alteridade, reciprocidade e afetividade. Afinal, "é o olhar do outro que nos define e nos forma".[32]
Entretanto, quando não for o caso da monoparentalidade, faz-se imprescindível a participação de ambos os genitores na decisão que antecede e que efetiva o projeto parental, com o escopo de concretizar o princípio do melhor interesse da criança.[33]
6. O direito do pai co-participar na decisão da antecipação do parto: um atributo da autoridade parental?
Muito se tem discutido sobre as relações parentais e as enormes variações que as circundam. Mas, antes de adentrar diretamente no tema, é relevante discutir o conceito de poder parental. O que seria ele? Este é um múnus privado atribuído pelo Estado aos pais, para ser exercido em benefício dos filhos, razão pela qual é denominado pela Teoria Geral do Direito Privado como poder jurídico. Gustavo Tepedino critica a antiga concepção do poder familiar como direito subjetivo, em razão de dificuldade funcional de adaptação mútua, considerando que este foi criado nos moldes de uma concepção patrimonialista, para servir aos direitos reais, creditícios ou obrigacionais.[34] Se aceitarmos entendimento diverso, estaríamos chancelando que a relação parental se encaixaria no binômio pretensão/satisfação, inerente aos direitos subjetivos.
Definitivamente, o relacionamento parental transcende este binômio, pois é exercido em benefício exclusivo dos filhos. É inegável que ele repercute na vida dos pais, mas apenas como conseqüência, não como finalidade precípua. Este é, portanto, o enquadramento jurídico mais adequado à autoridade parental, que permeará nossas reflexões.
A autoridade parental deve ser exercida por ambos os pais, em conjunto. No caso de divergência, qualquer deles tem legitimidade para recorrer ao juiz, a fim de definir a controvérsia. O que se deve definir é se ela se estende ao nascituro, ainda no ventre materno, para a definição da continuidade da gestação ou não, quando o feto for anencéfalo. Embora o Código Civil de 2002 seja omisso neste aspecto, não temos dúvida de que, mediante uma interpretação sistemática, seja possível entender que o termo inicial da titularidade e do exercício da autoridade parental é quando o filho ainda está no útero da mãe.
São várias as oportunidades que nos demonstram essa tese. Primeiro, constata-se que o nascituro pode ser curatelado, caso o pai faleça estando grávida a mulher e não tendo o poder familiar, conforme dispõe o art. 1.779 do CCB/02, o que prova a necessidade exigida pela lei de ter alguém que o represente e que dele cuide no período de gestação. Além disso, o nascituro também pode ser reconhecido pelo genitor[35] ou receber doação,[36] além de outras prerrogativas que lhe resguardam o direito material e processual. Francisco Amaral entende que o nascituro é sujeito de direitos, tanto pela interpretação sistemática dos dispositivos acima citados como por ser titular de direitos subjetivos com eficácia suspensa ou em formação. "Falar-se em condição ou em expectativa de direito é reconhecer-se o nascituro como titular de direitos em formação, o que pressupõe titularidade, obviamente, personalidade."[37]
A jurisprudência tem reconhecido a capacidade postulatória ao nascituro para pleitear alimentos.[38] Esta possibilidade sugere a presença do dever de assistência, um dos componentes constitucionais da autoridade parental. O conteúdo constitucional do poder familiar encontra-se no art. 229 da CF/88, que prevê, para os pais, os deveres de criar, educar e assistir os filhos, enquanto menores. Em que consistiria esta gama de obrigações?
A criação está diretamente ligada ao suprimento das necessidades biopsíquicas do menor, o que a atrela à assistência, ou seja, à satisfação das demandas básicas, tais como, cuidados na enfermidade, orientação moral, apoio psicológico, manifestações de afeto, o vestir, o abrigar, o alimentar, o acompanhar física e espiritualmente.[39]
Na verdade, assistência, criação e educação estão diretamente atrelados à formação da personalidade do menor bem como ao escopo de realizar os direitos fundamentais dos filhos, seja em que seara for. O direito à educação, além deste aspecto geral, também se reporta ao incentivo intelectual, para que a criança e o adolescente tenham condições de alcançar sua autonomia, pessoal e profissional.
Educar um menor, dando-lhe condições de desenvolver sua personalidade, para que ele tome suas próprias decisões e faça as suas escolhas, revela-se através de um processo dialógico permanente, pelo qual quem educa é também educado, construindo-se mutuamente a dignidade dos sujeitos envolvidos. No dever de educar está implícita a obrigação de promover no filho o desenvolvimento pleno de todos os aspectos da sua personalidade, de modo a prepará-lo para o exercício da cidadania e qualificá-lo para o trabalho, mediante a educação formal e informal, o que atende aos arts. 3º e 53 do ECA.[40] No mesmo sentido, Paulo Luiz Netto Lôbo ensina que:
A noção de educação é ampla. Inclui a educação escolar, moral, política, profissional, cívica e a formação que se dá em família e em todos os ambientes que contribuam para a formação do filho menor, como pessoa em desenvolvimento. Ela inclui, ainda, todas as medidas que permitam ao filho aprender a viver em sociedade.[41]
Pietro Perlingieri sublinha que a educação vai muito além das horas de trabalho escolar, pois se apresenta de forma bem mais ampla, "incluindo de um lado os comportamentos - como exemplos e testemunhas -, do outro toda atividade cultural, espiritual e recreativa, que não é possível se considerar delegada à Escola".[42]
Por isso, a finalidade precípua do poder familiar consiste em ser um veículo propiciador de autonomia ao menor, para que ele tenha condições de fazer suas próprias escolhas e exercer as próprias possibilidades, enfim, para que se torne um cidadão, tanto na órbita estatal quanto no exercício dos direitos e deveres éticos.
Frisamos que os poderes-deveres inerentes à autoridade parental competem aos pais, mesmo após o fim da conjugalidade. Desta forma, os genitores devem continuar assistindo, criando e educando os filhos, independente da sua condição de solteiros, casados, separados, conviventes ou divorciados, conforme art. 1.632 do CCB/2002.
Uma vez analisado o conteúdo que compõe a autoridade parental e que tanto a titularidade quanto o exercício independem da situação dos pais, que a exercem em condições de igualdade, voltamos ao questionamento inicial: teria o pai legitimidade para opinar quanto à decisão da antecipação terapêutica do parto?
Diante dos atributos da autoridade parental, padece de dúvida de que o pai não tem apenas legitimidade e interesse em participar dessa decisão, mas é recomendável que o faça, pois o que norteia as decisões quanto ao nascituro, à criança e ao adolescente é o melhor interesse destes. Por isso, é de todo recomendável que o pai também participe desta decisão, juntamente com a mãe, de modo a fazer jus à possibilidade que a Constituição faculta quanto à autonomia de estabelecer o projeto parental do casal. Ora, decidir quanto à manutenção ou não de uma gravidez é parte inconteste das diretrizes do planejamento familiar, principalmente porque esta decisão influenciará, sobremaneira, na estrutura familiar até então estabelecida. É cediço que a vida ou a morte de um dos membros da família influencia todos seus demais componentes. Com o nascituro não é diferente. Sua vida ou sua morte reflete, principalmente, no sonho dos pais em ter um filho, que, com seu falecimento, é frustrado. Inegável, portanto, a repercussão desta situação na vida do pai, que, titular da autoridade parental, tem todas as condições para influenciar nesta decisão.
7. Notas conclusivas
Pretendemos suscitar, com o presente trabalho, questões relativas à viabilidade jurídica da antecipação terapêutica do parto, no caso de fetos anencéfalos, ou seja, aqueles que possuem uma disfunção cerebral, impossibilitadora da vida. A questão se encontra sob os auspícios de análise dos ministros do Supremo Tribunal Federal, os quais, em breve, pronunciar-se-ão sobre o mérito da controvérsia, tendo em vista que a decisão destes se limitou, até o momento, sobre a liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio e cassada pelo Pleno, bem como sobre a forma processual (Argüição de Preceito Fundamental) em que foi aduzida tal pretensão.
O problema se insere no contexto do planejamento familiar, cuja liberdade de determinação foi proclamada pela Constituição Federal. O prisma que adotamos para examinar a controvérsia limitou-se à seara da autonomia privada, que nos remete ao exercício da liberdade responsável, que não é, portanto, irrestrita, embora deva ser preservada. Afinal, ninguém melhor do que os próprios pais para definir as diretrizes do projeto parental, com vistas a decidir os rumos da sua descendência, bem como as formas de concretizá-la. Este direito pertence ao casal, em condições de igualdade.
No que tange ao modo de viabilizar a procriação, também este não é ilimitado. Embora consideremos a descendência como um direito, este encontra limites nos Princípios da Dignidade Humana e do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, porquanto não é possível toda e qualquer forma de concretizar o sonho de um casal em ter um filho. A biotecnologia provoca questionamentos que nos impulsionam a invocar a ética e a moral para resolvê-los, ou mesmo, limitá-los.
As discussões que a anencefalia gera nos levam a refletir sobre o planejamento familiar, tendo em vista a liberdade que o envolve. A decisão do Supremo Tribunal Federal suscita a seguinte questão: teria a mãe legitimidade para decidir pela continuidade ou interrupção da gravidez? Defendemos que esta decisão não cabe ao Estado, mas não deverá ser tomada apenas pela mãe. Para melhor análise da controvérsia, chamamos à cena a figura do pai, co-titular da autoridade parental, para que possa compartilhar com a mãe essa relevante decisão quanto ao destino daquela criança, já, tão cedo, selado sob as insígnias da morte.
Ana Carolina Brochado Teixeira é membro e diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, advogada, professora de Direito de Família, mestre em Direito Privado e doutora em Direito Civil.
Maria Goreth Macedo Valadares é membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, advogada, professora de Direito de Família e Sucessões, mestra e doutoranda em Direito Privado.
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* Artigo publicado no livro A ética da convivência familiar: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006. (Coord.) Tânia da Silva Pereira e Rodrigo da Cunha Pereira.
[1] Doutora em Direito Civil pela UERJ. Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professora de Direito de Família da Faculdade Estácio de Sá e do Centro Universitário UNA. Membro e Diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Advogada.
[2] Doutoranda e mestra em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Direito Civil pelo Instituto de Educação Continuada da PUC Minas. Professora de Direito de Família e Sucessões da PUC Minas, Unidade Serro. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Advogada.
[3] DINIZ, Debora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília: Letras Livres, 2003, p. 102.
[4] DIAMENT, Aron; CYPEL, Saul. Neurologia infantil. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 1996, p. 745.
[5] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 44.
[6] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 133.
[7] STJ, Habeas Corpus n. 32.159, Min. Rel. Laurita Vaz, julgado em 17/2/2004.
[8] STJ, Habeas Corpus n. 32.159, Min. Rel. Laurita Vaz, julgado em 17/2/2004.
[9] MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal. 15. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 55-56. "O também denominado princípio da reserva legal, tem, entre vários significados, o da reserva absoluta da lei (emanada pelo Poder Legislativo, através de procedimento estabelecido em nível constitucional) para a definição dos crimes e cominação das sanções penais, o que afasta não só outras fontes do direito, como as regras jurídicas que não são lei em sentido estrito, embora tenham o mesmo efeito, como ocorre, por exemplo, com a medida provisória, instrumento totalmente inadequado para tal finalidade."
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 10. "(...) pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida."
[10] Não podemos deixar de salientar que os princípios, assim como as regras são normas jurídicas, tendo aplicação imediata e caráter normativo. Dworkin, Habermas e Günther são alguns dos autores que defendem uma concepção deontológica dos princípios. Assim, ainda que não haja lei expressa sobre o assunto em questão, podemos solucioná-lo através dos princípios presentes em nosso ordenamento jurídico, bem como de um processo hermenêutico que nos leve a uma decisão razoável. Sobre o tema ver Os princípios jurídicos no Estado Democrático de Direito: ensaio sobre o modo de sua aplicação. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 143, ano 36, jul./set. 1999.
[11] A responsabilidade dos profissionais da saúde tem sido bastante debatida atualmente. Diante deste fato a Confederação Nacional dos Profissionais da Saúde ingressou com a ADPF para impedir que médicos e demais profissionais da área da saúde venham a ser punidos por suas condutas, caso antecipem o parto de um feto anencéfalo. Sobre responsabilidade médica, indicamos a leitura de TEPEDINO, Gustavo. A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea. Revista Trimestral de Direito Civil. v. 2, ano 2000, p. 41-75.
[12] PETRY, André. Sem aborto. Com dor. REVISTA VEJA, ano 37, n. 43, p. 114, 27 out. 2004.
[13] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v.V, p. 297-298.
[14] DINIZ, Debora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília: Letras Livres, 2003, p. 100.
[15] VILLELA, João Baptista. Fé e ética na perspectiva da anencefalia. Revista Del Rey, ano 7, n. 14, p. 11.
[16] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 44.
[17] Art. 227, 7º da CF - Fundados nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
[18] SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 174.
[19] VILLELA, João Baptista. Direito, coerção & responsabilidade: por uma ordem social não-violenta. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, v. IV, n. 3, p. 31-32, 1982. (Série Monografias).
[20] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 447-448.
[21] BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Direito, sexualidade e reprodução humana: conquistas médicas e o debate bioético. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 16.
[22] TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civi.. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 472.
[23] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 454.
[24] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 455.
[25] VILLELA, João Baptista. Direito, coerção & responsabilidade: por uma ordem social não-violenta. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, v. IV, n. 3, p. 31-32, 1982. (Série Monografias).
[26] LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 69.
[27] LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 356.
[28] QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.123.
[29] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 132.
[30] SÁ, Maria de Fátima Freire de. Monoparentalidade e Biodireito. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética, família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, IBDFAM, 2004, p. 447.
[31] BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. São Paulo: Vozes, 1999, passim.
[32] ECO, Umberto; MARTINI, Carlo Maria. Em que crêem os que não crêem? 3. ed. São Paulo: Record, 2000, p. 83.
[33] O Tribunal de Justiça de Minas Gerais já concedeu indenização por danos morais ao nascituro em virtude da morte de seu pai decorrente de um ato ilícito, por entender que a criança, mesmo antes de nascer, tinha um projeto de vida que incluía a presença do pai. Ap. Cível n. 1.0000.00.298.894-7/000(2), Rel. Des. Wander Marotta, pub. em 23/11/2004.
[34] TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e a autoridade parental na ordem civil-constitucional. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética, família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, IBDFAM, 2004, p. 310.
[35] Art. 1.609, parágrafo único, CCB/02. O reconhecimento pode preceder o nascimento de filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.
[36] Art. 542, CCB/02. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal.
[37] AMARAL, Francisco. Direito civil - introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 223.
[38] RT 625/177 e RT 587/182.
[39] LIMA, Taísa Maria Macena. Guarda de fato: tipo sociológico em busca de um tipo jurídico. Controvérsias no sistema de filiação. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1984, p. 31.
[40] COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 102.
[41] LÔBO, Paulo Luiz Netto; AZEVEDO, Álvaro Vilaça (Coords.). Código Civil comentado: direito de família, relações de parentesco, direito patrimonial: arts. 1.591 a 1.693. São Paulo: Atlas, 2003, v. XVI, p. 209.
[42] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Trad. Maria Cristina De Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 194.
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